Trabalho como locador de serviço e operador de equipamentos de som e luz, preferencialmente para bandas musicais que se apresentam ao vivo. O surgimento do Ignominioso Miliciano, uma figura dos porões que se tornou proeminente no cenário político, jogou luz sobre características formativas do brasileiro desde os tempos da Escravidão. Esse modelo de produção de riqueza empreendido pelas classes dominantes da Sociedade – que tem o racismo e a exclusão como formulação ideológica – impera até hoje. Mas na minha análise, de ordem mais geral, não entrava concepções que atravessavam zonas cinzentas dos pensamentos de muitas pessoas, que se sentiam muito à vontade em reproduzir histórias das mais estapafúrdias geradas desde um centro emissor de loucuras. Quanto mais irreais, mais bem recebidas. Qual não foi a minha surpresa em encontrar entre aqueles com os quais tenho contato – instrumentistas, cantores, atores, operadores e empresários do setor – entre os mais abnegados seguidores do novo Messias. Do Caos. Imaginava que sendo de um ramo de atividade ligado à Cultura, um dos mais atacados pela turba do Ignominioso Miliciano, encontrasse resistência a seus argumentos.
Esse sujeito e seus asseclas propõem posturas próximas do Nazifascismo alemão que tanto mal fez à Alemanha, seus aliados e aos que foram alvos preferenciais da política de extermínio – judeus, homossexuais, ciganos e quaisquer outras raças e de posicionamentos político-ideológicos – que não tivessem respaldo no manifesto “Minha Luta”, de Adolf Hitler, baseado na ascensão na raça ariana como superior. Como numa “salada russa” temática, um tal de Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente americano, Donald Trump e de Olavo de Carvalho, um mistificador-discípulo do Caos, a propuseram como política de reestruturação da Sociedade. Defendem a separação dos escolhidos – com viés religioso – dos demais que não se coadunam com o perfil ideal. São homens e mulheres que se perfilam ao lado dos mandamentos do Patriarcado, com acentuada aversão aos que consideram pessoas com desvios imperdoáveis. Entra aqui a feição hipócrita desse colegiado de pessoas com sérios problemas psicológicos. Frágeis e temerosos de tudo que contrarie um mundo supostamente perfeito e plano como a Terra que formulam. É um reacionarismo que tem raiz na Idade Média, descartando o desenvolvimento e o conhecimento adquirido nos últimos setecentos anos.
São homofóbicos, misóginos, racistas, xenófobos, que desconfiam da Ciência, do Conhecimento, da História e elegem a Cultura como filha espúria dos desvios que deterioram as práticas sociais. No Brasil, uniram-se à ancestral saudade de viúvos e viúvas do Escravismo que dizimou os originários da terra brasilis e jogou os descendentes africanos na vala de cidadãos de segunda classe, fadados a desaparecerem ou se conformarem a assumirem posições especificamente subalternas. Por isso, políticas públicas de atendimento aos desalentados ou de inclusão do maior número possível de estudantes pobres, pretos, mulheres e de outras características não-conformes (mas que constituem a maioria da população brasileira), é vista como inapropriada e foram desmontadas durante os quatro anos do (des)governo do Ignominioso Miliciano.
Em torno dessa figura indigna foi construído um arcabouço que, por mais que causasse arrepios a quem tivesse um mínimo de conhecimento histórico e não se fiasse na massa de informações distorcidas que ganhou o nome Fake News, o colocou como um capitão das causas reacionárias no imaginário de boa parte da população. De acordo com as últimas eleições, quase metade. A minha mais dolorosa constatação foi a de que componentes da nossa Sociedade justamente repudiados por esses líderes, se sentiam felizes em servir de escudeiros da ideologia macabra. Aliás, a tática inicial foi transformar a palavra “Ideologia”, em algo vinculado às demandas da Esquerda. Como ser de ultradireita não fosse um posicionamento ideológico, mas uma espécie de tábua dos dez mandamentos enviadas por Deus (acima de tudo e todos), com prescrições irredutíveis e obrigatórias.
