24 / 04 / 2025 / BEDA / Refugiado*

O meu lugar de refúgio preferido era o galinheiro, onde ficava muito tempo a observar o movimento desses seres que passei a admirar muito mais quando os descobri descendentes de dinossauros — as galinhas. No início, escolhia um ponto equidistante para que pudesse apreciar seus movimentos, além de pintinhos e galos, sem assustá-los. Quer dizer, um galo e jovens frangos que logo deixariam o ambiente para impedir que entrassem em luta com o pai pelo comando da galinhada. Sempre desconfiados, os galos não se deixavam tocar, mas com o tempo algumas galinhas começavam a se aproximar justamente para receberem um carinho nas diminutas cabeças. O que ocorria quando colocava ração e quirela nos comedouros. Uma parte que especialmente me divertia era quando as soltava para o quintal mais amplo. Elas saíam em desabada e desconexa carreira, como se fossem adentrar ao paraíso. Era algo frequente, mas sim quando precisávamos que os matinhos que cresciam fossem aparados.

Em certa época também passamos a criar patos. A pataquada tinha um comportamento diverso, mais arredio. Ver os patinhos entrarem na piscininha improvisada com bacia que coloquei no terreno me divertia. Ajudei a nascer diversos pintinhos e patinhos. Só intervinha quando os bichinhos demoravam um pouco demais na quebra das cascas. Muitas vezes, quando percebia que uma galinha sumia, procurava esconderijos em lugares insuspeitos até descobrir ninhos de dez a quatorze ovos sendo chocados há dias suficientes para que não servissem mais ao consumo. A espera para a eclosão dos pintos eu verificava cotidianamente. A evolução da choca era uma tarefa que me entretinha. Pedia licença à mãe para verificar como estavam os ovos, ao qual ela normalmente respondia com um típico som de reclamação. Aliás, através da minha experiência com as galinhas e patos, passei a distinguir as suas várias formas de expressão.

Os galináceos são aves que normalmente não voam ou têm voo curto, a não ser que deixemos que lhe cresçam as asas, às quais cortava com todo o cuidado para atingir apenas as penas. Aos dezesseis para dezessete anos, me tornei abstêmio de carne. A primeira que deixei de comer foi justamente a de galinha. Uma homenagem tardia àquelas que foram tão importantes na minha infância e adolescência. Com a criação delas, sobrevivemos graças aos ovos, além da venda para consumo de sua carne. Houve um período em que eu pensei ser granjeiro ou dono de sítio com pequenas produções de alfaces hidropônicas, bichos da seda, com a produção de energia através de biodigestores. Comprava edições com novidades da produção rural e mantive esse desejo durante anos. Enfim, o menino da cidade, acabou por vencer o imaginário homem do campo.

*Esses momentos de refugiado do mundo normal me foi despertado pelo belo texto de Lunna GuedesUm antigo esconderijo. Quando a resposta começou a ficar longa demais, decidi colocá-lo neste formato.

Foto por Brett Jordan em Pexels.com

Amigos De Penas*

Tempos de secura e, segundo soube, condição que pode afetar a produção de ovos, explicaria a razão de que há mais de uma semana eu não ter encontrado um ovo sequer no ninho “oficial”.

Em outra ocasião, as Kardashians escolheram um recanto menos óbvio, em meio a um monte de gravetos e folhas resultantes de podas, para botarem. Só percebi quando vi uma delas, a Kendall, saindo do buraco que mostrava o casulo onde estavam depositados alguns ovos. Dessa vez, após procurar por todos os cantos, nada de encontrar um suposto esconderijo.

Eu fui granjeiro quando menino. Eu ajudava a minha mãe, que passou a criar galinhas para sustentar a casa na ausência do meu pai. Morava na casa ao lado, que hoje é da minha irmã. Quando o terreno que ocupo foi comprado e doado para nós por minha avó, transferimos a criação para cá, voltada a maior parte para a venda de galinhas e frangos.

Naquela época um tanto precária, os galinheiros eram improvisados e os animais viviam soltos. A produção de ovos caipiras garantia que tivéssemos algum alimento quando botavam. O que nem sempre acontecia. Era normal o plantel envelhecer (algumas galinhas se tornavam minhas amigas e ganhavam nomes próprios) ou por alimentação deficiente, resultado da falta de dinheiro para comprar milho. Com ele, eu fazia quirela para os animais mais novos com um velho moedor.

