Luiza*

Registro de 1983, ilustrativa, da mesma época do pôster referido no texto.

“É muito estranho quando você encontra uma pessoa que fez parte do seu Passado, mas que nunca tinha visto pessoalmente” – enviei essa mensagem na noite de sábado, via Whatsapp, para o grupo formado por minhas filhas e mulher. Estava sonorizando uma festa privada de aniversário, em que havia a participação de algumas celebridades. Uma das minhas filhas, a Ingrid, perguntou a quem eu havia encontrado. Respondi: “Luiza Brunet – é muito mais atraente que muita mocinha!”. Ela respondeu: “Nossa! Deve ser, mesmo!”. Para comprovar, mandei uma foto que tirei discretamente. A Romy comentou: “Nossa! Muito ‘diva’, mesmo!”. Completou que a achava mais bonita que a filha (também modelo).

Um dos mandamentos de quem trabalha em eventos particulares é o de não divulgar imagens ou informações a respeito, principalmente quando apresenta restrições claras quanto a isso, como era o caso, ainda em se tratando de figuras públicas. Portanto, apesar de fazer jus à sua beleza, não a divulgarei aqui. Ali é mostrada a beleza da maturidade em plena forma.

Na sequência de mensagens, comentei que quando a Tânia visitou a minha casa, quando ainda éramos solteiros, viu em uma das paredes de meu quarto, um pôster de corpo inteiro de La Brunet, dessas que se veem em borracharia, com o dorso e as pernas à mostra, vestindo apenas a parte de baixo de um biquíni.

Apesar de pretender me mostrar um cara diferente, que não valorizava tanto a forma para além do conteúdo, fazia questão de ter àquele à vista. Lembro-me de ter comentado que me impressionava especificamente o olhar da modelo (não tão conhecida quanto se tornou depois) em pose relaxada e confiante. O rapaz sem experiência via naquela imagem a representação do poder da sedução. Carregava um olhar penetrante, que nos invadia e que parecia dizer: ”Vocês é que estão nus!”.

E era assim que me sentia – intimidado por parecer desnudado diante da bela mulher. Decorridos mais de vinte e cinco anos, lá estava a minha musa em carne e osso, tão perto do meu olhar. Fiz questão de me manter à distância, observando os seus movimentos, como agiria um “voyer” que de fato eu era quando a “conheci”. Mesmo porque, estava naquele ambiente apenas para cumprir as minhas funções profissionais.

Mesmo que pudesse, não o faria. Há sensações que devemos manter intactas no Passado, para encontrá-las sempre frescas quando vamos buscá-las em nossa memória. Conquanto a beleza física de Luiza Brunet seja facilmente constatada, ainda hoje, através de inúmeras postagens pessoais e jornalísticas, o que faço questão de manter indelevelmente em minha mente é impressão de profundidade d’alma causada pelos olhos escuros da típica mulher brasileira de tez morena dos Anos 80, a qual nunca passará.

*Texto de 2014

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Serendipitia / Três Horas Por Três Minutos

Há situações que ainda que não esperemos de nenhuma forma, acabam por nos trazer um grande prazer, muitas vezes pelo ineditismo da situação ou porque, se fôssemos imaginar que acontecesse, seria um exercício de impossibilidades, como ganhar no jogo, principalmente quando não jogamos, a se concretizar de maneira tal que talvez só um sonho explicaria.

Em um desses sábados, pelo Whatsapp, Weslei Matta, jovem cineasta – diretor, roteirista, editor de imagens, cinegrafista – que conheci através de minha caçula, em um desses encontros de contemporâneos intemporais, me consultou sobre a disponibilidade de atuar como Don Alighieri, um mafioso do futuro. O ator que o faria, ficara impossibilitado. Acertado para a manhã de quinta-feira seguinte, restaria a mim, em cinco dias e meio, decorar as falas, encontrar o tom de expressão exato de alguém poderoso, convicto de sua invencibilidade e… morrer.

Serendipity (1)
RONIN: Eu achei que você seria um desafio, Don, mas estou decepcionado… DON ALIGHIERI: Você trapaceou… Seu hacker maldito!

O set para a realização das cenas “no armazém” teria lugar no Instituto Criar de TV, Cinema E novas Mídias, fundada em 2003, aproveitando construções típicas do início do século XX, comum na região, de indústrias ou armazéns desativados remanescentes do surto desenvolvimentista paulistano do início do século passado. O Bom Retiro, um dos bairros mais antigos da região central de São Paulo, sofre um rápido processo de especulação imobiliária voltada a edificações de condomínios residenciais. Os antigos conjuntos de graciosas casas operárias pouco a pouco deverão se extinguir e as ruas por hora tranquilas darão lugar ao esquemático tom monocórdico dos novos empreendimentos.

Serendipity (6)

Não seria a primeira vez que atuaria sob o convite de Wes, como eu o chamo (em referência a outro cineasta – Wes Craven). Na outra oportunidade, Wes me dirigiu, mas desta vez a direção caberia a Pedro Oliveira, que eu conheci como cinegrafista de “Da Sacada”, clipe baseado em uma canção de Marcos Wilder, pela mesma St. Jude Produções. Por alguma razão insondável, acharam que poderia atuar daquela sorte e diante do imprevisto, voltaram a me chamar. Acordei cedo, com a cidade lavada em um típico dia paulistano dos bons tempos da garoa e lá fui eu para a região do velho Bom Retiro, para as cenas programadas.

Serendipity (2)
Instituto Criar de TV, Cinema E novas Mídias

Wes conhecia o espaço porque estudou no “Criar”. A diária estava programada para até às 14h30. Cheguei a tempo de poder ver outras cenas já gravadas do primeiro episódio de “2099”, que se passa num futuro pós-apocalíptico em que os jogos virtuais se tornam fonte de disputas entre forças antagônicas. Na trama, sou Don Alighieri, capo da realidade virtual que enfrenta Ronin, um matador de aluguel, personagem manipulado-incorporado pelo jogador Jon no mundo real. Ficamos à espera dos outros atores participantes das cenas. O ator amador se sentia estranhamente tranquilo, um veterano, não apenas na idade. A expectativa era que tudo corresse bem, principalmente porque sabia do talento dos jovens envolvidos no projeto. O que veio a se confirmar plenamente.

Serendipity (3)

Durante as filmagens, a discussões sobre como se desenvolveria as tomadas dos planos e ângulos das ações eram interessantes e demonstravam a capacidade de cada um dos envolvidos. Todos demos sugestões – atores e realizadores – acatadas aqui e ali –, mas o respeito pela liderança de quem conduzia a filmagem era inquestionável. O saber se sobrepunha à vaidade e a busca das melhores soluções para que chegássemos ao melhor resultado me permitiu viver uma realidade virtual-exemplo do que poderia ser a realidade palpável deste País. Como referência cruzada, o escritor não pode deixar de notar que até um livro de Bukowski – O Amor É Um Cão Dos Diabos – fez as vezes de apoio da câmera para proporcionar o ângulo exato para a realização de uma cena.

Serendipity (14)
Como um ser humano comum levanta um outro pelo pescoço com apenas uma das mãos?

Poucas vezes me senti tão bem. O velho encontrou, entre pessoas que carregavam um terço a metade de sua idade, o amor pela realização da arte – transformar ideias e pensamentos em algo vivo-em-movimento. O jogo entre realidade pós-apocalíptica e virtualidade de alguma maneira encontra ressonância nos tempos que vivemos. Por três horas trabalhamos para que três minutos de ação se tornassem uma visão consubstanciada de algo concreto – ilusão de outra vida – espírito ganhando um corpo. Iludir para entreter-fazer-pensar é um sucedâneo para a existência iludida imposta cotidianamente por mistificadores-algozes que grassam na cena brasileira.

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“E você me inventou e eu inventei você e é por isso que nós não damos mais certo.” (camas, banheiros, você e eu…; p.129) – Charles Bukowski, in O Amor É Um Cão Dos Diabos, 1977