Frida fala pelos olhos… Nasceu ressabiada de gestos bruscos, como se trouxesse abusos de vidas passadas… Passou a se aproximar aos poucos, a vencer a timidez, a se colocar embaixo de mesas, em cantos de sofás, junto aos nossos pés… Hoje, perdeu de vez as travas… Sentiu o frio chegar e arranhou a porta para entrar… Frida, outrora calada, vive agora a deitar falas com o seu olhar…
*Poema de 2016, para Frida, que nos deixou logo depois, pela veleidade de um motociclista que corria a 100Km/h em uma rua de bairro.
Eu sou aquele que, queimado do sol de praia, sem pelos no corpo, virgem de corpo e alma, expõe a olhos nus sua ascendência indígena, com muito orgulho. Devia estar bêbado. Estava, de fato! Um dos poucos porres que tomei na vida.
Comigo na foto, em sentido horário, segundo a descrição da Tati: Yaimi, dois amiguinhos da Denisete, Soninha, Nadja, outro amigo da Denisete, Maria Inês, eu, Bahiano, Sérgio Taira. A maioria desses personagens se perderam em significado pessoal em minha memória randômica. Com certeza, comparecem em sonhos em que convivo com supostos desconhecidos.
Quem me enviou a foto, Tatiana Zimmermann, irmã da Tamara, era minha colega de classe. Sua família me recebeu muito bem e o garoto da Periferia começou a se sentir mais solto em um meio que não estava acostumado.
Sei quantificar e lembro de todas as ocasiões em que bebi e perdi controle mecânico sobre o meu corpo… Declaração estranha para quem alega ter lembranças esparsas sobre várias passagens da vida. Fiquei de porre exatamente três vezes. Em todas as ocasiões — pelo mesmo motivo — queria me libertar dos grilhões de minha timidez em relação às mulheres.
Na primeira vez, aos 15, uma linda moça queria ficar comigo. Estando sóbrio, eu só conseguia olhá-la sem conseguir articular uma sentença compreensível sequer. Bem, é dessa maneira que me lembro. Comecei a beber um garrafão de Sangue de Boi e só terminei quando o sequei. A consequência foi que mal conseguia andar. As últimas imagens que guardo é da moça falando comigo até eu adormecer na rede debaixo do abacateiro. Quando fui até a minha cama, senti o mundo girar em velocidade cada vez maior e apagar.
Na segunda e terceira vez ocorreram em festinhas na casa da Tati e Tamara. Uma outra bela moça, queria ficar comigo. Perguntei porque, já que a havia visto beijando outro rapaz. Respondeu que “não eram os seus braços, não era a sua boca”. Gostei do que disse (ou apenas estivesse desejoso), mas continuava preso. Comecei a fazer todas as misturas que se tem direito — vinhos, destilados e batidas. Iniciado o efeito desejado, cheguei a dançar agarradinho, a acompanhei por corredores em busca de um lugar para ficarmos mais à vontade e, sem sucesso, as últimas lembranças que tenho foram a de cair sobre ela. Carregado para o quarto, senti a minha camisa sendo retirada e ouvir uma última frase: “Nossa, parece o Tarzã!”.
Na terceira vez, sei que bebi muito — provavelmente o da ocasião dessa foto — e acordar (pleonasmo corretíssimo) “soltando os bofes para fora!” Passei dois anos sem poder sentir cheiro de álcool sem ficar enjoado e de estômago revirado. O que ajudou bastante a me afastar da bebida, além da ojeriza inicial à bebedeiras e bêbados que desenvolvi devido aos episódios de porre de frequentadores vivenciados no bar de minha mãe, onde trabalhei na adolescência.
Quanto ao “virgem” do título, apenas anos depois desse episódio deixei de sê-lo. Acabei casando com a moça que cometeu a proeza de me retirar do caminho do celibato.
Amanhã, será Dia de São João. Mesmo que muitas cidades ainda estejam em isolamento social por conta da pandemia de Covid-19, tem ocorrido muita movimentação neste mês de junho, mesmo que de maneira virtual, entre os cultivadores dessa expressão da cultura popular.
“Nunca dancei quadrilha em festas juninas. Quando garoto, oportunidades não me faltaram, mas a minha timidez… Como eu reagiria ao tocar a mão da minha parceira de dança? E se todos achassem que ela fosse a minha namorada? E se ela quisesse conversar comigo, como eu responderia? E se eu errasse os passos? Como poderia sequer caminhar com todos os olhos circundantes a me observar? Sei que perdi grandes chances de me expressar como pessoa, principalmente nesses eventos populares, de festas, mas carregava comigo a vergonha de ser um menino tão desajeitado…
Eu via mais sentido em parecer triste do que contente, ainda não conhecia o “Samba da Benção“, de Vinicius e Baden Powell, que me redimiria de me sentir melancólico, de vez em quando, o que não impediria de me sentir feliz por não ser tão alegre. Estava convicto de que as pessoas eram “sim” ou “não”, “preto” ou “branco”, “bom” ou “mau”, “bem” ou “mal”. A zona cinzenta onde todos os sentimentos, emoções e desejos residem em perfeita desarmonia ainda não era vislumbrada por mim. Ou era “herói” ou “covarde” ou “bandido” ou “mocinho”.
Ainda hoje, tento conviver com o fato de que tudo apresenta os seus meios termos, que o fogo que queima é o mesmo que aquece, dependendo muito da proximidade ou do objetivo que destinamos a ele. Pular a fogueira, aprendemos em criança. Hoje, é prática corrente, sendo Dia de São João ou não…”.
Conta-se que Isabel estava grávida de São João Batista e combinou com sua prima, Maria, que quando o bebê nascesse, ela acenderia uma fogueira sobre um monte para comunicar a novidade. A partir de então, todas as festividades do Santo possuem uma fogueira para iluminar a noite.
Vivemos o mês de junho, transição entre o outono e o inverno no Hemisfério Sul. Mês das festas populares de São Antônio, São João e São Pedro. Hoje, é Dia de São João. Nunca dancei quadrilha em festas juninas. Quando garoto, oportunidades não me faltaram, mas a minha timidez… Como eu reagiria ao tocar a mão da minha parceira de dança? E se todos achassem que ela fosse a minha namorada? E se ela quisesse conversar comigo, como eu responderia? E se eu errasse os passos? Como poderia sequer caminhar com todos os olhos circundantes a me observar? Sei que perdi grandes chances de me expressar como pessoa, principalmente nesses eventos populares, de festas, mas carregava comigo a vergonha de ser um menino tão desajeitado…
Eu via mais sentido em parecer triste do que contente, ainda não conhecia o “Samba da Benção”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, que me redimiria de me sentir melancólico, de vez em quando, o que não impediria de me sentir feliz por não ser tão alegre. Estava convicto de que as pessoas eram “sim” ou “não”, “preto” ou “branco”, “bom” ou “mau”, “bem” ou “mal”. A zona cinzenta onde todos os sentimentos, emoções e desejos residem em perfeita desarmonia ainda não era vislumbrada por mim. Ou era “herói” ou “covarde” ou “bandido” ou “mocinho”.
Ainda hoje, tento conviver com o fato de que tudo apresenta os seus meios termos, que o fogo que queima é o mesmo que aquece, dependendo muito da proximidade ou do objetivo que destinamos a ele. Pular a fogueira, aprendemos em criança. Hoje, é prática corrente, sendo Dia de São João ou não…
Quando garoto, por volta dos sete ou oito anos, comecei a me apaixonar. Tornei-me um apaixonado em série. Quanto mais inacessível a menina, a moça ou a mulher, melhor. Aliás, todas eram absolutamente inalcançáveis, não apenas porque eu era um pirralho que acreditava que ninguém notava como também era portador de uma timidez atroz.
Nunca teria coragem para me aproximar de Marylin Monroe, por exemplo, e anunciar que gostava dela, se isso fosse possível… Como não aconteceu com a primeira professorinha, a Profª. Débora, sempre perfumada, com o cabelo louro arrumado e fixado a laquê; com a estranha Marília Pera, de “Uma Rosa Com Amor”; com a mulher mais bela do mundo, Tônia Carrero, de “Pigmalião 70”; com a Ingrid Berman, de “Por Quem Os Sinos Dobram?”; com a Regina Duarte, de “Véu de Noiva” ou com o amor maduro por Romy Schneider, dos filmes europeus que comecei a apreciar mais tarde.
A minha paixão também se estendia às presenças femininas próximas e contemporâneas – à Celinha dos olhos claros, do Parque Infantil; à Bete, igualmente da mesma época, que se enamorou de meu melhor amigo e para qual servia de pombo correio; à menina mais bela da minha classe no ginásio; às moças mais interessantes do colegial, para quais também reservei a minha admiração apaixonada e silente. Eu as usava como musas de versos, canções, contos e versões…
Eu me lembro que versei “Hey Jude”, dos Beatles, aos oito anos. Na verdade, como não soubesse inglês, criei uma letra para a melodia de Paul MacCartney, direcionada à uma Jude que criei em minha imaginação e por quem me apaixonei. Como me apaixonei e fiz um poema para a menina dos olhos verdes que vi num relance, ao abrir e fechar da porta do ônibus – ela, à espera, no ponto e, eu, sentado no banco de trás do coletivo.
Escrevi versos para a moça de pernas bem torneadas, que estava a esperar o carro em que eu estava passar, sentada no selim de sua bicicleta no cruzamento de uma estrada no interior. E para a mulher que percebi verter uma lágrima ao ler um livro sentada em um banco de praça.
O que eu não esperava é que, mesmo mortos o menino, o moço e o rapaz que vivenciaram essas paixões, elas estivessem tão presentes ainda hoje na memória do adulto… Poder-se-ia até dizer que os homens são mortais, mas as paixões… ah, essas, são eternas…