Além disso, os ninhos que montávamos nem sempre eram apreciados e simplesmente não encontrávamos os que as “meninas” faziam. O mais chato é que, sendo uma área quase rural — cinquenta anos antes — outros bichos também se interessavam por “nossos ovos”. Além de ratazanas, havia a Fofinha. A esperta cachorrinha conseguia fazer um buraquinho e chupava o conteúdo dos ovos, deixando a casca praticamente intacta. Durante muito tempo achávamos que fossem cobras as responsáveis…

Vez ou outra, achava os esconderijos. De início, não pegava os ovos. Ficava à espreita para saber se estavam sendo chocados. Se não, os recolhia. Não era incomum vermos ressurgir galinhas sumidas com pintinhos atrás de si em sinfonia de pios. Buscavam a proteção da comunidade e do galo. Para não haver confusão e brigas, mantínhamos apenas um. Garbo, tamanho, força e comportamento protetivo nos davam as pistas para referendarmos o escolhido.

As minhas filhas querem filhotinhos das Kardashians e talvez não quisessem que eu encontrasse o esconderijo das galinhas garnisés. Mas hoje me surpreendi por vê-lo escondido embaixo do galinheiro que fica um metro acima do solo. Elton John já demonstrou ser um bom galinho, dedicado a Kim, Kendall e Kylie. Ajudaria a cuidar dos pintinhos.

Mas ainda não tenho certeza de que seja o momento. Recolhi as quase uma dúzia e meia de ovos quase irmãmente divididas — seis de cada uma. Eu os reconheço por terem cores diferentes. Os da Kim são azuis; os das Kendall são amarelos escuros e os da Kylie, claros.

A atual comunidade apresenta bichinhos de personalidades diferentes para quem sabe observar. Quando garoto, ficava muito tempo olhando o comportamento da criação e algumas galinhas se acostumavam tanto com a minha presença que ficavam menos assustadiças. Os frangos e galos mantinham a distância de machos que têm como prorrogativa desconfiarem de tudo e se manterem alerta, assim como o Elton John o faz.

A Kim é a mais confiante e curiosa, a ponto de não se assustar comigo e de ter saltado para fora do perímetro do galinheiro, ficando à mercê das cachorras. Tive que cortar metade de uma de suas asas. A Kendall é impetuosa e logo que chegou, escapou para a rua. A Kylie é a mais nova e ainda tem a personalidade em formação, se adaptando às outras. No futuro, é bem possível que tenhamos pintinhos as acompanhando. Aguardemos…

*Texto de Julho de 2021

Postscriptum: Após uma temporada de dois anos, Elton John & Kardashians se mudaram para dois sítios. Elton John e Kim, voltaram para a mesma cidade de onde veio – Arrozal / RJ -, mas em outro lugar, mais espaçoso. Kylie e Kendall foram para o interior de São PauloSalesópolis – onde botaram muitos ovos, acabando por gerar muitos pintinhos. O espaço que temos é um em que a Tânia está montando um jardim. E galinhas, como sabemos, são os modernos dinossauros, devastando qualquer verdinho que se apresenta. No final, foi uma bela experiência reviver meus tempos de jovem granjeiro.

Amigos De Penas

Ovos das garnisés Kim, Kendall e Kylie

Tempos de secura e, segundo soube, condição que pode afetar a produção de ovos, explicaria a razão de que há mais de uma semana eu não ter encontrado um ovo sequer no ninho “oficial”.

Em outra ocasião, as Kardashians escolheram um recanto menos óbvio, em meio a um monte de gravetos e folhas resultantes de podas, para botarem. Só percebi quando vi uma delas, a Kendall, saindo do buraco que mostrava o casulo onde estavam depositados alguns ovos. Dessa vez, após procurar por todos os cantos, nada de encontrar um suposto esconderijo.

Eu fui granjeiro quando menino. Eu ajudava a minha mãe, que passou a criar galinhas para sustentar a casa na ausência do meu pai. Morava na casa ao lado, que hoje é da minha irmã. Quando o terreno que ocupo foi comprado e doado para nós por minha avó, transferimos a criação para cá, voltada a maior parte para a venda de galinhas e frangos.

Naquela época um tanto precária, os galinheiros eram improvisados e os animais viviam soltos. A produção de ovos caipiras garantia que tivéssemos algum alimento quando botavam. O que nem sempre acontecia. Era normal o plantel envelhecer (algumas galinhas se tornavam minhas amigas e ganhavam nomes próprios) ou por alimentação deficiente, resultado da falta de dinheiro para comprar milho. Com ele, eu fazia quirela para os animais mais novos com um velho moedor.

Além disso, os ninhos que montávamos nem sempre eram apreciados e simplesmente não encontrávamos os que as “meninas” faziam.   O mais chato é que, sendo uma área quase rural — cinquenta anos antes outros bichos também se interessavam por “nossos ovos”. Além de ratazanas, havia a Fofinha. A esperta cachorrinha conseguia fazer um buraquinho e chupava o conteúdo dos ovos, deixando a casca praticamente intacta. Durante muito tempo achávamos que fossem cobras…

Vez ou outra, achava os esconderijos. De início, não pegava os ovos. Ficava à espreita para saber se estavam sendo chocados. Se não, os recolhia. Não era incomum vermos ressurgir galinhas sumidas com pintinhos atrás de si em sinfonia de pios. Buscavam a proteção da comunidade e do galo. Para não haver confusão e brigas, mantínhamos apenas um. Garbo, tamanho, força e comportamento protetivo nos davam as pistas para referendarmos o escolhido.

