BEDA / Aposto!*

Perto do centro comercial do meu bairro existe uma casa lotérica chamada O Meu 1º Milhão. Achei o nome inspirado e sugestivo, em se tratando do fato que intitula um local de apostas nas loterias da Caixa Econômica Federal. Mais inspirador seria se aquele primeiro milhão não fosse incentivado a ser conseguido com o “Aposte e Ganhe! frase que complementa o cartaz sobre a entrada do estabelecimento. Seria tão surpreendente que uma instituição do governo tão poderosa, como a CEF, alardeasse aos quatro cantos do território nacional que seria possível, com muito estudo e trabalho, conseguir obter muito mais e ser, além de um “ganhador”, um verdadeiro vencedor?

Eu costumo dizer que ganho toda a semana na loteria – o dinheiro que eu apostaria, economizo ou gasto em alguma outra coisa necessária. E aposto com qualquer um que essa é a melhor opção possível! Contudo, o fato é que não adianta proferir sentenças de cunho inspirador, simplesmente porque o brasileiro adora apostar. Nós somos o País do Jogo do Bicho, da Briga de Galo, da supostamente inofensiva Tômbola de igreja e das clandestinas casas de Bingo e suas máquinas viciadas e viciadoras, além de tantas outras modalidades de jogos de azar – Jogos de Azar também é um nome muito sugestivo.

Também, em Política, costumamos apostar. E fazemos apostas altas. Blefes tem sido a regra e não a exceção nesse campo, o que torna o nosso jogo muito perigoso. Apenas tenho dúvidas se o jogo que fazemos deriva do fato de não termos educação suficiente ou se gostamos de apostar para perder e não para ganhar – o que também é uma característica do viciado em jogos de má sorte. O frisson causado pela possibilidade de perder chega a ser muito mais atraente para alguns do que construirmos uma boa estrutura para nós e para o País.

Na semana passada, começou a ser veiculada em rádios e TVs de todo o Brasil, a nova campanha para as loterias da CAIXA, que procura divulgar os “benefícios” advindos do saldo das apostas nos diversos jogos patrocinados por ela. Sinceramente, prefiro a oferta desbragada do “aposte e ganhe!” (enganadora para a massiva maioria dos participantes) do que tentar aliviar a consciência do jogador com o fato de que ele estaria investindo no futuro do País com os chamados “repasses sociais” dos jogos em áreas como o Esporte, Cultura, Educação, Seguridade Social e outras. Fábio Cleto, Vice-Presidente De Fundos de Governo E Loterias da CAIXA, ressalta que “é importante que a população saiba que este é o maior benefício das Loterias da CAIXAé ser um efetivo instrumento de inclusão e justiça social“. Seria como dizer, com um sorriso no canto da boca, que o vício dos cidadãos deve ser estimulado para que possamos beneficiar pessoas que, de outra forma, não consentiríamos em ajudar. E que, além disso, o Governo, sem essa opção, não conseguiria (ou não teria interesse) fazê-lo com a exorbitante arrecadação auferida com os impostos pagos por todos nós.

Desculpem-me, mas eu vou ali vomitar só um pouquinho…

* Texto de Fevereiro de 2013

Participam do BEDAMariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Darlene Regina Roseli Pedroso

O Grande Irmão

Quando George Orwell criou, em 1949, a figura do Grande Irmão de “1984”, aquele que pairava como o absoluto observador que a tudo via – percursos, supostas intenções e ações dos que compunham a sociedade – a referência era o viés opressor e totalitário das ideologias políticas da primeira metade do século XX. O “Big Brother”, personagem praticamente onisciente, interferia diretamente na vida humana em todos os seus aspectos, formulava diretrizes e estabelecia regras específicas para o comportamento de cada pessoa da nação. Como que confinados ao Jardim do Éden, era Deus a ditar o certo e o errado para a convivência harmônica de seus cidadãos idealmente despersonalizados. A não-vida era invadida e quem quebrasse algum mandamento, sofria graves sanções.

Quando o programa Big Brother foi criado, nos estertores do século passado, a ideia era que os participantes da bolha competissem por um prêmio através de uma sequência semanal de eliminações — um a um — por meio de jogos. Aproveitando a cada vez maior participação do público, ocorria a escolha de quem deveria sobreviver até o fim, a base da extinção dos oponentes. Transformado em entretenimento, o confinamento de pessoas para serem observadas como os outros animais em zoológicos, parece emular certas condições que se amplificam em grande escala ao serem testemunhadas por milhões de espectadores, que despendem a vida em vigiar um pequeno grupo, a decidirem quem deve sobreviver ou não. Nesse sentido, estabelece-se uma inversão interessante em relação ao Grande Irmão original. Para a “alegria” de quem vê o programa, a direção formula tarefas ou situações que põem os componentes em conflitos constantes experimentos de ratos no labirinto ou gladiadores na arena de gladiadores modernos.

As personalidades dos participantes parece estabelecer um critério razoável para que a simpatia ou a antipatia recaia sobre tal e tal personagem do programa. O clima psicológico pode ir às raias do estresse total até a exaustão. Quem melhor se adapta às circunstâncias cada vez mais inóspita, encontra maneiras de superar as adversidades. Começam a criar grupos, a fazer conchavos, a traçar estratégias gerais e a desenvolver táticas de guerrilhas para buscarem derrotar os seus inimigos que, se der tudo “certo”, poderá ser o seu aliado de hoje.

Uma vez dentro da casa-bolha, pouco a pouco os participantes esquecem que estão sendo vigiados e começam a agir sem travas, principalmente quando estão alcoolizados — outro expediente desequilibrador: produzir festas regadas a bebidas destiladas. Deus, nesse caso, lhe apraz que todos os pecados sejam cometidos. Que haja nudez, luxúria, ódio, vingança, vaidade e outros sentimentos exacerbados pelo isolamento. O amor (ou o sexo) costuma ser bem visto, de tal maneira que, por conveniência, namoros são iniciados por acordo para angariarem simpatizantes.

No Brasil, os produtores parecem ter transformado a “casa mais vigiada” num campo de projeção do comportamento da nação, feito um imenso espelho de nossas mazelas éticas. Em determinado momento, a participação dos vigilantes é avaliada por outros vigilantes. Grupos de defensores e detratores dos participantes se perfilam frente a frente numa insana batalha de mútuo “cancelamento”, para usar uma palavra da moda. O cancelamento é como se fosse a morte na vida virtual, tão definitiva quanto a real. Chego a ver os soldados invadirem as casas dos vencidos, derrubarem as suas paredes e a salgarem o solo do terreno profano para que nada mais nasça no futuro.  

Por vezes, sinto que o planeta Terra seja, igualmente, um local desse tipo de experiência, como se deuses brincalhões passassem a eternidade a formular jogos de guerra para verem os habitantes da casa a se matarem até que reste um único vencedor que, muito provavelmente. será esquecido… porque quem sempre vence é o jogo.