Dança Mágica*

Em relação à imagem acima, escrevi em 13 de setembro de 2016:
“Ontem, como estava há quatro dias “virando” de um evento para outro, não estranhei que me sentisse em um sonho quando começou o cortejo dos candelabros conduzidos pelas bailarinas do grupo de Nazira Izumi. Ao adentrarem ao “Picadeiro“, com o auxílio generoso da bela trilha sonora, o clima da apresentação pareceu o de uma reunião de modernas bruxas na floresta, a homenagear os mistérios femininos com a ciência da vida. Cumpriu a nós, expectadores, apenas nos deixarmos levar pela beleza dos movimentos ritmados daquele ritual…”.

Poeminhas

Larga
Vida larga
Sempre se impondo
Sobre a morte amarga
A corajosa largatixinha
Larga a antiga casa
Larga a vidinha
Rasa
Fechada
Que tinha
E se torna
Do seu destino
Rainha.

Igreja nossa que estais na terra
Onde um ritual divino se celebra
Se eleva a alma e desce a lágrima
Que seja o amor a sua obra prima.

Caminho…
a cada passo no chão,
deixo marcas dos meus pés
nas nuvens…

BEDA / Varrição

varrer o quintal
tarefa enfadonha?
para mim um ritual
faço com o prazer escatológico
de quem reúne estrelas na varrição
restos de galáxias que se chocam
em auto consumação apocalíptica
no chão jaz restos biológicos
vestígios da morte etapa da vida
renovada em movimentos necessários
imprecisos distantes de nosso controle
em meia hora passeio pela existência
presença passagem passageira
do feto à caveira num átimo
em reinícios etapas a cada passo
transfiro as folhagens para novo canteiro
reposição de matéria orgânica
imponho o ciclo natural do qual participamos
aceito…
a eternidade é um estado de espírito…

Texto de participante de BEDA: Blog Every Day August

Claudia Leonardi / Lunna Guedes / Mariana GouveiaRoseli Pedroso / Suzana Martins / Bob F

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Resquícios

O que restou? De tudo o que passamos há algo que poderia ser mencionado como importante a ponto de ainda repercutir em nossas vidas? Há situações elegíveis aqui e acolá que possam ser chamadas de bons resquícios, talvez indicadores de que o quadro irá melhorar.

Do ano que passou, no dia 30 de outubro, encontrei o Alexandre. O antes mudo velhinho meio-cego de quatro patas, passa as manhãs latindo para quem caminha em frente ao portão vermelho. Ocupa um cantinho especial do sofá novo, o mesmo que a Tânia disse que nenhum dos peludos subiria.

Voltei a fazer exercícios programados. Percorria os um pouco mais de 2,5 Km até a academia, observando o percurso e suas paisagens –– casas, praças, ruas, seres humanos e outros. Sempre poderia encontrar uma história à minha espera. Nesta imagem, uma casa de porto fechado –– carro antigo na garagem, entulhos e lixo pela passagem –– a demonstrar o abandono das pessoas que aí residiam. Talvez seja mais um caso de batalha judicial familiar, demonstração óbvia que não apenas de amor se preenche os alicerces de uma casa.

Em uma época que não estava muito bem, deu de eu encontrar monumentos à vida em meu caminho. Sobre a outra vida, homenageando de modo indireto a esta. Precisava dessas duas horas de relaxamento e visão de FuturoPresente do Passado.

A primeira manhã de 2023 surgiu limpa, lavada da chuva noturna – águas de 2022 que se intrometeram no ano novo adentro. E assim é, sempre. A separação rigorosa que nós, seres humanos fazemos, não significa nada para as estações sobrepostas umas sobre as outras como o que ocorre neste Dia de Reis, por exemplo. Tanto naquela manhã, que encerrava o final do evento de Réveillon, estou trabalhando. Apesar do peso que a palavra trabalho carrega, eu encaro essa circunstância como a oportunidade de vivenciar experiências simples e satisfatórias para mim, como olhar as cores das nuvens pintadas de Sol.

Hoje, 6 de janeiro de 2023, não deixei de cumprir um ritual pessoal –– o de buscar estar presente –– principalmente num local como este, junto à Via Anchieta, ao lado da Mata Atlântica. Chovia, como chove neste exato momento. Mas mais parecia um carinho úmido, feito a mão macia de uma mulher. O frio deste Verão atípico, como eventualmente virão a ser embaralhadas todas as estações, apenas é mais um detalhe de deslocamento ao qual gosto tanto de vivenciar.

