11 / 02 / 2025 / Cinzas & Dor Fantasma*

*2016.
Ontem, foi Quarta-feira de Cinzas
que nome apropriado!
Quase que automaticamente,
os nossos olhos começam a devassar
a realidade
e perceber que o colorido evanescente
das fantasias apenas escondiam o concretismo do cinza…
Ou, não!
A esperança é de que seja somente a típica sensação de ressaca,
marca registrada de quem bebeu sonhos demais…

Marina Martino & Hanna (in memorian)

*2021. Qual o prazer de ser lido? Eu, como escritor, só teria prazer se ou quando fosse, de alguma maneira, compreendido. E mesmo assim, resta saber se a minha palavra permanecerá na memória de quem me leu e compreendeu o meu texto; se fez diferença de alguma forma ou tenha causado, ao menos, alguma passageira emoção — um sorriso ou uma lágrima. Eu diria que, como escritor, devo me desapegar de qualquer expectativa. O que já é um pouco de dor fantasma…

04 / 02 / 2025 / Coaxar*

Para Marineide e Diovani

Pelos amigos, fui chamado para versar
Sobre a expressão dos bichos no campo
O zumbir dos grilos, dos sapos, o coaxar
Não os vejo mais, tal e qual o pirilampo

Vivo na cidade — duro asfalto, frio cimento
Apenas os busco na terna e fugidía memória
No reencontro da infância, no pensamento
Chego a pensar que são invenção, uma estória

Serão esses seres originários de ficção?
Sonhos de uma vida que tive ou ainda terei?
Como o brilho das estrelas, uma mera ilusão?
Pois mesmo já mortas, as vejo e ainda as verei?

O que me diz Diovani, o bardo cristalino?
O que me conta Marineide, a fada central?
Vivemos todos uma igual fantasia e destino?
Mentimos a mesma verdade universal?

*Versejar de 2015

Imortal

sei que sou mortal morrerei um dia
mas há coisas que são imortais
enquanto vivos viveremos de saudade
e desejos de alcançar e perseverar
passeios no vazio nos encontros
e eventuais reencontros
ainda que nunca tenhamos nos ausentado
as lembranças sem nunca serem olvidadas
vontade de retornar aos âmagos animados
há momentos que não morrerão
imagino que gravados na consciência universal
um repertório infinito de dores e amores
vivências de alegrias e tristezas
grandiosidades e miudezas
sonhos
tudo recolhido e espargido pelas galáxias
mundos e sistemas solares
milhões de vezes reproduzidas em quem ama
submergido nos genes das humanidades universais
nesta terra que se desfigura em cada estação
em cada canto esquinas bares casas
casebres mansões peitos corações
em cada canto dolorido doloroso
em cada nota das flores que emitem mensagens sonoras
inaudíveis apenas para os insensíveis
o que tenho certeza é que o amor sobreviverá
marcado pelos átomos dispersos do planeta destruído
abarcado pela explosão do sol daqui a muitas idades
caminhantes pelos universos
embalados pela saudade…

Foto por Pixabay em Pexels.com

A Cama

A cabeceira (pequena demais para os meus sonhos);
o estrado (forte o suficiente para segurar o peso do colchão e de dois corpos);
o suporte lateral (firme e teso);
a base (onde os meus pés sequer conseguiam tocar) — uma cama…

Seria bege… amarela… madeira esmaecida…
Não me lembro da cor original…
Não importa…
Tudo foi feito no escuro…
Ele vinha silente, 
penetrante, 
o horror noturno…

Gostava tanto de ir para o sítio
e lá ficar com as minhas bonecas 
e os meus bichos…
O monstro adormecia distante,
em São Paulo,
com os seus negócios 
e a sua arma em riste…

Gostei tanto quando ele morreu!
Dizem que foi do coração…
Disso, duvido…
Mamãe também morreu…
Acredito que sufocada…
engasgada
com a palavra que nunca proferiu:
Não! 

Caçador De Bruxas*

Autografando Confissões, em 2021

*Trecho de “Confissões“, meu terceiro livro pela Scenarium Plural – Livros Artesanais:


“Junto aos nossos desejos de sermos bruxas, dentro de nós atua um inquisidor… um matador de diferentes. Um aniquilador de sonhos. Ao lado da puta que somos. Quem não vende o seu corpo e mente em troca de dinheiro?

Existe aquele que atirou a primeira pedra.

Ser contraditório, mentiroso e hipócrita é condição básica para sobrevivermos nesta sociedade. E, no entanto, não nos falta fôlego para vociferarmos contra o Sistema.

Estar aqui a denunciar nossa pequenez, não deixa de ser uma tentativa de não parecer um minúsculo ser. Não me excluo de todo esse processo em que morremos de vontade de matarmos o que não gostamos, como se não suportássemos o contrário.

Somos caçadores de bruxas. Ainda que filhos de bruxas. Queremos quebrar os nossos espelhos. Reproduzimos os nossos produtores. Produzimos podridões – amores malparidos.

Momento de devaneio, sonho com um mundo que aceite o irmão. Que aceite o mal, o identifique e o reverta. Que sejamos bruxas. Façamos uma poção mágica. Uma porção básica que contamine a escuridão de verdadeira claridade. Peito aberto, mamas e sexos à mostra, barriga prenha de filhos livres da maldição de sermos tão humanamente menores.

Quero ser, além de ser, Ser.”