![Nada Como Eu](https://obduliono.blog/wp-content/uploads/2020/06/nada-como-eu.jpg?w=775)
Ana, sentada à mesa do restaurante, mexia distraidamente a colher em sua xícara de café. Fazia movimentos circulares de forma calma e complacente. Quando ergueu os olhos, avistou diante de si, Carlos, que se aproximara bem lentamente de sua mesa. Ao vê-lo, Ana sorriu de maneira enigmática, sem estabelecer se estava contente ou insatisfeita com a aparição inesperada do seu ex. Ainda com um sorriso indecifrável, pediu para Carlos se sentar. Agora, diante de si, estava aquele que a fizera chorar de raiva por algum tempo, desde que descobrira a sua lista de amantes, a começar por sua (agora também ex) melhor amiga.
Lembrou-se que parou de chorar quando notou que sentira um tipo de raiva diferente do que aquela que consideraria ser natural sentir por alguém que amasse verdadeiramente. Passou por um período de introspecção que a fizera perceber que o que sentia por Carlos era uma espécie de amor acomodado, uma amizade recheada de sexo eventual e nem sempre satisfatório. Dessa forma, mesmo sem o dizer explicitamente, o perdoara e também à sua amiga. Em verdade, passou a sentir que os dois haviam feito um favor a ela. Mas também esse dado não o revelara a ninguém. De fato, era a primeira vez que se encontravam depois do ocorrido. Todas as questões práticas da separação foram tratadas por advogados. Os dois não quiseram ter contato direto por algum tempo – ela, devido ao sentimento de ira, que não queria ver contaminar a relação dele com o casal de filhos adolescentes – e ele, pela vergonha de ter sido flagrado.
Sempre que chegava a ocasião da visita do pai aos filhos, Ana evitava encontrá-lo e Carlos, até então, havia respeitado a observação desse distanciamento. No entanto, como passara em frente daquele restaurante e tivesse percebido através da ampla janela a presença do rosto familiar junto a uma mesa de canto, estancara os seus passos por um instante e se flagrou surpreso de como a achou bonita com aquele semi-sorriso que pendia de sua boca. Parecia denunciar a expressão de uma pessoa que se sentia em paz, relaxada e até mesmo, ele pensou, satisfeita. Sentiu-se um pouco incomodado com a sua impressão e de impulso decidiu se aproximar para perguntar como ela estava. Logo que se sentou, foi o que fez.
– Estou bem! E você?
– Bem, também… Tem feito alguma coisa diferente, além do trabalho?
– Nada! Como um dia depois do outro no tempo em que vivíamos juntos…
– Você me parece estar tranquila e até feliz… Tem alguém especial em sua vida, atualmente?
– Que nada! Como um cara diferente depois do outro, mas não todos os dias…
Carlos ficou espantado diante dessa afirmação, principalmente pelo fato de que ela tivesse sido feita de forma tão natural e franca. Por seu tom de voz, Ana não pareceu querer ofendê-lo. Apenas ampliou o sorriso.
– Então, tá! Que bom que está bem! Adeus…
– Tchau! – respondeu Ana, vendo Carlos sair sem olhar para trás, enquanto ela fazia cumprir mais uma volta da colher em sua xícara de café. Como a dialogar com ela, exclamou em voz alta:
– Nada como um dia depois do outro…
*Texto de 2012, já lançado em uma das Revistas Plural, da Scenarium Plural – Livros Artesanais