Seis Anos De Bethânia

Em 17 de Maio de 2016, escrevi: “Pois, é!… Aconteceu de novo… A Tânia e a Romy se compadeceram de uma doidinha de saudade perdida na região… Uma pediu, a outra a resgatou… Agora, Bethânia parou de chorar, sentada em meu colo… A academia adiada, enquanto descansa de seu sofrimento a nova fêmea da família, pelo menos por um tempo…”.

Hoje, a Bethânia cresceu, mas nem tanto. Gosta de agir como se fosse uma gata e, apesar de suas perninhas curtas, salta a mais de um metro de altura, subindo em muretas, telhados, pias e, eventualmente, em mesas. Destruiu praticamente sozinha um conjunto de sofás e vez ou outra acusa travesseiros e almofadas de atacá-la, os rasgando. Sofre bastante com o frio, odeia roupinhas e prefere ficar debaixo das cobertas nas camas que a aceitar. Quando a Romy foi resgatá-la perguntou para uma senhora que estava próxima se era dela. A resposta que ouviu foi: “ninguém quer isso daí, não!”.

Nós quisemos “isso daí”, bicho ciumento que ganhou um capítulo no meu primeiro livro pela Scenarium Livros ArtesanaisREALidade – por essa característica. Teimosa, late sem parar normalmente quando a Lívia está em reunião no Home Office. Complexa,  é difícil explicar a personalidade forte dessa “pessoa”…

Entrevistando Alexandre, O Pequeno

Alexandre e o entrevistador

Hoje, faz quatro luas que eu encontrei Alexandre ou ele me encontrou. Tanto quanto da outra vez, dia de votação. Votei pela vida. Decidi conversar mais longamente com aquele agora faz parte da família. Eu me encaminhei em direção ao meu entrevistado. Ele ainda bocejava quando passei a mão em sua cabeça e disse que precisava conversar com ele. Faria uma entrevista para conhecê-lo melhor. Alexandre esticou suas quatro patinhas longas e retas.

– Bom dia, papai!

Caramba! Ele me chamar daquela forma me desconcertou… Fiquei tentando observar mais de perto os seus olhos anuviados pela catarata e pude perceber que buscava também os meus. Me deu uma lambida. Voltei a passar a mão em sua cabeça e desci pelo dorso magro, mas muito mais cheinho do que quando o encontrei.

– Vamos lá?

– Sair? Aqui está tão quentinho…

– Não, não é isso. Vamos conversar. Como está se sentindo?

– Estou com soninho e com um pouco de fome…

– Vou escrever que está bem…

– Não foi isso que disse, papai…

– Não está bem, então?

– Estou feliz! Ganhei uma caminha quentinha, carinho de todos, fiz amigas, principalmente a Bethânia, mas vou devagar com ela. Tem muito ciúme do papai.

A cada vez que ele me chamava de papai, eu ficava desconcertado. Voltei a lembrança para as primeiras vezes em que as minhas filhas humanas me chamaram de “papai” – uma emoção que não há igual.

– Mas também estou com fome…

– Daqui a pouco, vocês todos irão comer…

– Depois tem biscoito?

– Sim, mais à noite. O que eu queria perguntar é: se lembra da sua família antes de chegar em aqui?

– Eu sonho com ela, lembro do cheiro da casa. Parece que mamãe tinha sumido, não me dava mais comida. Fiquei fuçando atrás de um cheiro bom. Mas não estou enxergando como antes. De repente, estava sozinho. Quando percebi, não conseguia voltar. Fiquei muito tempo sem comer, fiquei vagando atrás de comida. Quando papai me encontrou, tinha sido expulso da feira de domingo. Fui caminhando sem destino…

O tom de seu pensamento não era de tristeza, exatamente, mas de resignação. Ele citou a mesma feira em que hoje comprei mexericas na volta da votação. Subi pela mesma ladeira na qual o vi caminhar à esmo, cheirando o asfalto.

– Onde você dormia? Houve dias que fez bastante frio…

– Ah… eu ficava enroladinho nalgum buraco. Numa graminha mais alta. Na escadaria de alguma casa. De manhã, saía para encontrar algum saco de lixo com restos de comida humana. Mas sempre tinha um cachorro maior na minha frente. Quase não sobrava nada.

Não sabe quanto tempo ficou perdido?

– Nós não entendemos o tempo como vocês, humanos. Aliás, fico curioso com o que vocês tanto fazem de lá para cá. Não param um instante! É tão gostoso se deitar ao sol, na caminha, nas almofadas. Comer uma comidinha gostosa! Beber uma aguinha fresca…

Como explicar para o Alexandre que fazemos o que fazemos muito por causa dele e dos outros? Melhor não saber. Não valia a pena…

– Vamos sair um pouquinho para o quintal?

Terminou?

Não! Você mesmo disse que gosta de sol. Está um dia lindo! Sobe no banco. Pronto! Podemos recomeçar?

Cadê o meu paninho? Tem o meu cheiro…

– Espera… vou pegar… olha aqui! Está cheio de buraquinhos. Imagino que você morda por ansiedade… Achávamos que você era mudo. Por que você ficou duas semanas sem latir?

– Eu tinha medo de que as meninas me atacassem. Agora, me sinto em casa. Gosto de ficar latindo para quem passa, quando vejo. Ou só faço coro para elas.

– Como está a sua visão?

– Quase vejo bem com o meu olho direito. O esquerdo parece que tem um pano na frente. Eu me assusto com sombras e movimentos rápidos.

– Quando o vi pela primeira vez, você quase se metia debaixo dos carros…

– Estava com muita fome. Eu me dirigia pelo olfato. Não me importava com mais nada!

– Ah! Foi quando decidi resgatá-lo. Peguei você no colo, que retribuiu com xixi no meu casaco…

– Estava assustado e fraquinho, mas quando colocou a minha cabeça junto ao seu peito, ouvi o seu coração bater e me acalmei um pouco…

– E você me disse que se chamava Alexandre…

Eu achei que fosse o Alexandre, por isso, falei seu nome… mas ele sumiu antes de mamãe…