02 / 06 / 2025 / Robertão*

Roberto, atualmente com 84 anos

Em 2015* foi chamado a publicar sobre as minhas influências musicais. Mesmo muito novo, a minha preferência sempre recaiu sobre a MPB. Mas não pude deixar de demarcar umas das que mais me marcou, lançando mão de um artista que se fez presente desde que comecei a “cantar”, no chuveiro, no meu quarto, no quintal, de mim pra mim, aos quatro ou cinco anos de idade.

Quase me propus postar algo referente aos grandes festivais da Record dos Anos 60, que também foram muito importantes para mim, porém, decidi pelo coração, contra o intelecto. Pois já andei de “Calhambeque”, já praguejei e disse “Quero Que Vá Tudo Para O Inferno”, desci perigosamente, a toda velocidade pel“As Curvas Das Estradas De Santos”, para encontrar a minha “Amada Amante”, “Quando” expliquei: “Por Isso Corro Demais”!

Eu poderia construir inúmeras histórias através do que cantou o Rei, como vários temas cantados por ele pontuaram a minha vida e, acredito, de quase todo brasileiro nos últimos cinquenta anos. Relevem um pouco o Roberto institucional dos últimos anos. A energia que ele gerou com a sua Turma da Jovem Guarda, antes, e posteriormente em carreira como cantor predominantemente de canções românticas, pelo menos até os Anos 80, permitiram que construísse uma carreira sem precedentes e, creio, sem nenhuma chance de que volte a acontecer novamente na MPB.

Eu, quando garoto, queria que a minha mãe comprasse calças “Tremendão”, do Erasmo Carlos e camisas de franjas, como as que o Roberto Carlos usava e imitava certos trejeitos dos meus ídolos. Anos mais tarde, um dos componentes da Jovem Guarda, Prini Lorez, tornou-se meu professor de judô e muitos anos depois, o encontrei, bem como a vários outros do movimento, em shows que sonorizei e iluminei, incluindo a Wanderléa (lembra, Sidão Yshara?). Tirando Roberto e Erasmo, creio que já tenha trabalhado com a grandíssima maioria dos componentes da Jovem Guarda, além de vários músicos que os acompanhavam. Foi um prazer impróprio para quem trabalha, já que é praxe que devamos sofrer para ganhar o nosso pão…

Apenas quem, como eu, viajou vinte e quatro horas seguidas de ônibus e se distraiu com fitas cassetes com músicas do Robertão, sabe a grandeza e grandiosidade da obra desse grande cantor nacional. A música que preferi escolher entre tantas é “Detalhes”, do disco de 1971 –– Robert Carlos. É um LP (Long Play) emblemático para mim porque foi o primeiro que a minha mãe pode comprar, já que a coleção que tínhamos era apenas formada por antigos “bolachões” e passávamos por uma difícil fase econômica na época. Além desse clássico tínhamos, nesse disco, as seguintes faixas: “Como Dois E Dois”, “A Namorada”, “Você Não Sabe O Que Vai Perder”, “Traumas” (que a minha mãe adorava!), “Eu Só Tenho Um Caminho”, “Todos Estão Surdos”, “Debaixo Dos Caracóis Dos Seus Cabelos”, “Se Eu Partir”, I Love You”, “De Tanto Amor”, “Amanda Amante”. A grande maioria, clássicos da carreira do Rei! A grande maioria, sei cantar até hoje, “decór”!

BEDA / Amor & Ser

Ah, o milagre do amor…

Eu, desde muito cedo, me acostumei a separar Amor de amor. Amor designaria aquele gerado sem segundas intenções, puro e autônomo, existente mesmo sem ser correspondido, mesmo porque é generalizante. O de fundo “romântico”, baseado no afeto mútuo, vive no raso das emoções, mais “fácil” de ser correspondido, assim como descartado. Origina-se na simpatia e expresso de maneira menos elaborada. Normalmente pede envolvimento físico, mas pode se colocar numa condição superior através da convivência. Também comecei distinguir Ser de ser, em que o primeiro significaria alcançar a plena capacidade de existir, Sendo. Neste caso, “ser” representaria a situação transitória da existência.

Quando falo do milagre do Amor, deve-se ao esforço que devemos fazer para ultrapassar as muitas barreiras que muitas vezes erguemos para conseguirmos desenvolver tamanha empatia a ponto de vir proporcionar sentimentos mais elevados. Para dificultar, entra em jogo as diferenças inerentes à nossa presença no mundo – que mais separam do que unem as pessoas. Muitas vezes, para darmos vazão ao amor que nos move intimamente, desenvolvemos relações mais profundas com outros seres que não os humanos. 

