Acordo sem sono exausto de tanto sonhar
Lembrei-me de alguns trechos da viagem
Ou eram várias-pequenas viagens
Tantas que não pude quantificar
Sonhei que era chamado a mais viajar
Para longe para distantes lugares
Mas tão próximos quanto um abraço
Podia alcançar
E vaguei por planetas e casas e pessoas e beijos
Tomei vinho comi pão com azeite e saboreei queijos
No entanto, eram apenas antevisões do que poderia usufruir
Por que recusava cada vez mais veementemente
A aceitar a oferta de prazeres
Perguntavam por que me recusava
Enquanto outros faziam amor
Por amor a amar
Senti que mesmo liberto do mundo em sonho
Algo me prendia a continuar a ser aquele não se arrependia
De estar ligado a oferta de um só amor em aliança
Ao laço de enlace, não algema de prisão
Fidelidade por desejo, entrega por paixão
Enquanto outros se desdobravam em amar
Sonhava e dormia tão profundamente
Porque antes de deitar a cabeça no travesseiro
Já havia me entregado
E entregado o meu coração
Enquanto beijava o seu corpo inteiro…
Etiqueta: viajar
BEDA / Scenarium / Coração de Minas
Eu sou “Quereres”! Os versos da canção de Caetano Veloso me definem. O que não quiser muita coisa, já que “Quereres” versa sobre o desentendimento entre o que somos ou que não somos e a maneira que nos veem ou entendem que sejamos. Em Junho de 2015 ocorreu a passagem física de Fernando Brant. Este texto escrevi para prestar uma justa homenagem ao inspirado poeta, autor de versos belíssimos que, junto a vários compositores musicais, mas principalmente ao Milton Nascimento, construiu um repertório rico e sempre instigante.
Suas músicas tinham o condão de me fazer viajar para o coração de Minas Gerais, o Estado que considero o mais brasileiro dos Estados, talvez devido a sua condição insular – um mar de montanhas, cercado de planaltos por todos os lados. Isso permitiu que tornasse o mineiro um ser que resume muitas das melhores particularidades que gostaria de ver exacerbada no brasileiro de modo geral – a discrição, a sobriedade, dono de um espírito libertário – se bem que desconfiado e, normalmente, caladão. Ou, por outra, que deixa para falar o que pensa na hora certa. Acho que o mineiro é aquele que sabe quem é, isso visto por alguém que é “Quereres”, como eu. Minas é um estado de espírito.
Para exemplificar a minha paixão, apresento “Ponta de Areia”, de 1975, uma das músicas de Fernando que sempre me emocionou. Quando a ouvi pela primeira vez, na voz de Elis Regina, viajei pela estrada de ferro que sequer ouvira falar antes. Eu era novo e acreditava em um Brasil grande e rico, com um povo alegre e criativo, de culturas e características étnicas múltiplas, formando um mosaico promissor que o tornaria, no mundo, o mais pujante do próximo século.
A canção relata o fim de uma era e talvez o prenúncio de outra, ao mostrar a desativação de uma ferrovia, que ao lado do desmonte de outras linhas férreas, denunciava a opção política monocórdica e criminosa pelas rodovias, o que explica muito dos problemas atuais no setor de transportes no Brasil, tanto de produtos quanto de pessoas.
Quanto à música, ao lado dessa sensação de decadência apresentada em seus versos, podemos também sentir como facadas n’alma a beleza lírica que pontua cada imagem que passeia pela melodia. Não foram poucas as vezes que me emocionei com ela. Definitivamente, “Ponta de Areia” foi uma das mais belas viagens que já fiz…
Neste clipe, é mostrada a história da ferrovia que ligava Bahia a Minas:
BEDA | Amarelo Piscante

Serei apenas eu que viajo em alguns conjuntos de palavras que são de uso comum, mas são ao mesmo tempo portadoras de estranha magia?
Outro dia, ouvia declarações dadas pelo diretor do Departamento de Trânsito sobre a paralisação de parte dos semáforos de São Paulo, após as chuvas intensas de final de Julho e início de Agosto. Expunham dados técnicos tanto para explicar os que paravam de funcionar totalmente como para os que entravam no modo “amarelo piscante”. Pronto! Bastou ouvir aquela locução para eu começar a variar.
A cor amarela a piscar sincopadamente, como se fosse o sol da aurora ou fim de tarde, a transformar o mundo todo em uma imensa boate. Aliás, que mágica a palavra: “boate”!… Gosto de proibido quando adolescente, tanto quanto as palavras “proibido” e “adolescente” são incríveis. Menino, ansiava por ser adolescente. Todos sabemos o quanto estar nessa fase é quase mortal para quase todos… e mortal para outros poucos. Sobrevivi, mas não sem traumas – que linda palavra: “trauma”.
No mesmo noticiário, as novas-antigas sobre o trânsito diziam respeito aos engarrafamentos do dia. Oh… Que feitiçaria transformou o ato de encher garrafas – palavra sensacional – em episódio de afunilamento (ah… funil!) de tráfego? E os temíveis engavetamentos? Acidentes em que imagino carros a serem dispostos em gavetas gigantes, guardados para sempre…
Da mesma maneira, locuções antigas como “bater um fio” ou o até hoje popular “cair a ficha”, remontam, os dois, aos antigos telefones fixos com fio privados e públicos. Apesar do desuso deste último recurso, “cair a ficha” comunica uma ideia óbvia para a maioria das pessoas. Quando no início indicava apenas que houvera contato com o outro lado da linha… Ah!… “Linha”!
E há a importante “ponta firme”, o estranho “zero bala” e o acintoso “viral”. Aliás, discorrerei especialmente sobre o derivativo “viral” na próxima crônica. Quando nos encantamos com as palavras, torna-se difícil não parar de viajar (ah, que lindo é “viajar”!) a cada vez que as utilizamos para a construção de um texto.
Aliás, “palavra”, “verbo” formam uma sinonímia perfeita para objetivar o surgimento da vida… Ah, “vida”…

