Varrer o quintal pode ser uma tarefa enfadonha, mas a faço com o prazer. No chão, jaz restos de processos biológicos que, antes que pareçam vestígios da morte, perfazem uma etapa da vida, que sempre se renova!… Eu não sei se conseguiria viver em apartamento, por esse e por outros motivos. Varrer me ajuda a meditar. Limpar o jardim externo ou um quintal é como varrer o nosso jardim interno e retirar vestígios que nos atrapalham. Colocarei as folhagens em um local onde faremos um novo canteiro. De volta à terra, ciclo vivo. apenas de reposição de matéria orgânica natural. Eu, há muito tempo, li um livro chamado “A Vida Secreta das Plantas”, em que os autores, dois botânicos, inferiam, pela pesquisa que realizaram, que esses seres, aparentemente inertes e sem vontade, empregavam algum tipo de comunicação química ou sensorial entre eles e desenvolveram algo parecido com “emoções” ou “sentimentos”, aspectos que qualquer dona-de-casa que cuida com amor de suas flores ou jardineiro de longa data já perceberam.
Dizem que jogar xadrez não o torna mais inteligente, mas apenas um melhor jogador de xadrez. Eu prefiro pensar de outro modo e acho que ele nos ensina sobre estratégia e como saber se antecipar às jogadas que a vida nos contrapõe. Similarmente, dizem que as tarefas caseiras são apenas cansativas e não trazem nenhuma contribuição pessoal. Mas, para mim, qualquer coisa me serve de base para filosofar: varrer, limpar, lavar utensílios de cozinha e guardá-los, por exemplo. Por acaso, descobri que nem sempre encontramos as tampas para as respectivas panelas e vice-versa… Um mistério na cozinha e na vida…
Em ciclos que se repetem, nós vivemos nossas precariedades íntimas ou públicas. Muitas vezes, coletivamente como ocorre no caso de doenças endêmicas. O relato a seguir completou, em março, cinco anos de seu início. E, até hoje, me afeta com repercussões maiores e menores no corpo. Assim como repercute as nossas decisões pessoais e coletivas em nosso cotidiano anos a fio.
“Hoje, estou em um quase inusitado dia de folga neste mês de março. É certo que tive uma vacância um pouco maior na semana retrasada, mas quase não conta, já que passei pelo pior período da dengue que me assolou. Vivemos uma situação de epidemia dessa doença em minha região, que fica na Zona Norte de São Paulo. De manhã, fui à UBS do meu bairro levando os exames de sorologia que comprovavam o contato com a dengue. O que fiz é o procedimento necessário para a notificação da mesma e soube, pela enfermeira que me atendeu, que já temos 180 casos relatados oficialmente por aqui.
Nunca pensei que, mesmo morando na periferia, vivesse uma situação tão precária na área da Saúde. Afinal, estamos na maior e mais rica cidade da América Latina, a de maior desenvolvimento econômico do Hemisfério Sul. Não estou aqui a acusar especificamente nenhum governo em particular. Somos todos responsáveis pela situação que ora se apresenta. Mesmo porque somos nós que elegemos os nossos representantes legislativos e executivos. E uma condição como a que passamos não se estabelece de um dia para o outro. É um longo processo que devemos saber resolver, mais cedo ou mais tarde, através da conscientização coletiva.
Neste meu dia de folga, limpei o meu quintal, verifiquei possíveis focos de reprodução de mosquitos e resolvi problemas burocráticos da minha pequena empresa. Em determinado momento, deixei de varrer para atender telefonemas, responder e-mails e comer alguma coisa. E adivinhem? Quando voltei, fiquei surpreso com o fato de que a sujeira que eu estava a varrer… continuava no mesmo lugar.
Sim! Nada acontece magicamente! Se não terminarmos nossas tarefas, elas não se resolverão por si só. Continuei a varrer-conjecturar e não deixei de lembrar que a símbolo da vassoura é muito forte para designar um movimento. Estudioso de História e Filosofia, sei que a vassoura já foi muito utilizada para se chegar ao Poder e de que qualquer boa intenção é normalmente manipulada pelos espertos de plantão.
Percebo que o efeito da simbologia sobre a consciência dos Homens é tão poderoso que os manipuladores (nem sempre os mais sábios, mas sim os mais práticos) conseguem tornar até mesmo as pessoas mais bem-pensantes em títeres na busca pelo Poder. Limpar nossas ideias de falsos pressupostos e deixar de nos envolver por sofistas é um trabalho constante.