No amor romântico, assumimos formas relacionais que geram emoções alteradas, aflitivas, geradoras de conflitos entre as partes correspondentes. O sistema sob o qual a Sociedade se desenvolveu impede que seja diferente. É comum que não progridam, a não ser que o relacionamento seja reinventado de comum acordo. É algo que tem ganhado maior número de adeptos abandonar os arranjos tradicionais, buscando novos feitios que muitas vezes incorporam mais do que dois componentes no convívio mútuo. No entanto, dado ao aumento da violência entre os casais, principalmente do homem contra a mulher, têm-se desejado evitar uniões tradicionais, prioritariamente por elas.

Esforço maior ainda é saber o que seja esse tal de amor romântico. Aliás, sei. Que se resume em não saber de si. Acho que esse amor tem o papel de nos perdermos. Descobrirmos as nossas fraquezas, abaixarmos as nossas defesas, sofrermos os ataques do “inimigo”, nos rendermos ao sentimento. Poderia se dizer que não precisaria ser assim. Concordo, mas a intensidade tem tanto a nos ensinar. Sem ela, não vale a pena vivê-lo. Não amarmos com todo o ardor, nos desmontarmos, é um bem-vindo exercício de humildade. Podemos vir a morrer. Mas tenho por mim que renascemos melhores.

Muito recentemente, percebi que para Amar ao próximo como a nós mesmos, recomendado por um grande Avatar como mandamento precípuo, nos Amarmos é fundamental. Não pode haver correspondência sem que nos aceitemos com todas as nossas falhas. Sabermos que Somos, ainda que imperfeitos neste instante que são as nossas momentâneas vidas terrenas. Enfim, amar, apesar de tudo, é uma introdução a um movimento que abarca um sentido bem mais complexo, superior… enquanto não alcançamos o Amor.

Foto por lil artsy em Pexels.com

Texto participante do BEDA: Blog Every Day August

Roseli Peixoto / Claudia Leonardi / Bob F / Lunna Guedes / Suzana Martins / Mariana Gouveia

Monkey’s Motel

Garoto, há um pouco mais de 50 anos, íamos pela principal avenida da Vila Nova CachoeirinhaDeputado Emílio Carlos em direção à Barra Funda, onde eu estudava na Canuto do Val e meus irmãos, ainda antes dos 6 anos, ficavam no Parque Infantil Mário de Andrade. Depois, eu também era levado para o Mário de Andrade e lá passava o resto do dia, até nossa mãe vir nos buscar depois do trabalho. Projeto educacional dos Anos 30 implementado pelo mesmo Mario de Andrade que o nomeia, o então Secretário da Educação acreditava num ensino abrangente em tempo e profundidade — alfabetização, teatro, música, artes plásticas, esportes e jogos-brincadeiras.

Na ida e na volta, passávamos pelo Monkey’s Motel e curioso como sou até hoje, minha mãe não sabia o que responder quando lhe perguntava o que representava os três macaquinhos e o que era aquele lugar com uma entrada tão atraente, uma espécie de boca de caverna pela qual se adentrava em um mundo novo e divertido. Então, a nossa região era isolada e o asfalto era raro, exceção feita a da “Deputado” desde o Largo do Japonês. Quase à mesma época, começou a construção do Hospital Maternidade Escola de Vila Nova Cachoeirinha, com uma concepção futurista para a época. A distância dos dois estabelecimentos não era grande, cerca de trezentos metros. A região parecia progredir. O antigo estábulo no Largo deu lugar a uma construção que abrigou mais tarde um banco e o asfalto começava a chegar a algumas ruas abaixo, incluindo a minha. Nessa época, vivia dias de emoção descendo com carrinhos de rolimã por ela desde a atual Avenida Ministro Lins de Barros. Apesar do perigo das quedas, que não eram poucas, havia mais segurança, já que circulavam poucos carros e as carroças em maior número eram lentas. Como dado adicional para comprovar que a vida era outra, as entregas de leite, frutas, legumes e verduras eram feitas antes da abertura dos estabelecimentos comerciais, mas ninguém tocava nos produtos.

Por meu turno, continuava com a minha ingenuidade à flor da pele. Porém, cheguei à adolescência sabendo do que se tratava um motel (da maneira que é utilizada essa denominação no Brasil) um lugar de encontros sexuais. Ficava imaginando a razão das pessoas irem a esse estabelecimento a não ser pelo fato de encontrar condições mais favoráveis do que teriam em casa. Até que a “revelação” de que ali não somente pessoas com “laços oficiais” praticavam o sexo. Normalmente, com a aparência de algo proibido, de fato, a grandíssima maioria que frequentava o Monkey’s não eram casados, a não ser com outras pessoas. Se consideram que a minha inocência fosse incomensurável, concordo. Tinha uma visão romântica da vida e o meu senso do certo e do errado era totalmente irreal. Mais tarde, entendi o que os três macaquinhos queriam demonstrar: que ali, quem entrasse, teria a sua intimidade preservada — nada seria visto, ouvido ou dito — sobre os encontros que testemunhassem.

