16 / 11 / 2025 / Blogvember / Cada Vez Perdendo Mais Cor

como se chovesse em nossas lentes
plúmbeos nossos olhares se entristecem
cada vez menos cor
talvez refletindo cada vez maior dor
maior pendor para o sofrimento
cada vez menos luz
como se fossem toldada por voos de milhões de urubus
de asas abertas
sem vazamento de raios solares a vida encoberta
porque vivemos tempos nublados de furacões
tufões
e bufões
que deixam nossa existência acinzentada
empalidecidas nacaradas sem azuis
vermelhos
verdes
cores
como posso deixar de ver-tes?

Participação: Lunna Guedes

Foto por Gu00fcl Iu015fu0131k em Pexels.com

16 / 02 / 2025 / O Jogo Do Amor*

Em *2015, escrevi o texto abaixo que versa sobre o amor romântico. Em 2023, escrevi um texto mais maduro, chamado Amor & Ser, que amplia a discussão sobre o eterno tema sobre os vários tipos de amores.

“Amar é como se fora um jogo. Normalmente, entre dois jogadores apenas. Porém esta é uma imposição por quem nunca percebeu que o jogo do amor é incriado e não apresenta regras formais. Pessoalmente, creio que o desejo de amar seja tão grande, deseja-se tanto participar do jogo, que ninguém sabe porque joga, como não sabe se ganhou ou perdeu quando acaba, já que muitas vezes, os participantes não percebem quando a partida acabou ou apenas se ilude que não, tentando prorrogá-la ad eternum.

Outras tantas vezes, os jogadores mal sabem quando a peleja começa. Outros, declaram que não estão participando da sempiterna peleja, tornando-se dessa forma, um jogador muito procurado, com passe muito valorizado. Se isso é uma arguta tática de jogo ou apenas inocência, o fato é que é comum esse craque marcar gols decisivos. Vencedores, quem o seriam? Como não há regramento, poderíamos dizer que não haja vencedores e vencidos. Mas na aparência, pode até haver, já que os próprios ‘atletas’ estipulam placares pessoais e serão justamente esses que se sentirão derrotados ou vencedores quando fizerem a auto avaliação. São o que chamaria de jogadores ‘profissionais’.

Eu, pessoalmente, acho que sempre ganhamos ao jogar. Como não há regras, podemos querer jogar (amar), quantas vezes quisermos, com uma companheira ou um companheiro, separadamente ou com muitos ao mesmo tempo (jogo perigoso!) ou com o mesmo ou a mesma a vida (campeonato) toda. Este é um jogo tanto ou mais perigoso quanto a outra modalidade. Para sentirmos que estamos jogando bem é necessário que nos reinventemos o tempo todo, buscando novas jogadas, estimulando a parceira ou o parceiro a melhorar o seu jogo, sabendo que mesmo que estejamos com a sensação de perda, será sempre possível revertermos a situação.

Melhor pensando, chego à conclusão (momentânea) que o sofrimento será uma boa medida de nossos ganhos e que se sentirá vencedor aquele que acumular maiores perdas, porque amou demais. Esse é o amador, para mim, o melhor jogador…”.

Pisando Na Fulô*

Em 2015*, sonorizamos um casamento pela Ortega Luz & Som. Eu me lembro que eu não estava bem. Não me sentia centrado (o que não era novidade) e sofria com dilemas pessoais de ordem tão íntima que eu mal sabia identificar a amplitude. Sabia mais ou menos a origem, mas como tinha a ver com decisões pessoais que englobaria a participação de muitas outras pessoas alheias às minhas demandas, recuei. Ao fim (daquele dilema), decidi permanecer como estava — em sofrimento — mas garanti a estabilidade do meu entorno… Permaneci entristecido, mas sobrevivi… pisando na fulô.

