BEDA / O Voo Do Menino Passarinho*

Desde que houve a decisão de que iria saltar, certa calma se apossou de mim. Talvez, antes, ficasse um tanto inquieto com a possibilidade, mas, depois, a decisão de descer do céu me pareceu tão natural quanto andar.

Voava muito quando criança, em sonhos recorrentes que eu tinha o poder de prolongar a meu bel prazer. Poder esse, pus a perder com o passar do tempo… deixei de dar rasantes rentes aos telhados das casas do bairro. Muitas outras coisas deixei para trás ao me tornar adulto. Passei a valorizar crescer, na ansiedade de alcançar algo que nos dizem ser o ideal como homem ou mulher.

Crescido, namorei, casei, constituí família, me fiz criança com as minhas crianças, sem muita chance de me aprofundar naquela ilusão, já que ganhar o sustento da casa era prioritário na escala das importâncias que devia atender.

Até que se chega a um momento na vida que os ciclos se completam e resgatar a capacidade de sonhar equivale a buscar o melhor de nós para continuar a viver. Quando menos se espera, o sonho torna-se possível de ser realizado e acabei por perceber que não era tão complicado executá-lo. Bastava dizer “sim” a mim mesmo!… Vamos?… Vamos!

E lá fui voltar a ser eu mesmo, menino, passarinho. Não mais com o poder de voar sem asas planar, subir e mergulhar em movimentos de pássaro indômito. Agora, máquinas forjadas pelo poder inventivo do ser humano me auxiliariam alcançar a sensação de colocar os pés a quase quatro quilômetros do chão e voltar a colocá-los plantados no solo.

Foi feito um filme do salto. Nele, se mostra como foi o desenrolar dessa aventura. Fica evidente o seu entusiasmo. Bem mal, se pode ouvir o menino a declamar, em pleno ar, o poema mais antigo que se lembra de ter feito, ainda garoto:

“Ao longe
As estrelas brilham
Por perto
As pessoas queimam”…

Acrescentando:

“Hoje, eu beijo as estrelas!
Eu as possuo, em colchões de nuvens!”

E é desse matiz o voo que ele vem tentando realizar agora, apenas que mais perigoso escrever é como saltar no escuro, porém sem paraquedas.

*Texto produzido em 13 de Abril de 2016, por ocasião do salto.

Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Adriana Aneli / Roseli Pedroso
/ Mariana Gouveia / Alê Helga / Darlene Regina

O Instante Mágico*

Instante Mágico
Todos os dias, vivo um instante mágico, de grande calor humano…

“Todos os dias, Deus nos dá um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes. O instante mágico é o momento em que um ‘sim’ ou um ‘não’ pode mudar toda a nossa existência.” (Paulo Coelho)

Vez ou outra, vemos postadas frases de efeito como essas acima, normalmente acompanhadas de uma imagem bonita. Eventualmente, o nosso desejo é tão grande de recebermos notícias de esperança que as aceitamos de olhos fechados. De certa forma, podemos viver de recitar frases edificantes, o que não quer dizer vivamos de acordo com as receitas de vida que propõem. No caso deste coelho tirado da cartola pelo Mago, tenho algumas considerações a fazer, ousadamente.

Inicialmente, destaco que não sou leitor de Paulo Coelho. Lembro de que li um título seu, da qual não lembro o nome. Talvez, não seja mesmo essa a intenção do autor, já que ele conta sempre a mesma história, sob variados prismas. Alguém poderia chamar a isso de coerência, outros, de redundância. A frase acima, de certa forma, parece resumir boa parte do que ele quer “vender” para os seus leitores. Quem não gosta desse termo, visto que suas mensagens pretendem se mostrar superiores a este aspecto comercial, chamo a atenção para o fato de que o Mago reivindica o posto de maior escritor do Brasil justamente por sua vendagem exacerbada.

Por que “todos os dias Deus nos dá” – apenas – “um momento em que é possível mudar tudo que nos deixa infelizes…”? Passado aquele momento, devemos esperar o dia seguinte para vermos surgir outro ponto crucial em que devemos decidir entre um “sim” ou um “não” para mudarmos “toda” a nossa existência”? Por que não temos todos os instantes, todos os dias, miríades de oportunidades para decidirmos a nossa história?

Mas ele cita o “instante mágico”! Para quem acredita que a vida inteira é mágica, todo o instante é mágico, não é mesmo? O recurso de determinar o momento da virada é muito usado como gancho por escritores de novelas e roteiristas de cinema. Pode aparecer em qualquer parte da trama, mas normalmente é reservada para o final, entre perseguições e tempos em contagem regressiva.

No entanto, sendo mais chato ainda, pergunto: depois do “instante mágico” e “o momento em que um ‘sim’ ou um ‘não’ pode mudar toda a nossa existência”, não haverá nenhuma chance de que o “sim” se transforme em “não” e vice-versa? Quando dizemos não ao fumo, ao “junk food” ou à bebida, nunca mais voltaremos a nos intoxicar? Quando dizemos “sim” ao amor ou à vida saudável, nunca mais voltaremos a odiar ou meter o pé na jaca? Neste caso, “toda a nossa existência” tem prazo de validade – talvez 10 minutos ou 10 anos – seja lá o que for.

Devemos estar constantemente atentos e fortes para que não durmamos sobre os louros do “instante mágico”. Magicamente, está em nossas mãos, a todo o momento, direcionarmos a nossa vida para o melhor caminho. A todo instante tomamos pequenas decisões que podem significar desvios, mesmo que sejam tomadas com a melhor das intenções. E, na maioria das vezes, apenas saberemos quando chegamos a bom termo quase no final da estrada, quando divisamos a totalidade da obra da qual participamos… Isto, se não acreditarmos que todos os instantes da nossa vida não sejam apenas os instantes de uma vida entre tantas outras da nossa existência…

*Texto de 2012

Ressurreição*

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Segunda-feira. Tempo marcado no relógio. Logo mais, terei que trabalhar. Estou a alimentar as calopsitas, Dulce e Horácio, as porquinhas da Índia – Baleia e Cotoco. Ouço palmas no portão.

Diviso um senhor – chapéu de aba larga, óculos de grossos aros sobre o nariz, bolsa com a alça cruzada no peito e guarda-chuva-sol na mão direita. Sem abrir o portão, pergunto: “Pois, não?”…

Começo a ouvir uma voz de criança, bem articulada e ritmada. Olho para baixo, mais à esquerda, e percebo um garoto de pele amorenada, rosto suave e um sorriso de dentes maiores que a boca. Não devia chegar aos dez anos de idade.

Ele fala sobre algum tema bíblico, que eu não sei identificar qual seja, apesar de suas palavras soarem claras. Eu fiquei mais atendo à cadência do que ao conteúdo do que dizia. Em certo momento, perguntou: “Sim? Não? Talvez?”…

Como que despertado de um sonho, respondi, sem saber ao que: “Sempre talvez!”…

Já disse para alguns, algumas vezes, que o “talvez” permeia a minha vida. Ao contrário do que possam pensar, esse “talvez” é um método especulativo-existencial muito pessoal. Tenho convicções bastante fortes sobre muitas coisas, mas o “talvez” me leva ver sempre o outro lado de uma situação.

Naquele caso, o mocinho respondeu de pronto que um “talvez” era melhor do que um “não”…

Nesse instante, olhei em direção ao senhor que o acompanhava e pude notar um leve sorriso de satisfação pela agilidade mental/verbal do seu pequeno acompanhante.

Logo, o garoto terminou o seu breve discurso e me passou rapidamente um papel pela fresta do portão. Nele, estava estampada a pergunta ao qual respondi sem pensar… Especulava sobre a vida após a vida, com respostas que a Bíblia carrega em suas páginas.

Fiquei a cismar que se a vida possa ser um jorro contínuo de “talvezes” ininterruptos, por que não talvez venha algo depois que ela cesse neste plano?… Sim! Sempre talvez… e o “talvez” será sempre melhor do que um “não” definitivo…

*Texto de 2015

BEDA | Pensar

Celular
Au! Au!

Eu gosto de pensar. Aliás, penso demais. Inquieto, a cada novo fato, exploro todas as suas possíveis repercussões. Curioso, busco conhecer todas as perspectivas de um acontecimento. Libriano, pareço mudar de opinião apenas porque os pratos da Balança pesam as circunstâncias. Prefiro chamar de justiça. Não são poucas as vezes que faço o advogado do Diabo – coisa irritante…

No entanto, essa característica com cara de indecisão, muitos consideram um sério defeito. Por isso, muitas vezes, tento me libertar das amarras do pensamento. Dizem que deveria ser mais solto e que agir por impulso não me faria mal. Quando agi dessa maneira, foi sempre por amor. Na criação das minhas filhas, por exemplo, em vez de seguir cartilhas, preferi deixar o coração falar. Por vezes, com dureza. Não parece que tenha feito um trabalho ruim.

Essa forma de vivenciar a minha experiência como ser, apesar de bem-intencionada, não é fácil e nem inteiramente livre de enganos… e nem verdadeira. Talvez, ao contrário. É bem provável que eu seja um engodo… para mim mesmo. É uma luta para descobrir a minha alma, quase totalmente “protegida” pelo escudo do pensamento. Meditação seria a melhor alternativa. Parar a roda dos pensamentos para descortinar o meu “eu” interior. Mas o meu corpo se recusa a deixar…

Ao mesmo tempo, seres pensantes que somos, nos auxiliamos de subterfúgios para não pensar muito. Usamos de ideias, opiniões e preferências pré-formatadas para lidar com as várias solicitações cotidianas. Decisões são tomadas por impulso ou emprestadas de segundos e terceiros. Ideologias são usadas como lentes, a distorcer a visão dos acontecimentos. Previamente estipulados o “sim” e o “não”, acaba por se tornar complicado argumentarmos com algumas pessoas. Eu gosto do debate. Gosto de acolher as opiniões alheias, ainda que mantenha certas convicções para determinar uma postura minimamente coerente.

Contudo, alguns abusam de nossa busca pela facilidade do equilíbrio mental diante de tantos requerimentos. Propagandeiam: use isso ou aquilo para que não precise pensar. Tomem o caminho mais fácil para chegarem onde querem. Ajam sem pensarem para atingirem os seus objetivos. Sigam os “formadores de opinião”.

Sou fã de Fotografia. Ao passar em frente a um anúncio de celular no Metrô, é alardeado que o aparelho apresenta uma “câmera inteligente que pensa por você”. Obviamente, para evitar que o fotógrafo amador “pense” sobre luz, posicionamento, ângulo e outros detalhes, ela padroniza a obtenção da imagem desejada. Eu me senti disfuncional – não seria justamente “errar” o que nos dá o prazer de aprender ao buscarmos uma imagem que venhamos a apreciar? Decidiram chamá-lo de “Zenfone”, o associando o estado mental “zen” ao automatismo e não à autoconsciência. Além disso, é utilizada a imagem de um cão para angariar simpatia ao projeto. Ou seria, subliminarmente, uma maneira de dizer: “obedeçam como a um cão adestrado”?…

Participam do BEDA:  Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari

BEDA | Robôs

Robô
*Eu não sou um robô…

Atendo ao telefone fixo. “Alô?” A voz de um rapaz pede que aguarde. Logo depois, uma voz feminina pergunta se lá vive Maria. Maria é o nome de minha mãe, já falecida. “Quem deseja?”… Do outro lado da linha, a voz retruca – “Diga ‘sim’ ou ‘não’!” – “Nossa! Que falta de educação!”. Desliguei…

No dia seguinte, uma voz masculina se anuncia: “Olá! Na sua residência tem um Tiago?”… Penso logo no ex-namorado de minha filha mais velha, que ficou um tempo albergado em casa. “Não tenho mais contato com ele…”. Diga “sim” ou “não…”. Só então percebi que falava com um robô… Soltei um impropério!

Na figura do robô, xinguei o sistema. Os humanos estão a perder espaço em todas as áreas. Pelo menos, no caso de pessoas do outro lado da linha (se bem que não haja mais linha), se pode argumentar. Ao passo que esses robôs não aceitam tergiversações. Apenas “sins” ou “nãos”! Enfim, a conversação entre seres racionais perde significação. A base sob a qual crescemos e nos desenvolvemos como seres gregários e inteligentes se esboroa.

Até nos filmes de ação, nos casos de lutas mais sangrentas, os contendores costumam expor os seus argumentos entre uma explosão ou outra, entre uma porrada na cara e um chute no saco, ouvimos as vozes cada vez mais raivosas e extenuadas dos oponentes a se comunicarem com mais palavras que simples “sins” e “nãos”. Não há porque levar à sério robôs que não discutem.

Atualmente, a corroborar o que está a se tornar uma tendência, uma grande instituição bancária está alardeando aos seus clientes que poderão entrar em contato com uma inteligência artificial que se expressa na forma feminina. “Ela” aprenderá com você a cada pergunta que fizer. Conhecerá suas preferências, desenvolverá estratégias para atendê-lo, por comando de voz ou digitação. A propaganda alardeia: “Experimente o futuro agora”.

Ou seja, no futuro, falaremos com robôs como falamos com pessoas. A supor que cada programa responderá a você, da maneira que você é ou se expressa, de certa forma, esse será um contato íntimo com um alter ego. Objetivamente, apesar de ficarmos contentes com “alguém” que tem tantos pontos em comum conosco, não devemos esquecer que a I.A. atenderá a um outro senhor – a instituição que a criou.

Não será difícil, como no filme “Ela”, um sujeito estabelecer uma relação acima de simpatia. Amorosamente, ficaremos a namorar como antes acontecia com amantes em cenas que víamos em todos os lugares. Haverá um dia que, finalmente, quando quisermos terminar uma conexão, diremos: “Desliga, você…”. E ouvirá: “Não! Desliga você…”. Pronto! A clientela não abrirá mão de estabelecer uma relação que considerará prazerosa e, além de tudo, rentável… para alguém.

*http://portaweboficial.blogspot.com/2014/06/robo-telemarketing-negam-ser-robos.html

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