Vivemos pelos ponteiros do relógio… Ainda que sejam digitais, aparelhos nos apontam o tempo que com suas digitais marcam a nossa pele. Eu não vivo aqui. Vivo agora. O marcador do tempo determina o valor? Se durou pouco, é paixão? Se perdura, é amor? Sabemos — quanto mais tempo dura, maior a chance de frustração. Amantes em série preferem o momento violento e fugaz ao gostar longo e em paz… Amar deveria permitir se apaixonar pela mesma pessoa, sempre. E estar permanentemente apaixonado pelo ato de amar. Cinco, quinze, trinta anos… Creio que possamos amar apaixonadamente as diversas pessoas que são a mesma pessoa numa única relação, que é única por ser preciosa. Se for outro o caminho, que ao final de tudo, não falte, ao menos, carinho…
Encontro de artistas da palavra e outras mídias em evento da Scenarium na Casa Laranja.
Esta mensagem se dirige especialmente aos meus amigos artistas — da música, da dança, das artes plásticas, do teatro, do audiovisual e, mais próximos do meu ofício de prazer, aos da palavra. Mas também poderá ser estendida a todos os brasileiros — artistas da sobrevivência diária — sucessivamente fustigados por ações de governantes ineptos, independentemente de orientações políticas.
Vivemos uma época inédita para a maioria de nós. Sobreviventes de outas experiências planetárias extremas, como a Segunda Guerra Mundial, são poucos. Desde então, passamos por situações limítrofes em doses parciais como se fossem pílulas amargas do sistema para nos condicionarmos a ele — violência, abusos, achaques, imposições absurdas.
A vida por si só não basta. Não basta acordarmos e sentirmos que estamos vivos ao toque de nossos dedos na pele, ainda que sorrir por isso não seria um desperdício. Como não basta amar. Temos que cantar-contar-pintar-interpretar o amor e a vida. Não vejo como as expressões da alma humana não estejam intrinsecamente ligadas a viver e a amar.
Porém, sabemos que viver e amar não acontecem sem a contrapartida — a morte, a dor e o esquecimento. Criamos formas diversificadas de mostrar o reverso da medalha para reafirmar a grandeza de existirmos. A Arte tem o poder de elevar a nossa consciência para além dos limites do nosso corpo e mente. Passamos a ter a sensação de participar de um maravilhoso concerto-peça-evento universal.
Ao estarmos no mundo — nosso palco — obedecemos a certas regras estruturais. O artista as subverte para criar uma expansão em que cabe outra natureza de ser. O artista intermedia a mensagem que anuncia: somos maiores do que pensamos. Através do corpo-voz-músculos-mãos-olhos-expressões demonstramos a nossa natureza sublime. Não há lugar na face da Terra onde o ser humano não tenha utilizado da arte como expressão de viver. Pinturas rupestres encontradas em cavernas-habitações há milhares de anos sublinham com tinta e sangue a necessidade que temos de ultrapassar a nossa condição primordial de simples animais mortais.
Por tudo isso e muito mais, pergunto: ainda que você — artista e criador — defenda as ideias professadas por mensageiros anticientíficos, colocaria o seu corpo-voz-meio-de-expressão à prova para corroborar que estejam certos quanto a oposição à Quarentena? Reuniria um grupo numeroso de pessoas para festejar a vida ainda que pudesse vir a perdê-la logo depois? Correria o risco de levar para sua casa um vírus que infectaria seu pai, sua mãe, irmãos, marido, esposa e filhos? Colocaria em perigo sua voz, seus pulmões, seus olhos, suas pernas, pés e mãos porque desacredita dos noticiários vindos de todos os cantos do planeta, alegando se tratar de um plano urdido nos confins da China para derrubar o atual governo central?
Porque amo a Arte e os artistas com os quais trabalho e convivo, que expressam com talento a vocação de criadores que os tornam tão diferentes da maioria das outras pessoas, peço: resistam à tentação de seguirem à horda de celerados que, aliás, odeiam a arte e aqueles que a operam, impingindo-nos a tarja preta de trabalhadores de atividades não essenciais. Vide o corte de projetos de incentivo à cultura e à pesquisa científica, igualmente conectada ao saber e ao cultivo do conhecimento — o que causa horror aos práticos que preconizam a planície terrena como fato indiscutível.
Ainda que nossas necessidades pessoais imediatas não estejam sendo atendidas momentaneamente; por sermos cidadãos especiais que contribuem para o bem estar social através de nossas intervenções; por estimularmos a pensar e a sentir para além do que seja comum, reflitamos: devemos seguir cegamente a quem não se diz coveiro, mas vive a enterrar o bom senso? O que peço é paciência e a prática da ciência da paz. Estou parado, como a maioria de vocês, aguardando o momento de reencontrá-los bem, saudáveis, para celebrarmos com paixão, profissionalismo e alegria — a vida e o amor.
*Texto de Abril de 2020, em que a vacina era apenas uma possibilidade imponderável e contávamos apenas com o distanciamento social e o uso de máscaras para conter a propagação do vírus da SARS-COV-2. Atualmente, a vacinação é lenta, abaixo do minimamente desejável, há o surgimento de variantes da Covid-19, mostrando que o absurdo plano do Governo Federal de adquirir a chamada “imunidade de rebanho” por contaminação de 70% da população era impraticável. Principalmente porque, para isso, a 3% de óbitos dos contaminados, veríamos morrer mais de 5 milhões de pessoas para que alcançássemos “êxito”. Isso, se desconsiderássemos que estando o mundo interligado, só haveria segurança total quando a ampla maioria da população mundial estivesse imunizada. Demonstração cabal de que os habitantes do planeta Terra são interdependentes.
Quem ama de paixão, sabe — antes de morrermos mil vezes — nos despedaçamos dez vezes mil… Quem permanece intacto em uma relação — sem perceber a falta de algum pedaço — não está a amar…
Cabeça, tronco e membros — nada escapa à desconstrução de nosso ser… Quando amamos, quem nos vê caminhar pelos lugares, apenas se ilude que ali se move alguém integral — a respiração foge dos pulmões ou falta o coração — que bate em outro peito…
Tocados pelo outro, enquanto o sangue circula fora do corpo, os olhos se perdem em cada nuvem que passa e as pernas seguem por ruas pelas quais passeiam o ser amado…
No auge da paixão é doloroso amar, porque não estamos onde estamos… Desconcentrados de nós, variamos de senso, contrariamos o consenso, o equilíbrio é penso, o desejo é imenso de estar no outro, com o outro, pelo outro, pelo com pelo peles unidas…
Quando nos perdemos em nós, destroçados e trocados de corpos e mentes, ganhamos todo o Universo — o Inferno e o Céu — destino incerto, a terminarmos como solitárias moléculas dementes ou a renascermos amorosas sementes…
Por uma última vez, peço mais uma primeira vez voltar ao centro do mundo… Ainda que o nosso mundo se restrinja ao quarto de um quarto de um quarto de uma casa sem paredes, no canto de nossas mentes, para onde fugimos no último quarto de um eterno minuto…
Quero você, ainda que neurastênica, irritada e irritante, misofônica e barulhenta, inconstante e desesperada por amor sem pudor, que tento recusar por temor de me perder de mim para sempre.
Mas que adianta me preservar, se sem você sou menos do que um logro que se esconde sob a fama de louco? Por que me recusar a amar profundamente se o pouco que me resta é menos do que um pouco?
Temos outros em nossas vidas, mas a história de cada um de nós dois não importa se nela não tiver nós dois… Quero uma última primeira vez… Quero que me dê e se dê, que se doe a quem se doará por inteiro ainda que doa, porque doerá. Sei que não sobreviverei, mas antes morrer de amor, que é melhor do que morrer — é viver por um instante que seja o que importa viver…
Michelle Pfeiffer (Lea De Lonval) & Rupert Friend (Chéri), em Chéri, de Stephen Frears
Eu era moço Ela, uma senhora E senhora de si Se enamorou de mim… Logo, me buscou E, nela, me encontrei E com ela aprendi a ser Senhor de mim…
Aprendi a abrir portas A usar a língua Para falar e amar Aprendi a amá-la…
E, através dela Amei a todas as mulheres Amei as feias e as belas As fortes e as frágeis As boas e as más As sãs e as loucas Amei muitas e muito Todas, nela…
Certo dia, ela me deixou Sentiu que fosse a hora Porém, nunca saiu de mim Ela me fez um homem Que ama mulheres Que ama amá-las Que a ama eternamente Nelas…