Super Luas

O interessante na ocorrência das Super Luas em Sampa, é quase nunca a percebemos. Simplesmente porque calha de haver sempre muita nebulosidade a nos impedir de senti-la em todo em seu esplendor. Aqui, coloco dois textos referentes a duas ocasiões diferentes…

Em 2015…

Sem Super Lua

Apenas superação…

A eterna ação

da Terra em movimento…

Em uma viagem de velocidade controlada em torno do Sol.

Bilhões de pessoas já viram céus

e astros mudarem de lugar quando,

em verdade, foram elas que se moveram

vida adentro, do nascimento à morte…

Essa é a nossa eterna sorte…

Nossa fraqueza…

E a nossa redenção…

Em 2018…

Nota De Esclarecimento

Não fui eu, Obdulio Nuñes Ortega, que desencarnou na madrugada de ontem. Mas sim meu pai, quase um homônimo – Odulio Ortega. Morrer é um fenômeno natural, assim foi a ocorrência da Super Lua, de quarta para quinta. Um dia, morrerei. A vida só é enigmaticamente tão bela porque temos a morte a nos cortejar num romance eterno, vida após vida. Quanto ao meu pai, ele foi um homem que viveu plenamente e se foi calmamente aos quase 86 anos de idade. Envio um abraço forte a todos que se preocuparam com a minha condição de órfão tardio ou defunto precoce.

Sou Argentina Desde Criancinha

No final dos Anos 60, Dona Madalena e seus três filhos – entre eles, eu – fomos parar em Posadas, capital da Província de Missiones, Argentina. Lá, morava a minha avó paterna, Dona Dora Parodi, que abrigava o meu pai, ativista refugiado do Partido Comunista Paraguaio. No Brasil, estávamos em plena atividade da Operação Condor, que reunia os países dominados por ditaduras de Direita que, coordenados pelo Governo dos Estados Unidos da América, perseguiam, prendiam, torturavam e/ou matavam os seus opositores.

Eu tinha 5 para 6 anos e fui jogado com meus irmãos dois e quatro anos ao meio de uma realidade da qual guardo várias lembranças. Em São Paulo, apesar de pobres, tínhamos uma estrutura razoável. Em Missiones, no norte do país platino, no contexto da região da Tríplice Fronteira – também formado por Paraguai e Uruguai – começamos a utilizar expedientes que nos acostumaríamos mais tarde, quando voltamos para o Brasil: tomar banho de canequinha, usar água guardada em bacias, restrição alimentar. Mas isso é outra história…

Tive muito contato com os filhos de uma moça de origem indígena, assim como o meu pai. A passagem mais marcante ocorreu num Natal em que recebi um cofrinho de plástico em forma de Papai Noel. Hoje, eu sei que foi algo dado com muito carinho. Afinal, aquele pessoal mal tinha dinheiro para comer. Mas eu era uma criança e lá percebei o quanto el pibes eram muito valorizados. Mesmo as famílias mais humildes faziam festinhas para comemorarem os aniversários de seus filhos.

Ficamos cerca de oito meses por lá. Estudando, me dei conta que a nossa volta para cá coincidiu com o golpe militar na Argentina, em 1966, que instaurou um regime de exceção aos moldes do brasileiro, porém mais violento, em um estado de sítio permanente. Retornamos quando se iniciava a minha idade escolar. Na escola, falava espanhol, usava poncho como vestimenta no Inverno e me sentia olhado com desconfiada curiosidade pelos coleguinhas, como se fosse um bicho estranho. Mesmo novo, tinha adotado os cabelos compridos como marca. Ou seja, eu era um pequeno argentino em Sampa.

Esse laço com a Argentina foi se estreitando ao longo das viagens que fazia para visitar a minha avó, até seu falecimento. Inclusive, acabamos, minha irmã e eu, por sermos escolhidos como padriños de nuestro hijado, Luís Sosa, filho de uma amiga da família. Eu, jovem rapaz, caminhava pelas ruas de Posadas e me admirava ao ver en la calles, los niño jugando fútbol. Impressionado com o estilo de toques e deslocamentos rápidos do “toca y mi voy”, percebi a razão da dificuldade do meu São Paulo em vencer os times argentinos na Libertadores da América.

O País Argentina, institucional, tem os seus problemas, mas ao conhecer o povo, sei que merece um alívio no seu sofrimento. Assim como os brasileiros, açoitados pela péssima escolha de um governante que surfou na onda do Negacionismo e de medidas que demonstraram que boa parte de sua população possui uma postura elitista, totalmente avessa à nossa formação multicultural e multirracial. É como se quiséssemos fugir de nossa gênese. Ao mesmo tempo que chamamos de “Menino” o maior ídolo no futebol, nota-se a nossa tendência em absolvê-lo por sua conduta ética dúbia. Enquanto Messi demonstra garra e vontade aos 35 anos, o outro, aos 30 se sente exaurido. Na minha ótica, isso tem mais a ver certa frustração vaidosa. A mesma que um garoto adota ao não querer mais brincar quando não consegue ganhar dos adversários.

Messi deixou de vencer quatro Copas do Mundo. Isso o impediu de tentar novamente? Não! Com certeza, as decepções o tornaram mais aguerrido. Deixar de torcer pelo time do país vizinho de nuestros hermanos argentinos, demonstraria apenas que somos um povo ressentido que, ao não vencer, prefere que o irmão também perca.

Do outro lado, enfrentará um time oriundo de um país com tradição colonial, mas que incorporou ao seu time jogadores de origens diversas, como o craque Mbappé, filho de um camaronês e uma argelina – africanos – o que ajudou a dinamizar o futebol francês. É como se houvesse um processo que aliou a técnica de atletas de origem imigrante com o apuro tático europeu.  Aliás, mais da metade da equipe francesa era composta por descendentes de países colonizados ao final do jogo contra Marrocos. Eu acredito imensamente na assimilação cultural como saída para a convivência entre os povos. Seja pelo Esporte, pela Arte, pela criatividade, enfim.

Ainda que na Argentina o perfil racial seja menos ou quase nada misturado, como um ou outro de origem originária, torcerei pela agremiação sul-americana. Porém, como aconteceu quando a seleção brasileira jogou, não investirei minha emoção fátua na vitória de qualquer um dos dois. Serei um privilegiado expectador do drama. Ao final de tudo, tudo é uma questão de mérito prático – quem fizer mais gols, vencerá – e a minha vida não mudará por causa disso.

Horizontes

Escuridão

passeio os olhos por onde já passei

longe os caminhos

longos os desalinhos

largos os desatinos

crimes na boca da noite

beijos roubados

corações desarvorados

feito árvores desbastadas

pássaros sem os seus ninhos

deserto em planos sequenciais

serras peladas de onde o ouro foi levado

o olhar até o limite que a curva faz

a luz a derrapar e fugir em que jaz

espíritos em busca de paz

na dissonância de línguas caladas

no silêncio de peles escamadas

na separação de corpos cansados

perdidos de si no ponto cego

do horizonte que se veste de escuridão.

Sorriso

o sorriso lateral da tarde

me emudece, mas não me cega

pergunto à quase noite

porque sorri

responde que venceu o dia

e deitará a cabeça

para além da curva do rio

luminoso

no colo do sol em novo romance

olho para o horizonte

cada vez mais escuro

e me sinto o momento que fica

eterno

em sua finitude…

Fim De Festa

O clima de “fim de festa” impera entre os perdedores. Muitos, dopados pela alegria que alcança os seus picos com a valiosa ajuda de aditivos e vontade de ultrapassar limites. Após a terceira dose, qualquer banda “meia-boca” se torna a melhor, não importando as “bolas nas traves” de instrumentistas e cantores. Qualquer bandeja que cai dos braços dos garçons é motivo para dançar. As mulheres substituem os saltos-altos pelos chinelos ou pés descalços. Os homens, arrancam as gravatas, as camisas abrem os peitos, as retiram das calças. Beijos entre desconhecidos de minutos antes são trocados. Todos estão irmanados na sensação de felicidade baseada na possibilidade de eterno gozo. Porém, vivemos na Terra, na realidade transitória deste plano – típica do próprio planeta – que um dia será engolido pela explosão do Sol.

A operação de rescaldo é realizada por aqueles que não participam do evento como convidados, a não ser para servir a ela. Os músicos guardam os instrumentos, os técnicos desmontam o equipamento de som e iluminação. Os garçons recolhem pratos, talheres, os restos alimentares e os conduzem para a cozinha onde serão lavados e guardados. Logo mais, haverá outro processo de catarse – para o “bem” ou para o “mal” – sempre haverá registros dos quais muitos se ressentirão, quando a intenção seria o de festejar. Aliás, a depender dos que estavam festejando antes do tempo, ao perceberem que terão “contas a pagar” após o encerramento do furdunço, o arrependimento bate fundo…  Se não, será o momento das explicações. Que as aceitem quem o quiser. São lobos que ao perderem os dentes, virão outros a substituírem.

As repercussões duram o tempo que merecem durar. Sempre haverá outra festa, incluindo àquelas que são feitas para desviar a atenção sobre a maior delas. Vida que segue, a ressaca moral só ocorre quando o coração se faz presente. Incluindo a aqueles de certa maneira decidimos não gostar. Se for para errar, que seja pelo coração. A decepção normalmente é do tamanho da expectativa. Quanto maior uma, maior a outra. A narrativa dos participantes é validada por “torcedores” de seus emissores. Aliás, a “verdade” dos fatos depende muito de quem os narra. Da carga de prestígio do narrador infere-se a veracidade.

Porém, é comum que os bons mentirosos se sobressaiam em protagonismo, acostumados que estão ao exercício da vivência pela baseada na ficção. De fato, os fãs esperam ávidos a nova mentira que será proferida, principalmente porque se alinham ao que pensam, não importando que tenham base nos acontecimentos obviamente expostos. É o famoso “me engana, que eu gosto”. Fim de festa, enfim, nunca será o fim. Isso, quando sabemos que festas são feitas para acabar…

Foto por Kindel Media em Pexels.com

Vou Pela Sombra

Dezembro caminha para cumprir o seu primeiro terço. Manhã quente, Sol pleno, o meu corpo jogado à rua, pede: “vá pela sombra”. Manhã de dia do jogo da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo. A nação veste verde e amarelo, azul, de vez em quando, se esquecendo do necessário branco. As moças ousam em vestimentas diminutas – revivendo um Carnaval de final de ano. A confiança é que o time vença como venceu a Coréia do Sul. Eu duvido. De certo modo, torcer é distorcer a realidade, os dados materiais, as perspectivas cabíveis.

A Croácia, o adversário, é o atual vice-campeão de futebol. Mais cerebral e taticamente bem treinada, está acostumada a enfrentar conjuntos mais habilidosos. Tem Modric, um real camisa 10, dos antigos, considerado um dos melhores do mundo. Um só jogador não faz diferença até… surgir uma oportunidade para decidir. Basta um lance. Jogar por uma bola é a estratégia de muitos. E ao final, nem é preciso vencer no tempo normal da partida. Após a possível prorrogação, poderá sobrevir a chamada loteria das penalidades máximas, fazendo com que o resultado esperado não ocorra. A Espanha “foi para a casa” dessa forma, diante de Marrocos.

No supermercado, as pessoas se abastecem para comemorar uma possível vitória. Eu apenas compro itens para fazer o almoço e o café da tarde. Ao passar pela caixa, constato o preço alto das mercadorias. Em tom de brincadeira chego a perguntar se caso a Seleção Brasileira vencer, o custo de vida baixará. A moça do caixa parece sorrir com o olhar. Usa máscara – em tempos de alta de vítimas da Covid-19 – num país que vive o drama da vida (e morte) real.

Volto para a casa, parto um pedaço de pão e alimento um cachorro de rua. Relembro os meus tempos de menino-torcedor que sofria e chorava como se um ente querido partisse a cada derrota. Mais maduro, voltando o meu olhar para as coisas mais “palpáveis” – as invisíveis – comecei a me guiar pela senda do autoconhecimento, um sentido sem volta. As circunstâncias externas, principalmente as que não podemos controlar, deixaram de ter importância.

Os comentários que utilizamos “se fizéssemos isso”, “se fizéssemos aquilo”, quando algo de ruim acontece deixou de ser o caminho para explicar a minha vida. Tornou-se apenas um mote para as minhas histórias. Os textos que produzo brincam com as possibilidades. Talvez sirvam um tanto como sublimação e muito como compreensão do transitório, na tentativa de superá-lo. Esta crônica publicarei depois do jogo. Não colocarei o resultado. Não importa. A vitória ou a derrota não evitarão que o combustível suba por conta da Guerra da Ucrânia, em que ninguém ganha. A vida tem sempre razão.