A Libélula

Ao abrir a porta que dá para a garagem, me deparei com uma libélula que, feito um helicóptero animal, parou no ar por uns três segundos e pareceu avaliar o que seria aquele ser diante dela. Desceu ao chão e repentinamente tomou o seu rumo incógnito. Era um inseto bem mais escuro e maior do que eu já vira e, mesmo em casa de tantas plantas, bastante incomum. Aliás, eu não me lembro de tê-las visto antes por aqui. Como seus voos podem durar de alguns minutos como dias, acredito que fosse do tipo migratório e que tenha vindo de uma reserva da Mata Atlântica, que fica a uns 3Km de onde moro.

Fui lá pesquisar sobre a libélula:

“A libélula, também conhecida popularmente como tira-olhos ou libelinha em Portugal e como lavadeira ou jacinta no Brasil, é um inseto alado pertencente à subordem Anisoptera. É considerado um dos primeiros insetos a surgir na Terra. Os registros fósseis de libélulas mais antigos foram encontrados na França e datam do período Carbonífero, há cerca de 300 milhões de anos. No Brasil, os fósseis datam do período Cretáceo (há aproximadamente 100 milhões de anos). ”. Wikipédia

Ou seja, é um inseto que carrega consigo o peso das idades terrenas, que vive de 5 a 56 dias. Devido ao seu processo de mutação (dentro e fora d’água), está relacionado a mudanças, transformações e capacidade de adaptação. Em alguns países, como no Japão, a libélula é associada à felicidade, coragem e prosperidade. Na América, o inseto significa a renovação nos períodos de dificuldade.

Na Bíblia, as libélulas são mencionadas em passagens como Êxodo 10:19 e Isaías 34:14. Essas referências podem ser interpretadas como símbolos de transformação, proteção divina e ação de Deus na Natureza.

“O termo ‘libélula’ pode ter se originado de dois termos latinos: libellules, o diminutivo de ‘livro’ (liber) – devido à semelhança de suas asas a um livro aberto – ou libella, que significa balança – enquanto voam, as libélulas parecem uma balança, se mantendo em perfeito equilíbrio.

As libélulas são insetos predadores que pertencem à ordem Odonata. A estrutura corporal das libélulas permite que elas sejam caçadoras implacáveis. Elas voam mais rápido do que a maioria dos outros insetos. E, podem mudar instantaneamente a direção do voo, pairando no ar como minúsculos helicópteros. Por permitirem uma visão panorâmica (360 graus), seus grandes olhos são capazes de localizar presas acima, abaixo, em frente, atrás e de ambos os lados. Esses animais exercem papel importante no controle biológico de pragas e atuam como bioindicadores de qualidade ambiental. Além disso, são protagonistas de numerosas crenças e tradições que habitam a imaginação popular há muitos séculos.

Em uma delas, são chamadas de pequenos dragões: “em inglês, as libélulas são conhecidas como dragonflies. Segundo uma lenda Xamânica, a libélula era um dragão sábio e dotado de magias que, durante a noite, difundia luz com sua própria respiração de fogo. Um dia, para enganar um coiote, o dragão aceitou o desafio de se transformar em uma libélula, tornando-se prisioneiro de seus próprios poderes. Depois disso, além de perder suas magias, o dragão ficou preso em seu novo corpo para sempre”. eCycle

Que essa visita inesperada tenha surgido diante de mim neste penúltimo dia de 2023 foi simbolicamente importante, além da beleza de seu voo que a fez desaparecer assim como surgiu, feito uma visão mágica, assim como considero mágica a expressão da Natureza. De certo que vejo a maioria dos movimentos da vida como algo de milagroso, quase sempre conspurcado pelas mundanas ações humanas. Nada de religioso, mas sim de religiosidade, de conexão com as energias invisíveis. Ainda que as guerras – grandes e pequenas, diárias – não obedeçam ao determinismo do calendário, continuando à sua faina de ceifar vidas todos os dias e trazendo sofrimento e dor, que 2024 possa ser um período de renovação para melhor. Assim seja!

Foto por Sandhy Prasetyo em Pexels.com

B.E.D.A. / Os Chinelos

Dia dos Pais. Domingo de descanso, dentro do “descanso”. Com poucos eventos para cumprir pela Ortega Luz & Som, cumpro minhas tarefas caseiras diárias. Eterna labuta em que sempre falta o que fazer. Mais do que ninguém, percebo o quanto elas têm tempo de duração efêmero. Horas, com sorte. Valorizei desde sempre a faina ao qual apenas as mulheres tinham por “obrigação” executarem. Simplesmente porque haviam nascido mulheres. Quase como se fosse predestinação — gado marcado — pertencente aos senhores da casa.

Por sorte — no sentido de destino fui criado quase que somente por minha mãe. Irmão mais velho, eu a ajudava nas tarefas de casa. De certa forma, comecei a gostar disso, ainda que em muitas situações, quando algo mais atraente surgia, como jogar bola, eu as tenha deixado de lado. Puxar água do poço, fazer fogueira para esquentar a água do banho de canequinha, são coisas que não faço mais. Porém, fazer feira, preparar comida para as criações de galinhas e para os muitos cachorros, varrer a casa e o quintal, lavar a louça, preparar almoços e jantas também as realizo atualmente.

O meu pai foi exemplo em sentido contrário de como não deveria agir como pai. No entanto, não é fácil se desvencilhar de anos de tratamento de choque patriarcal. Busquei ser para a Romy, a Ingrid e a Lívia alguém que fosse, no mínimo, verdadeiro, estando certo ou errado, na visão que pudessem ter de mim. Chegava a dizer em tom de brincadeira séria, que a nossa relação não era uma Democracia. Não que as impedisse de serem o que ou quem quisessem ser. De certa maneira, o máximo que podemos fazer com relação aos filhos é que lhes forneçamos subsídios, espaço seguro e anteparo para os voos pessoais. E isso passa também por regramento.

Depois de sua passagem, tenho tentado aplainar as diferenças com o meu pai para chegar o mais perto possível dele — perdoá-lo em mim, me perdoando. Os momentos mais próximos que tive com o senhor, meu pai, foi quando arrisquei entrar por três vezes no lugar onde ficou preso e foi torturado — nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) onde hoje encontramos a Estação Pinacoteca. Cheguei a entrar no saguão, mas não consegui ir além. Li que as antigas celas haviam sido convertidas em mini galerias, com exposições temporárias de artes. Esqueceram de dizer que fantasmas rondam aquele lugar e as vozes de torturados ecoam pelas paredes e atravessam as mentes de alguns, como eu.

Em todas as ocasiões, chorei. Quem eventualmente me visse, não entendia nada. Mas estava sentindo a dor de meu pai e de tantos outros que ali sofreram. Sentia não apenas a dor física, mas também a de abandono à própria sorte. Sentia a humilhação por ter a vida nas mãos de tipos que chegavam a sorrir com o sofrimento alheio. Sentia a aniquilação da humanidade em jogo de via dupla tanto torturados quanto torturadores — transformados em simples animais.  Encharcados de suor, urina e merda, os seviciados voltavam para as suas celas subjugados a ponto de agradecerem não terem morrido depois de cada sessão em que crescia o desejo de verem extinto o padecimento — uma pequena vingança contra quem sente prazer em levar o inimigo ao limite intangível.

Há alguns dias, a Tânia me presenteou com um par de chinelos pelo Dia dos Pais. Eles me remeteram aos chinelos que meu pai usava, parecidos a estes. Confortáveis, abertos, podem ser usados com aquela meia velha, puída, de aconchego confiável. Acolhimento de aposentado, meu pai talvez se reservasse o direito de ficar longe de filhos e netas, com seus pedidos, desejos e manhas. Nunca foi bom em ser pai, com certeza não seria melhor avô. Ou foi e eu não sei. Ouvi relatos das minhas filhas e sobrinha que me indicavam o contrário. Então, vai ver, o problema era pessoal, só comigo mesmo…

Resolveremos essa pendenga um dia…

Participam do B.E.D.A.:

Adriana Aneli / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia /

Lunna Guedes / Darlene Regina / Claúdia Leonardi