No entanto, na tradição da sabedoria budista, os três macaquinhos representam características comportamentais exemplares que nos levariam à elevação de caráter. Iwazaru, o que tapa a boca, significaria “não falar o mal”. O que cobre os olhos, Mizaru, expressaria: “não ver o mal”. E Kikazaru, o que tapa os ouvidos, revelaria que deveríamos “não ouvir o mal”. Que nossa boca jamais fale o que possa prejudicar os outros. Que meus olhos nunca vejam nada além das boas intenções. Que jamais possamos dar ouvidos ao que atente contra a nobreza espiritual. De uma forma um tanto enviesada, mas totalmente afeita às características sociais de nossa civilização, os macaquinhos se prestam às nossas contradições, carregadas de regras religiosas e normas de conduta morais que engessam a manifestação da liberdade da pulsão mais poderosa que carregamos — a sexual ou libido — enquanto quase que diariamente é estimulada a pulsão agressiva em nossas atividades formais para “vencermos na vida”. O outro, em vez de ser a possibilidade de um encontro amoroso, é considerado um inimigo em potencial.

Essa característica de algo que passeia por nossas questões psicológicas, desejos e fantasias, se estendem a nomes de vários motéis: Álibi, Obsessão, Delírio’s, Êxtase, Frenesi, Romance, Éden, Feitiço, Fuego, Secreto Amor, Sigilus, Paixão, Sonhos, C Q Sabe, Devaneio, Libidus, Paraíso, Sedução, Nirvana, Planeta Sex, Swing, Posições, Yes Bumbum. De fato, quem vai a um motel dificilmente será para fazer outra coisa que não seja a prática de sexo. As modalidades variam, o número de participantes, assim como os gêneros envolvidos. O motel é um local de celebração da vida. Para corroborar o quanto se identificava com a cidade, nos últimos anos, um mural homenageava monumentos paulistanos. No Monkey’s, eu nunca fui e nunca irei. O imóvel está sendo demolido. Em seu lugar, surgirá um condomínio residencial. Com o tempo, o local que ficava num ponto afastado da cidade, tornou-se cercado de farmácias, supermercados, um outro condomínio, residências de bairro. Foi perdida a sua natureza reclusa. Ficará em minha memória o encantamento infantil com os macaquinhos, a estranheza adolescente da descoberta de seu caráter proibido e sua posição social de atividade adulta.  

No mural, se lê: “Motel Monkey’s dedica esta obra à cidade de São Paulo

BEDA / Scenarium / O “Um” Anel*

Anel
O Precioso

Ontem, sábado, estava no ponto de ônibus, quando a luz tímida do dia nublado incidiu sobre uma peça que brilhava junto aos meus pés. Abaixei-me e o peguei — era um anel. Pode ter sido perdido, escapado dos dedos ali mesmo ou trazido pela água da forte chuva da noite anterior, que o carregou junto a vários outros restos.
O “um anel”, foi apenas segurá-lo entre os meus dedos e comecei imaginar histórias por trás de sua existência. Qual seria o valor deste anel? Quase nenhum, considerando o financial. Deveria custar uns 15 ou 20 Reais, no máximo. Era uma bijuteria feita de um metal simples, imitando a prata e apresentava um desenho em “S”, que alinhava quatro “pedras” lateralmente a outras quatro. Na verdade, um desses oito “brilhantes”, feito de plástico duro, era diferente dos outros sete, que eram mais claros do que esse, amarelado.
Levantei duas hipóteses para essa configuração. A primeira, é a de que tenha sido adquirido assim mesmo. A segunda, é a de que o anel possa ter perdido uma pedra do conjunto, que foi substituída por uma parecida, mas nem tanto. Uma das hipóteses pode envolver a distração do comprador; a outra, a precariedade do conserto. Qualquer opção implicaria na simplicidade do material e de quem o detinha. Simplicidade econômica, mas talvez não de sentimentos.
Eu poderia escolher a suposição de que fosse apenas um anel comprado por alguém, provavelmente uma mulher (segundo a minha avaliação), para si mesma ou para uma amiga; ou ainda de que tenha um presente de uma mãe para a sua filha ou de uma filha para a sua mãe. Mas acabei por escolher a conjectura de que tenha sido um presente de amor romântico, porque hoje preciso que seja assim.
Na hipótese daquela amiga a presentear à sua amiga, seria porque ela fosse mais do que especial. Ou ainda a de um amigo para outro mais do que especial ou de um homem de poucos recursos que quisesse oferecer o melhor anel que pudesse comprar diante de seus poucos recursos para a sua namorada. Adivinhei que fosse um anel de compromisso, representando o pedido para uma coisa mais séria entre eles.
Já os via tendo a paciência de esperar na fila pelo ônibus no horário mais tardio, simplesmente para poderem voltar juntos no coletivo lotado, sentados em um banco que os levaria, em suas conversas, para um lugar muito mais longe do que a distante periferia na qual viviam. Quis sentir que esse fosse o valor do “um anel”, assim que o vi. Eu o guardarei, em respeitoso sinal de seu suposto poder.
*Texto de 2015

