BEDA / Bárbara

Bárbara era Bárbara…
Já devia desconfiar que barbarizasse
a minha vida.
Eu, feito o Império Romano,
me supunha inexpugnável.
Mas bastou que os seus olhos
me invadissem o espírito,
para me desestruturar o corpo e a mente.
As minhas defesas desarranjadas
cederam aos seus incríveis movimentos
no palco de guerra.
Não esperava que passadas tão simples,
avanços coreografados quadro a quadro
fossem sinônimos de requintada arte
de vencer obstáculos construídos
com esmero durante uma existência inteira —
de forma morna, segura, seca, estéril…
Meus toscos soldados da moralidade
caíram feito moscas, um a um.
Subjugado, tanto quanto seduzido,
sabia que a minha dolorosa prisão
um dia acabaria com gosto de retorno
sempre possível-impossível ao cativeiro.
A guerra tem esses altos e baixos,
entradas e saídas…
derramamento de sangue, suor, lágrimas,
o suficiente para baixá-los
e observar por onde eu piso…
Se voltar a reerguer as minhas defesas,
já saberei que neste deserto,
quanto menor o invasor
mais hábil a sua ação…
Mas não há mais tempo, tempo meu…
Não amaldiçoo o momento
em que me rendi,
nem as batalhas que sentia perder
a cada vez que venci.
Nunca me senti tão vivo enquanto morria…

Poema participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

BEDA / Grandeza

O que seria surpresa, neste mundo de meu Deus?
Talvez encontrar a grandeza do sonho de Caieiro adormecido.
Poder ser e desejar não ser ainda que seja livre por não querer.
Voar por poder, mas em negação servir ao que rasteja.
Libertar-se da prisão cantando a lembrança do caminho perdido.

Poema participante do BEDA: Blog Every Day August, derivado de outro poema encontrado perdido de Alberto Caieiro, heterônomo de Fernando Pessoa. Estava num papel de pão.

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

BEDA / Descascando Cebola

Desde que acordei hoje, um tanto tarde, apesar da noite bem dormida, levantei meio melancólico. Estava feliz pelo trabalho no dia anterior que, apesar do frio de 11º C, chuva fina constante e correria, foi a contento. Abri a janela e o ar frio persistia em marcar a sua presença desproporcional, ainda que estejamos no inverno. Desci para tomar café — o dia não começa sem que o café me aqueça —, fui ao jardim conversar com as plantas, o que sempre me faz bem. Elas se deixaram fotografar.

Como já era tarde, fui preparar o almoço. Aproveitei que estava descascando cebola e misturei as lágrimas provocadas pelos compostos sulfurados, que se transformam em gases e irritam os olhos, com algumas verdadeiras. Aconteceu sem mais nem menos. Ou, antes, pela constante falta que sinto de algo indefinível. Ou até que escondo de mim mesmo dar a conhecer. Foram lágrimas que não precisava justificar, enquanto limpava a minha mente de coisas pesadas que repercutem em redes sociais, sem que queiramos ver, mas acabam rebatidas em imagens externas que invadem a nossa existência.

Preferi fazer uma postagem para deixar registrada a simplicidade de um dia de descanso com as minhas próprias imagens. Sempre com a participação de meus companheiros. Não é um descanso comum. O meu tempo não é tão livre, já que com textos a entregar, tenho que produzir. Mesmo que sofra para que uma escrita seja forjada, porque escrever mobiliza recursos pessoais que nos incomoda. Ao fim, pode se tornar uma “prisão prazerosa” para quem quer se entender livre.

Texto participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

BEDA / Brisa Vento Ventania

quando percebi a brisa se aproximar
tocando arvoredos balançando folhas
beijando flores espalhando perfumes
vi que inspirava gentes expirava beleza
ainda bem que meus versos não buscam rimar
e já há algum tempo decidi não mais remar
ao contrário da correnteza
deixei a janela aberta
entraram vento ventania raios solares
derrubaram prateleiras venceram patamares
queimou a minha pele com sopros flamejantes
tornou significados ocultos em claros significantes
acrescentou desejares subverteu pareceres
mostrou que eu queria o que não imaginava querer
como advogar inocência se perdi por vontade o senso?
agora ouço estrelas mergulho em águas profundas
sem tanques de oxigênio para respirar um hiato
sinto o meu coração bater fora do peito
os meus olhos não enxergam o horizonte imediato
suspira por um futuro do pretérito imperfeito
saudade de algo que de acontecer não tem jeito
mas vivo o desejo que me consome
e essa falta também é viver
talvez a faceta mais intensa do meu ser.

Foto por Harrison Haines em Pexels.com

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi