Em dia de ENEM, tive contato com uma informação que me deixou perplexo. Fiquei a imaginar como e quando viemos a perder a consciência de unidade planetária. Por que muitos de nós – autodenominados, animais racionais – afirmam desconhecer o vínculo íntimo entre todos os seres viventes nos vários Reinos? Em qual ponto no meio do caminho deixamos de fazer parte da Natureza, para nos tornarmos seus algozes? E como esgarçamos a ciência de não vermos vida em uma planta?
Em resposta a uma postagem do blogue Cientistas descobriram que… “CDQ”, que cita respostas de estudantes do Ensino Médio a respeito da concepção de que as plantas não são seres vivos, postei “A Árvore – Casa 3”, de RUA 2, publicado em 2018 pela Scenarium Plural Livros Artesanais. Nesse conto, um motorista parado no trânsito conversa com uma árvore, que demonstra a sabedoria de quem faz parte de um intricado sistema vital que envolve todos os seres, há milhões de anos. Há quem dirá que minhas palavras sejam fantasiosas. Apenas aqueles que nunca se comunicaram com a vida…
“A ÁRVORE
casa 3
Entardecer… março-ainda-verão-chuva-forte-e-repentina.
O trânsito se complica.
Em vários pontos da cidade… anda-se a passos lentos.
Parado na via… o motorista olha para a árvore à sua esquerda e, aborrecido com a falta de movimento… puxa conversa:
— Estamos todos parados. Você… parece bem mais confortável.
Buzinas-cansaço-chuva-cansaço e as horas em seus movimentos de minutos-segundos… e ele ouve:
— Estou certa disso: sei quem sou, onde estou e para onde vou…
O cidadão revira os olhos… agarra firme o volante e refuta:
— Não me parece que vá a algum lugar.
— Você se prende à minha aparente imobilidade. No entanto, tenho consciência de tudo o que me rodeia. Nós, árvores, não precisamos nos deslocar para isso…
O animal paralisado funga… ao se dar conta da ironia da árvore…
— Tem consciência que foi plantada por homens e que homens podem arrancá-la a qualquer momento?
— Você também não foi “plantado” por homens? Igualmente não podem vir desplantar a sua presença no mundo, à mercê que estamos de circunstâncias incontroláveis, a todo o momento? Você sabe para onde vai?
Sentindo-se ainda mais incomodado que antes, parecia se alongar para uma pequena batalha.
— Estou tentando ir para o trabalho… acaso, sabe o que é trabalhar para sobreviver?
— Eu sou uma trabalhadora nata. O ser mais preparado para subsistir. Sou a minha própria indústria de alimento. Se me permite dizer… a questão que abordo é bem mais profunda: você sabe para onde vai, realmente?
Sem resposta, o bípede retribuiu a questão:
— E você, sabe?
— Sim… eu sei!
O ser em sua condição de criatura-pensante suspendeu a respiração por instante e ouviu:
— Eu vou para onde estou e estou onde deveria estar. Sem essa certeza, estaria desenraizada. E é daqui que os observo em movimento errático de lá para cá, a percorrer trilhas marcadas, em busca de algo que, em verdade, vocês já têm…
Boquiaberto, o humano emudeceu, mas ocorreu-lhe uma pergunta:
— Porque raios estar a falar comigo? Eu converso com plantas, pássaros, cães, gatos, mas nunca antes me responderam.
— Porque se coloca como um igual a mim. Normalmente, as pessoas sequer me notam.
— Acredito que façamos parte do mesmo ambiente, a viver o mesmo tempo… interligados.
— Parece que já conhece o caminho, amigo…”.
*Proteger A Vida Verde Para Que(m)?
Caro Obdulio, lindo texto! Obrigado pela leitura e atenção dispensada ao meu texto “Proteger a Vida para Que(m)?”. Em relação à percepção de existência de maior complexidade de alguns seres vivos em relação a outros em momento oportuno me dedicarei ao exercício de levar reflexões na tentativa (sempre Quixotesca) de mudar arraigadas (e muitas vezes errôneas) concepções. Obrigado. Cordiais saudações, Giordano Calloni.
Eu que agradeço por abordar um tema que me é muito caro. Abração!
Acho que eu acabei de me lembrar de um texto antigo que foi lido num desses cursos de literatura, por mim frequentado no começo da década anterior, a respeito de um beija flor que tenta apagar um incêndio e que acaba questionado sobre a sua árdua tarefa. Ele responde “estou a fazer a minha parte”. Simples assim… faço por mim e só. Me basta. Quem não faz nada e que arruma desculpas para nada fazer, que se resolva. rs
Quanto a natureza, tenho muito contato com ela, em momentos em que o homem pessoa-individuo-animal me cansa, tiro os calçadas e vou caminhar no parque. Inspirar e expirar. Sentir. É disso que preciso. É por isso que faço…