 

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana AneliClaudia LeonardiDarlene ReginaMariana Gouveia

Lunna Guedes

BEDA / Namoramantes

Decidiram, os amantes, passar um dia de namorados. Amor impudico, ainda que vedado ao público, arrancavam momentos fugidios e inconstantes, a base do calendário das oportunidades. Por uma dessas, aquele sábado seria o dia – ambas as famílias a viajarem. Abriu-se a janela para namorarem ao ar livre: parque, almoço, passeio por ruas cheias de gente, cinema. Na noite anterior, no hotel, cumpriram o ritual de sexo viciante, com o inusitado sono relaxante, abraçados e cansados como quem tivesse dado a volta ao mundo em uma hora. Acordaram com a manhã, com beijos e amor sobre a mesinha ainda posta com café, pão, manteiga, geleia e frutas.

Ele vivia a trazer o olhar arregalado da primeira vez, após mais de vinte anos de casamento precipitado e comprometido de filhos, muito trabalho e rotina. Inesperadamente, sem procurar, veio a se envolver com uma mulher cheia de histórias intensas e passado exposto em conversas caladas por muitas pessoas. Ele, mais do que medo em enfrentar tanta bagagem, sentia-se encantado por poder dividir o amor com aquela que, entre outros tantos, o divisou para tê-lo como o seu homem.

Ela também mantinha um casamento. Misto de irmandade, além de sociedade comercial. Decidida a sossegar o coração, a paixão se revelou estranhamente engraçada ao fazê-la se interessar por aquele homem sisudo e aparentemente simples. O que a aproximou dele foi a palavra. Ou, por outra, a voz que entoava a palavra. Algo nela a confortava, ao mesmo tempo que a atordoava. Dada a chance de estarem juntos, o romance explodiu em paixão e sofreguidão.

Ao deixarem o hotel, ela lhe levou a um restaurante de comida japonesa, algo inédito para o paladar do sujeito acostumado com o alimento simples do campo. Disposto a experimentar os novos sabores que a vida lhe apresentava, degustou sushis, sashimis, temakis e tempuras. Aprovou o wakame e o mishoshiru com tofu. Apesar de pedir apenas um suco de laranja, sentiu certo torpor como se tivesse bebido uma boa pinga… Isso a divertiu tremendamente. Enxergava no homem de meia idade um menino a aflorar como se estivesse a tocar o peito da primeira namorada.

Ela conhecia aquela região como a palma de sua mão. No Baixo Augusta, vivera várias aventuras, as mais loucas possíveis em um tempo em que o amor ainda não havia sofrido as restrições de doenças oportunistas, filhas da gostosa inconsequência. Mulher de excelente memória, cada recanto era palco de lembranças marcantes, pela irreverência, prazer ou mágoa. Naquela parede, fez sexo com um namorado; naquela porta, funcionou uma badalada boate que frequentou com os seus amigos mais próximos e experimentou beijar outra mulher; naquele beco, fez xixi no chão em uma situação de extrema necessidade; sob aquela árvore, dentro de um carro, se entregou a um atraente desconhecido; na próxima esquina, terminou um romance conturbado.

Após a sessão de filme romântico, saíram tendo ainda resquícios da luz da tarde a invadir quase às oito horas da noite em horário de verão. Estavam alegres e destemidos, a ponto de tomarem um café em um local exposto, entre o amargor doce da bebida e sorrisos de cumplicidade. Estavam mais apaixonados do que nunca, longe das quatro paredes dos quartos alugados por três horas. Sentiam-se entregues um ao outro, os olhos desatentos, ainda que soubessem que um rosto conhecido pudesse cruzar os seus em um local tão frequentado.

Chegou o momento de voltarem para as suas outras vidas, entre declarações de amor e juramentos de bem querer. Enquanto subiam a rua, cruzaram por grupos de jovens que caminhavam para se reunirem ao local das saídas de um bloco carnavalesco, ali perto. Estavam, em sua maior parte, vestidos de cores e pinturas tribais, tendo alguns a carregarem fantasias mais rebuscadas. Intimamente, os amantes sabiam que estavam a viver a maior fantasia de todas – se amavam…