* “Neste dia Dia de Reis, recebi de presente, em papel de transparente visão, uma ‘sensação de estranhamento feliz’. À primeira vista, esta fruta que encontrei no jardim parecia ser um pequeno abacate. O abacateiro que tínhamos se foi há algum tempo. Após lavá-la, ao posicioná-la para a foto, quase a confundi com uma pera. Ao toque, dada a lisura de sua casca, ficou evidente tratar-se de um maracujá mesmo, já que além das mangas (no final da safra), jabuticabas e goiabas, só temos mesmo um maracujazeiro em plena produção. A sua forma inusitada, causou aquela sensação nomeada acima. Um pequeno bálsamo em relação à antípoda ‘sensação de infelicidade entranhada’, tão em voga em 2020. Ainda assim, feliz Dia de Reis!”.

*Este texto incidental, de dois anos antes, trazia um certo otimismo, mas que agora posso entender como uma desesperada tentativa de enganar a mim mesmo que, paulatinamente, via crescer o meu amargor diante da crescente “sensação de infelicidade entranhada”, como se fosse um câncer. Ao final do desse mesmo mês cheguei ao limite, com o prenúncio de uma crise de ansiedade que me fez buscar a ajuda das águas litorâneas. Um mês depois, nascia o projeto do livro lançado pela Scenarium, ainda em 2021: Curso de Rio, Caminho do Mar.

Participam: Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins

O Pancadão De Van Gogh*

Sentado numa cadeira na varanda, esperava o entardecer avançar sobre nós. Ansiava que nuvens, que até então não se faziam presentes, viessem a adornar o crepúsculo de final de outono. Sempre a provocar excitantes e variadas formas como pano de fundo que avivam a imaginação. Uma brisa fria me deixava desperto ainda que o Sol intenso me forçasse a fechar as pálpebras-cortinas do palco de 80% da minha percepção sensorial. Sobre elas, a luz dos olhos meus não competia, mas adivinhava o brilho daquela estrela que emprestava o calor gerador da vida na Terra.

Observar o entardecer era um ritual que repetia sempre que estava em casa, mas que consegui exportar para outros lugares sempre que o tempo e o horizonte aberto me permitissem presenciar o efeito da revolução terrestre que cotidiana e silenciosamente ocorre sem que os seres que se dizem inteligentes a sintam. Sapos, tubarões, viúvas negras, borboletas, abelhas, alces e elefantes, golfinhos e beija-flores a sabem por uma questão de sobrevivência. As aves, seres revolucionários, descendentes diretos dos senhores do planeta por milhões de anos os dinossauros a conhecem para poderem migrar de um ponto a outro do hemisfério ou até entre os hemisférios. Baleias, salmões e tartarugas a usam para encontrarem o lugar ancestral para procriarem. Resta a mim, como um mísero animal ignorante dessa sofisticada ciência, aplaudir os ocasos como mapas de percurso.

Como era sábado, outros rituais humanos menos silenciosos que o meu, principiavam. Para além do estímulo visual, a audição ganhava preponderância. O som de gêneros musicais diversos e seus praticantes forrozeiros, sambistas, sertanejos e funkeiros competiam para ver quem venceria uma batalha perdida. Era como se para se deslocarem da vida comum necessitassem de colossais massas sonoras para se transportarem. O Sol, tão distante quanto pode ser um astro-rei, se despregava de seu ponto ilusório até outro. Abstraído-encantado, me ausentava de onde estava, surdo para as brigas de casais, o molejo da morena, as descidas até o chão e arpejos de sanfoneiros verdadeira barafunda de acordes em desacordos.

Mal pude acreditar quando pela chegada discreta da nebulosidade e do vento alto que a dispersava, a visão do entardecer se transformou em obra impressionista, em que fios de cabelos luminosos vangoguiavam a paisagem. Por mais furioso que tivesse o volume sonoro, nada impedia que me sentisse embevecido pela Natureza a reproduzir na tela rota da Periferia de Sampa, pinceladas do triste e belo pintor holandês, ao ritmo do pancadão.

*Blogagem Coletiva 
Tema: o que faz brilhar seus olhos?

Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso