BEDA / A Mariposinha

Deixei um pouco o meu computador de lado e quando voltei havia um pedaço de folha seca sobre o teclado, das muitas das plantas daqui de casa. Quando fui limpá-lo, saiu voando, deixando um pouco de pó como lembrança. Tratava-se de uma pequena mariposa. Do ângulo que eu a vi, a confundi devido à sua cor, semelhante. Isso ocorreu há poucos dias. Há dois dias, eu a encontrei finalmente pousada, asas recolhidas, em repouso eterno. Até que seus átomos se dissolvam e retornem em outras formas de ser-não-ser, coloquei o seu corpo no solo do jardim. Viva, quando a toquei, senti a solidez de um algodão, mas a sua força sei que residia no percurso da sua transformação. De lagartinha a pupa, da pupa à eclosão em mariposa. A origem do seu nome é pura poesia. “A palavra “mariposa” é de origem castelhana e é composta de uma apócope de ‘Maria’ (Mari) e do imperativo do verbo posar (em português pousar), ‘posa’”. (Wilkipédia)

A Vida é assim – alada. A sua companheira, a morte, muito mal falada. No entanto, uma não tem fundamento sem a outra. São imbricadas e complementares. Aliás, eu creio firmemente que a expressão da energia vital não se atem apenas aos seres que se movimentam. Pedras falam tanto quanto humanos. As suas formas de nos contar uma história tem outra ordem. E o sentido de eternidade ganha uma linguagem incomensuravelmente mais ampla. As plantas têm essa qualidade, também. São os seres vivos mais fascinantes que conheço. São organismos que se diversificam em formas e maneiras de se apresentarem quase infinitas. E a inteligência que que demonstram ainda mal mensurada.

Quando aprendemos na escola sobre os Reinos (nome fantasioso e atraente) – Animal, Vegetal e Mineral – descobrimos que eles são restritivos. Aprendemos que o do Seres Vivos apresentam cinco categorias: animal, vegetal, fungi, protista e monera. Há muitos mais. E um certo sujeito chegou a dizer que seu reino não era daqui. Sem querer entrar no mérito do invisível por se tratar de outras dimensões e frequências, a energia vital se espraia por tudo que existe, desde o ponto infinitesimal que gerou todos os universos. E todos podem caber no sentido e compreensão no voo e morte de uma mariposinha. Sempre em direção à Luz, sua sina. E a nossa…

Texto constante de BEDA: Blog Every Day August

Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Bob F / Denise Gals / Claudia Leonardi / Lunna Guedes / Suzana Martins

#Blogvember / Hominhos De Lata

“Entalhadas nas nervuras do corpo ser — semente — flor”, por Nirlei Maria Oliveira, em As Estações

Lembro de ter aprendido na escola que fazemos parte do Reino Animal. Que somos mamíferos, da Ordem dos Primatas, da família Hominadae. Para completar o nosso lugar no mundo, nos autodenominamos Homo sapiens sapiens. Não basta nos chamarmos de homens sábios. Somos além de sábios, sábios por termos desenvolvido autoconsciência, racionalidade e sapiência. Mas não somos tão sábios a ponto de não percebermos que isso nos afasta dos outros seres do nosso reino, assim como do Reino Vegetal e Mineral. A nossa espécie surgiu a cerca de trezentos mil anos e já fizemos um estrago considerável ao nosso planeta. Por nossa intervenção, extinguimos várias outras espécies vivas – animais e vegetais.

A grandeza da devastação provocada pelo Homem à Terra só é comparável a de um Câncer terminal a uma pessoa. Ou a um vírus invencível que infecta um corpo. Ou ao meteoro que extinguiu os dinossauros há 66 milhões de anos. Cedo em minha vida, percebi a nossa conexão com as forças da Natureza. Que o desequilíbrio de forças em marcha poderá finalmente nos extinguir como espécie, apesar de nos jactarmos de nossa invencibilidade. Sem se dar conta que nossa semente poderá um dia não se transformar em flor.

Somos fascinados pelas máquinas que inventamos e construímos. Modernamente, tem sido muito mais fácil nos identificarmos com as suas qualidades do que nos compararmos positivamente aos seres vivos. Sou admirador de árvores e plantas. Percebo que a sua aventada mudez é substituída por demonstrações óbvias de formas de expressão não percebidas. Em RUA 2, cheguei a colocar uma personagem a conversar com uma sábia árvore de uma ilha central da Avenida São Luiz.

Em 2016, invadi o reino inanimado das construções humanas para brincar com a nossa tendência em humanizar carros, ferramentas e objetos de uso pessoal. Escrevi:

“Numa dessas ocasiões, eu estava a caminho da academia, sempre a passar por ele. Desde que o vi pela primeira vez, havia simpatizado com o Hominho de Lata. Porém, naquele dia, algo mais aconteceu – lhe puseram óculos. Pronto! De imediato, me senti identificado. Eu “nasci” de óculos… Ou melhor, não me reconheço sem os óculos, figurativamente… A saber que as coisas mais intensas que faço são na penumbra, sem rejeitar a luz que se instaura…

Ali estava a mim mesmo, consubstanciado – homem que nasceu para ser nuvem, mas que se tornou lata – enrijecido pelos tempos a fora, em pose de quem carrega o peso e a função de sorrir, ainda que o mundo lhe envergue as costas… Boa sorte a minha de tê-lo como companheiro de percurso, a lembrar de minha (nossa) pequenez, Hominho de Lata!”.

A continuarmos a nossa saga de fugirmos de nossas características que nos liguem à Natureza, é bem possível que tenhamos muito maior parentesco com futuristas homens de lata do que com os seres vivos. Enfim, desumanizados.

Participam: Suzana Martins / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

Proteger A Vida Verde Para Quem?*

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Em dia de ENEM, tive contato com uma informação que me deixou perplexo. Fiquei a imaginar como e quando viemos a perder a consciência de unidade  planetária. Por que muitos de nós – autodenominados, animais racionais – afirmam desconhecer o vínculo íntimo entre todos os seres viventes nos vários Reinos? Em qual ponto no meio do caminho deixamos de fazer parte da Natureza, para nos tornarmos seus algozes? E como esgarçamos a ciência de não vermos vida em uma planta?

Em resposta a uma postagem do blogue Cientistas descobriram que… “CDQ”, que cita respostas de estudantes do Ensino Médio a respeito da concepção de que as plantas não são seres vivos, postei “A Árvore – Casa 3”, de RUA 2, publicado em 2018 pela Scenarium Plural Livros Artesanais. Nesse conto, um motorista parado no trânsito conversa com uma árvore, que demonstra a sabedoria de quem faz parte de um intricado sistema vital que envolve todos os seres, há milhões de anos. Há quem dirá que minhas palavras sejam fantasiosas. Apenas aqueles que nunca se comunicaram com a vida…

“A ÁRVORE
casa 3

Entardecer… março-ainda-verão-chuva-forte-e-repentina.
O trânsito se complica.
Em vários pontos da cidade… anda-se a passos lentos.
Parado na via… o motorista olha para a árvore à sua esquerda e, aborrecido com a falta de movimento… puxa conversa:
— Estamos todos parados. Você… parece bem mais confortável.
Buzinas-cansaço-chuva-cansaço e as horas em seus movimentos de minutos-segundos… e ele ouve:
— Estou certa disso: sei quem sou, onde estou e para onde vou…
O cidadão revira os olhos… agarra firme o volante e refuta:
— Não me parece que vá a algum lugar.
— Você se prende à minha aparente imobilidade. No entanto, tenho consciência de tudo o que me rodeia. Nós, árvores, não precisamos nos deslocar para isso…
O animal paralisado funga… ao se dar conta da ironia da árvore…
— Tem consciência que foi plantada por homens e que homens podem arrancá-la a qualquer momento?
— Você também não foi “plantado” por homens? Igualmente não podem vir desplantar a sua presença no mundo, à mercê que estamos de circunstâncias incontroláveis, a todo o momento? Você sabe para onde vai?
Sentindo-se ainda mais incomodado que antes, parecia se alongar para uma pequena batalha.
— Estou tentando ir para o trabalho… acaso, sabe o que é trabalhar para sobreviver?
— Eu sou uma trabalhadora nata. O ser mais preparado para subsistir. Sou a minha própria indústria de alimento. Se me permite dizer… a questão que abordo é bem mais profunda: você sabe para onde vai, realmente?
Sem resposta, o bípede retribuiu a questão:
— E você, sabe?
— Sim… eu sei!
O ser em sua condição de criatura-pensante suspendeu a respiração por instante e ouviu:
— Eu vou para onde estou e estou onde deveria estar. Sem essa certeza, estaria desenraizada. E é daqui que os observo em movimento errático de lá para cá, a percorrer trilhas marcadas, em busca de algo que, em verdade, vocês já têm…
Boquiaberto, o humano emudeceu, mas ocorreu-lhe uma pergunta:
— Porque raios estar a falar comigo? Eu converso com plantas, pássaros, cães, gatos, mas nunca antes me responderam.
— Porque se coloca como um igual a mim. Normalmente, as pessoas sequer me notam.
— Acredito que façamos parte do mesmo ambiente, a viver o mesmo tempo… interligados.
— Parece que já conhece o caminho, amigo…”.

*Proteger A Vida Verde Para Que(m)?