Esses “inocentes úteis” – aqueles que facilmente iriam para o Inferno por carregarem as melhores das intenções – são perigosos porque estão cegos e surdos a qualquer palavra mais conscienciosa, alimentando com lenha o fogo da Inquisição. Um dos que com os quais conversei chegou a falar de que são acusados daquilo que os seus opositores fazem. Em seu perfil ostenta o lema “Eles estão cegos e surdos”. “Eles”, somos nós que os contestam. Certamente, ao não ver o que veem, a não ouvir o que ouvem – uma espécie de visão messiânica a um deus do mal – nos colocamos como desprovidos dos mesmos sentidos que os conduzem.
Para que não tenha dúvida quanto ao que eu considero como certo e reto, utilizo réguas que me posicionam como utópico – solidariedade, compaixão, inclusão, união, equanimidade de oportunidades, igualdade de direitos, justiça social, incorporação das diversidades de gêneros e identidades – permeado pela Democracia, o único sistema que por mais que cause conflitos, é o que garante a representação de todos os posicionamentos, incluindo os conservadores. A única exclusão que faço é aos intolerantes. Se aceitarmos que continuem a professar a sua plataforma de ódio e opressão, com o tempo, causam cizânia, violência e a destruição da Democracia.
Quanto ao Utopismo, não há contradição entre desejar o máximo possível e alcançar o mínimo possível. Somo humanos, erramos. Na minha atividade profissional, não posso escolher com quem trabalhar. Quer dizer, numa situação especial, sabendo quem era o contratante, decidi abrir mão de atuar. Não conseguiria, sabendo o que sabia, estar voluntariamente no mesmo espaço que o sujeito, um ideólogo defensor ativo da violência como modelo de atuação. Não ponho a minha cara para bater ao confrontar meus colegas. Muitos, deixei de seguir ou bloqueei. São vários artistas do qual admiro o trabalho, mas que ao perceber que não adiantaria tentar provar a estúlcia do que defendem. Piso em ovos para não ofender quem acredita em exército chinês estacionado em quartéis no interior do País, de que a Pandemia de Covid-19 é uma imensa tramoia de entidades internacionais envolvendo políticos de esquerda, Bill Gates, Jeff Bezos, China, Coréia do Norte, para impedir o sucesso dos governos Trump, americano, e do ex-presidente do Brasil. Em tentativas de enfraquecê-los politicamente, para citar apenas dois exemplos de postulantes ao extremismo de Direita.
Não deixa de ser uma “boa” teoria de conspiração, entre tantas que surgem todos os dias, que tenta explicar o conteúdo pelo continente. Que busca colocar a terra plana como plausível, que desestrutura o que foi construído porque creem que a fundação está mal alicerçada. Essa busca pela revolução incendiária e sangrenta apenas separam mais as pessoas. A Educação como plataforma permanente de governo é uma das soluções praticáveis mais óbvias, mas demanda tempo e muitas vezes não é objeto de investimento, desconhecendo o sucesso de outros países quando a implementaram. A quem chore de saudade de um Brasil que se reinventa sempre o mesmo, como drama antigo, tão clássico quanto canhestro. Este tempo que atualmente vivemos é, de certa forma, também um lugar distante. Nele, estamos num País – injusto e desigual – que não deveria existir mais e o para o qual nunca mais devemos voltar como modelo…
Observação: diferente da Lunna Guedes, que respondeu direto para uma “seguidora” em A Guerra de todos contra todos, sei que meus colegas de trabalho não lerão este ensaio. Duvido que leiam algo que eu escreva ou mesmo que “percam tempo” lendo uma crônica ou um livro de qualquer autor. A maioria prefere receber via pílulas “informativas” – venenosas, rápidas e digeríveis – de fontes “confiáveis” que o trazem notas “verdadeiras”. Ou, pior, ainda que saibam que não sejam, mesmo assim passam adiante, porque é naquilo que creem, mesmo sem provas. Porque é preciso usar todos os expedientes para implementarem a visão de mundo que os definem – estranho, disfuncional e mortal.