BEDA / Prá Sonhar…

Teve uma forte sensação de vertigem, como se um vale inteiro se abrisse diante de si e ficasse à beira de um precipício, apenas seguro pelas pontas dos pés. Quando a viu pela primeira vez a reconheceu como se sempre a esperasse. Não era somente bonita, mas igualmente intensa e radiante a sua presença. Ele a seguiu com os olhos e percebeu que algo deteve os seus passos, porque ela se voltou em direção aos seus olhos. Ficou estática, se bem que parecesse evoluir em volteios pelo ar e começou a sorrir um sorriso de reconhecimento. Sim! Ali estava a pessoa a qual pertenceria a partir daquele instante em diante, como se antes já soubesse que assim seria. Ela se apartou de seu grupo e ele ficou onde estava, já que cairia se fosse em frente. Logo, estavam juntos. Ele, seguro ao segurar a sua mão, caminhou acima do vale que atravessava a alma. Não duvidou de mais nada, como se o mundo finalmente fizesse sentido. Apenas não compreendia como conseguira respirar até então sem a presença de sua amada. Finalmente, compreendeu que a vida e a morte são irrelevantes fronteiras da existência. Tudo era, apenas e tão somente, amor.

Adriana Aneli Alê Helga – Claudia Leonardi Darlene Regina
Mariana Gouveia – Lunna Guedes / Roseli Pedroso

Coração, Mente E Alma

Há, dentro de mim, uma briga
Momentos em que o meu coração grita
Debate-se dentro do peito
Com o pulmão se atrita
Rebela-se contra os órgãos que abastece de sangue
Autoritário, tenta impor as suas certezas
Rumar contra as correntezas
Chega a sugerir que sonhe a mente
Mente que não aguentará outras aventuras
Que sofrerá com outra aversão
Confia na sua característica demente
A da mente que se engana facilmente
Porque sabe que ela não se exprime
Para além dos sentidos
Aprecia pela visão
Enternece-se pelo som
Subjuga-se pelo toque
Submete-se pelo gosto
É uma mente limitada
Ao mundo que apreende pelas demandas do corpo
Porque é mais simples buscar o sentido de tudo
Pela experiência sensorial?
Onde está a minha alma,
Que não assume a posição de senhora?
A tentar reencontrar a consciência perdida
Pelas vidas afora
A cada manhã e aurora
De mim, para mim
Amém?

Dark, Now

Dark

Estamos envolvidos no enredo da Pandemia desde meados de março. Apenas para reafirmar, estamos em 2020. Essa marcação seria desnecessária, se o eventual leitor deste texto estiver no presente. Porém, quem estiver correndo os olhos por estas palavras em um futuro distante deste episódio da vida planetária, estará vivenciando em seu presente, consequências advindas deste passado. Estabelecido o quando, cumpre dizer que estou no Brasil (ou estive) e talvez quem me leia repercutirá o que leu no meu hipotético futuro, em que estarei fora deste território ou, fortuitamente, fora desta dimensão.
Estou passando uns dias fora de Sampa. Mais propriamente, na Praia Grande, no litoral sul paulista. Quanto ao tempo, me refiro à importância que este local representa em minha história pessoal. É como se o que experimentei aqui no passado tenha sido tão forte que retorno às vivências ensolaradas e delas me alimento na minha atualidade, mesmo sendo este um dia frio de julho. Nesta vacância forçada pelo isolamento social, aproveito para ler, escrever e praticar atividade física. Faço exercícios localizados, caminhadas e ciclismo, com o uso de máscara, atento que estou ao contato com os aerossóis.
Você, do futuro, que talvez não esteja entendendo ao que me refiro, saiba que o contágio pelo novo coronavírus poderia ocorrer de variadas maneiras  ̶  pelo ar, contato com objetos infectados e pelo toque. A depender do futuro em que esteja, o uso de roupas impermeáveis ou objetos similares já é uma realidade para uma parcela da população, a se considerar que as diferenças sociais não terão sido superadas, como aliás, é uma característica intimamente ligada às sociedades humanas e a brasileira, em particular.
No atual contexto, o uso de máscara e a incorporação de medidas preventivas quanto à Covid-19  ̶  doença ocasionada pelo novo coronavírus ̶ tornou-se questão política. Não quanto ao modo de como implantá-las, mas se faz para negá-las. O grupo político então no poder do governo federal, comandado por um celerado com ideais ditatoriais de viés fascistas-milicianas, associa sua implementação a reivindicações ligadas à esquerda, como se viver em condições sanitárias ideais, com a coordenação de um programa público de saúde se confunda com ela. Contudo, nem sei qual tipo de sociedade acabou por se desenvolver. Se me lê no futuro, é bem capaz que a Democracia tenha sobrevivido.
O fato de nós, brasileiros, termos nos metido nesta armadilha da Democracia, mesclada à nossa pobreza estrutural ̶ social, ideológica e econômica ̶ talvez tenha sido inevitável. De certa maneira, foi a consequência de ações equivocadas por parte de quem estava no poder anteriormente, que não percebia a História como resultado da lei de causa e efeito, em que os tempos ̶ passado e futuro ̶ se misturam no presente, com repercussões dramáticas. Porém, nada mudou e a atual direção caminha no mesmo sentido equivocado.
O vento e a chuva do dia anterior mexeram na posição da antena da TV Digital, impossibilitando que eu assistisse os canais da rede aberta. Quando quis acompanhar o noticiário da tarde, não consegui. Para verificar se a Internet estava ativa, fui aos aplicativos da programação. Estavam funcionando. Entre eles, a Netflix, que me sugeria Dark, com 99% de aceitação.
Bem, naquele momento, não tinha nada a fazer e cliquei no primeiro episódio da primeira temporada. Nesse mesmo dia, assisti aos 7 primeiros. Da tarde até a noite, a assistência foi acompanhada por uma anacrônica festinha dada pelos vizinhos da casa da frente, com músicas de todos os tempos ̶ de Disco dos anos 70 a Sertanejo atual (para nós). Como tenho certa capacidade de abstenção (um tanto criticada por quem convive comigo), só percebia o tempo presente entre um intervalo e outro. Como a série é (ou foi) popular entre os expectadores que a assistiu estará a entender este texto certamente imperfeito, mas que carrega conjecturas que pareceria sem nexo, antes.
Ainda que a série tenha investido no improvável uso de máquinas e vórtices ou “buracos de minhoca” tempo-espaciais para que os efeitos sejam vividos por seus participantes, o enredo faz com que reflitamos em como as nossas ações, por menor que sejam, repercutem ao longo de nossa vida, criando círculos concêntricos tal qual uma pedra jogada no lago existencial. Cavernas que aludem ao Mito de Platão e ao Fio de Ariadne, constantes do riquíssimo repositório das antigas filosofia e cultura gregas, entre outras citações (das que percebi até agora) introduz fortemente a viagem do passado humano em nosso presente, alterando o nosso futuro passado. Como budista iniciático (faz uns 40 anos), busco viver o presente. Aliás, como propõe o título de um dos episódios da primeira temporada, sei que tudo acontece agora.