20 / 07 / 2025 / O Testemunho

O que quer que aconteça por trás do morro,
há o testemunho do Sol… 
Nossos olhos são interditados pela barreira física
de ver o que existe para além dela.
Clareada por sua luz,
o Sol é testemunha permanente
a cada segundo, mas ainda parcialmente,
já que a Terra gira em seu entorno,
como se estivesse a fugir de sua clarividência,
mas não de sua presença pela qual é atraída
eternamente,
desde a Criação.
Gaia é um ser de consciência.
Sofre, pensa em se revoltar, revida
com seus mecanismos de defesa…
Porém, sabe que morrerá, um dia, penosamente,
antes de seu tempo próprio
por alguns dos seres que a compunha.
Destruição.
O Sol por testemunha…


B.E.D.A. / De Lua A Lua*

Saio à rua para buscar alimento no mercadinho próximo. Como o meu cérebro vive em constante tempestade temporal, viajo para muito antes e imagino a dificuldade que os primeiros homens enfrentavam para conseguirem se alimentar. O perigo à espreita do caçador que eventualmente fazia as vezes de caça. Em muitas situações, nada mudou depois de centenas de milhares de anos…. Viver era (é) conseguir fugir dos dentes da besta fera por trás de cada tronco de árvore da floresta ou nas esquinas das cidades.

Alheios a isso, os meninos da Periferia empinam pipas neste final de Julho. Logo mais, Agosto trará a volta às aulas. Eles desejam espremer até a última gota a vontade de alcançar a Lua no firmamento. Tentam dominar a mecânica do voo. Fazem rasantes, sobem velozmente, exercem o desejo permanente de voltarem à essência da qual somos feitos — sonhos.

Ao caminhar pela tarde-quase-noite, quando a luz ainda se espraia pelo céu e a Lua quarto-crescente surge plena de promessas, presencio outros meninos e uma menina, a melhor de todos, jogando na quadra esportiva. Vestem camisas de times de fora. O dito “País do Futebol” transformou-se um entreposto vendedor de mitos. Jogar pelo prazer do jogo não é suficiente.

A vontade de se tornar estrangeiro é o maior objetivo. A Pátria, apenas uma referência distante… Tão distante, que vestir um dia a camisa do País em que nasceu é apenas mais um troféu na carreira de quem nem se iniciou. Por causa de alguns ídolos, milhões vendem as suas almas de criança, enquanto a Lua participa como simples testemunha semicircular, a pairar solene e indiferente.

No dia seguinte, estou no Centrão, a andar por ruas em que hotéis baratos são usados por amantes refugiados e prostitutas usam como posto de trabalho. Observo um senhor que caminha com dificuldade, a apoiar os seus passos curtos com uma bengala. Através de uma alça pendurada no pescoço, carrega uma tela vazia recém-comprada, a fazer contrapeso. Especulo que seja pintor. Concebo que aquele plano vazio será transformado por seu talento em realidade sonhada e o identifico como um igual a mim…

Logo mais, me descolo por baixo da terra, serpente em meu ninho, e chego à Paulista. Através das torres de vidro, as luzes camuflam a presença da Lua. São reflexos enganadores do espírito empreendedor de seres humanos de todas as eras. Um dia, o ciclo se completará e salvaremos o planeta de nossa presença. Nossos companheiros animais, sobreviventes a nós, olharão para as sucessivas fases da Lua, sem especularem como é refletida aquela luz perene que um dia fez sonhar os outros bichos que os aprisionavam. A Lua será, tão somente, um corpo inominável…

*Texto de 2017

Participam do B.E.D.A.:

Lunna GuedesAdriana Aneli — Claudia Leonardi — Mariana Gouveia
— Roseli Pedroso — Darlene Regina

A Humanidade De Deus

AAA
Para onde caminhamos?


Centrão de ar seco. Cruzo com um rapaz negro, atlético, absorto com o seu celular e que veste uma camiseta que expressa: “SÓ VOU ACREDITAR EM DEUS QUANDO ELE ACABAR COM A HUMANIDADE”. Já imaginei a Terra sem a presença desses seres que dizimam os recursos do planeta e que, um dia, virá a extinguir a vida que nele caminha. Se Gaya não resolver nos eliminar antes. No entanto a frase citada, que carrega imensa dramaticidade, igualmente revela fé e contradição.

A fé se dá ao declarar que existe um Deus que detém o poder de terminar com a nossa presença no terceiro planeta do Sistema Solar, da mesma forma que supostamente nos tenha criado. Há relatos que, no passado, tentou executar esse plano definitivo. Porém, decidiu nos dar outra chance.

A contradição se estabelece pelo fato que Deus só existe se existirmos. Deus é testificado apenas por nós, já que os outros animais não têm consciência alguma de sua existência. Eu creio que erramos ao separar a divindade da vida, enquanto os outros entes sequer especulam sobre tal criação. Nós repartimos a crença em Deus em doutrinas e acabamos por ser definidos por essas caixas de contenção. Nos desunimos como seres humanos dentro de um processo global.

A nossa relação com Deus é de dependência. Precisamos dela para nos afirmarmos como seres superiores, que documentam materialmente a sua energia. Por sua existência, confirmamos a nossa origem, alegadamente Divina, dominantes sobre toda a Natureza, prova de nossa imensa vaidade ao estabelecermos que tenhamos sido eleitos como portadores de sua Revelação.

Em sentido contrário, é curioso reparar que, sem a nossa presença, a existência de Deus seria silenciosa e sem sentido aparente – inexistente, talvez. Morta a Humanidade, morta estará também a divindade. Sem testemunhas, não há crime…