As minhas filhas querem filhotinhos das Kardashians e talvez não quisessem que eu encontrasse o esconderijo das galinhas garnisés. Mas hoje me surpreendi por vê-lo escondido embaixo do galinheiro que fica um metro acima do solo. Elton John já demonstrou ser um bom galinho, dedicado a Kim, Kendall e Kylie. Ajudaria a cuidar dos pintinhos.

Mas ainda não tenho certeza de que seja o momento. Recolhi as quase uma dúzia e meia de ovos quase irmãmente divididas — seis de cada uma. Eu os reconheço por terem cores diferentes. Os da Kim são azuis; os das Kendall são amarelos escuros e os da Kylie, claros.

A atual comunidade apresenta bichinhos de personalidades diferentes para quem sabe observar. Quando garoto, ficava muito tempo olhando o comportamento da criação e algumas galinhas se acostumavam tanto com a minha presença que ficavam menos assustadiças. Os frangos e galos mantinham a distância de machos que têm como prorrogativa desconfiarem de tudo e se manterem alerta, assim como o Elton John o faz.

A Kim é a mais confiante e curiosa, a ponto de não se assustar comigo e de ter saltado para fora do perímetro do galinheiro, ficando à mercê das cachorras. Tive que cortar metade de uma de suas asas. A Kendall é impetuosa e logo que chegou, escapou para a rua. A Kylie é a mais nova e ainda tem a personalidade em formação, se adaptando às outras. No futuro, é bem possível que tenhamos pintinhos as acompanhando. Aguardemos…

Maratona De Outubro| Vivo Em Um Livro…

Reinações
Sobre outro reino…

… mas talvez quisesse viver em outro – Reinações de Narizinho. Parece que nossas primeiras leituras são as mais importantes, a ponto de se tornarem eternas. Como uma casa na qual vivemos e voltamos a visitar, a caminhar por cada canto e recanto. Porém há o perigo de não a reconhecermos. A casa continua a mesma. Mudamos nós. Naquela sala do velho relógio e espelho manchado, talvez não consigamos sentir a mesma emoção ao ouvir as badaladas ou reconheceremos a face do menino.

Com o livro de Monteiro Lobato, penetrei em um mundo mágico, similar ao que, em minha solidão de criança, vivia. Foi fácil penetrar no Reino das Águas Claras, reverenciar o Príncipe Escamado, conversar com Emília, consultar o Doutor Caramujo. Minha mãe criava galinhas caipiras. Passava parte do dia a cuidar delas, depois da escola. Conversava com as plumadas com sons que entendiam e interagia com os pintinhos. Fazia coleção de penas que caíam aqui e ali, no quintal. Entendia cachorros e gatos com o olhar – Gita, Tarzan e Cloé me acompanham até hoje, quase meio século depois.

Com pai ausente e mãe a se desdobrar para cobrir as despesas cotidianas, puxar água do poço era apenas mais uma aventura de herói japonês. Inconsequentemente, me pendurava na beira da laje como se fosse um perigoso penhasco, em busca de uma recompensa invisível. Moer milho para fazer quirela para os frangos, minha contribuição para os meus companheiros. Mamãe vendia os ovos e, eventualmente, alguns membros da criação. Agora, ao lembrar disso, não sei dizer como suportava a contradição de tratá-los como iguais e vê-los partir para um incógnito paradeiro, mas destino conhecido…

Conforme os anos foram se sucedendo, comecei a querer penetrar cada vez mais em leituras sérias. Meu encantamento com as coisas mais simples da vida foi cedendo campo a participação nos jogos dos adultos e suas relações fátuas. A predileção por finais abertos ou infelizes aumentou. Imaginei que a vida fosse exatamente assim. Quis fugir para outro mundo e diria que consegui. A solidão humana, mas povoada de amizades diretas com os animais, no entanto se aprofundou. Quando estava ficando quase insuportável conviver comigo mesmo, consegui iniciar escrever outras linhas, ler outros livros-pessoas.

Refletindo melhor, percebo afinal que quero terminar de escrever e ler o meu próprio livro, entender as personagens e a história, apesar de tantos entre enredos parecerem inverossímeis. Desejo, do fundo do coração, amar e ser amado por muitas pessoas. Ainda que várias sejam de difícil convivência. Eu as mataria só em último caso. Bloqueá-las talvez seja suficiente. Muitas nos ensinam a compreender a barafunda de estar vivo em um tempo e lugar como este, em que cada um escreve e protagoniza sua própria existência. O fim é comum a todos, já sabemos. Apenas não concebemos como e em que página se dará. Caberá à grande editora decidir…

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes