a mais difícil jornada do conhecimento é conhecer a si mesmo sou um ser curioso quero saber (as versões) de tudo a ideia do que fazem de mim por minhas exterioridades e intimidades estão no plural por sou muitos ao longo dos tempos tanto que muitas vezes não me reconheço ao acordar tento comprovar se estou mesmo lidando comigo ou um outro que se esqueceu de mim apesar de estarmos no mesmo corpo fico espantado com o sol estrelas a lua fico a registrá-los imageticamente a me atrair magneticamente por suas versões ilusórias são meus sóis minhas estrelas luas minhas ideias de mundos não apenas as referências deste que comungamos estamos juntos mas separados nós mesmos mundos estanques saber que somos múltiplos iguais mas diferentes e que o conhecer é um processo infinito de infinitos espaços-tempos e só seremos plenos de conhecer ao nos tornamos igualmente infindos…
Em 2015, registrei no Facebook*: “Resultado após o futebol de sábado — ganhei algumas partidas, perdi outras, fiquei com dores musculares, o cabelo eriçado e um sorriso no rosto!”. Ao observar essa foto percebi o ar de louco, que realmente sou. Não quero parecer que menosprezo a quem realmente sofre de demência que, entre coisas, se isola em seu próprio mundo de certezas.
Diferente desse sintoma alienado, o meu caminho é de incertezas. Mantenho, por outro lado, uma coluna vertebral de parâmetros que me sustenta em pé, não sem sentir muitas dores, verbalizada fisicamente por uma hérnia de disco, entre outros efeitos. Essa é outra forte constante em minha existência material — somatizo o meu sofrimento psicológico mental em episódios que perigosamente já quase me levaram à extinção. De qualquer forma, sou funcional neste mundo de loucuras reproduzidas aos bilhões.
Mantenho uma família, “amigos”, colegas de trabalho e relações interpessoais. Nunca sei como sou visto e quando me descrevem, descreio dessas impressões. Percebo o quando se enganam sobre mim, ao ser contextualizado em relação à minha própria visão. É certo que a minha autocrítica é um tanto ácida. O que não impede que me zangue quando percebem as minhas falhas. Talvez, efeitos do senso de autoproteção. A diferença é que busco atenuar a eventual falha, ainda que de início possa brigar com quem a aponta.
Essa foto, posada, mostra pelo menos uma certeza — não sei sorrir. Eu me lembro que, frequentemente envolto em crises existenciais, não via sentido em sorrir por nada. Não que não o fizesse, mas ocorria de forma episódica e imprevista. Como queria me ver agir de maneira natural… Não que eu fingisse… Apenas não sabia como me colocar diante dos outros. Quando jogava bola, ao contrário, eu sentia me exprimir como se cada movimento fosse necessário e justificado — consequência óbvia das necessidades em realizar o objetivo proposto — fazer o gol ou defender de tomar um. Não jogo mais futebol, apesar de amar a atividade. Mesmo nos sonhos em que jogo bola, sofro por não conseguir sequer chutar a bola.
O que vejo com ironia é que mesmo estando “feliz”, eu não conseguia expressar essa suposta felicidade. Eu sou daqueles que tentam objetivar o momento que passa. Tudo é passageiro, incluindo a nós mesmos. Estabelecida a contradição de tentar segurar a água com as mãos sem vazá-la entre os dedos, como a contrapor a nossa efemeridade, de alguma maneira eu encontro pretextos para torná-la “eterna”.
Sou daqueles que acredita na existência de uma Consciência Universal (que alguns chamariam de Deus). E de que ela guarda absolutamente tudo do que acontece em todos recantos dos muitos universos. Afastada a tese de que não haja prova de sequer ter havido um Big Crunch, esse repositório de sucessos inconsequentes, são consequentes e guardam conexões que talvez nunca venhamos a desvendar, a não ser fora do corpo material. Estando com o olhar de quem observa de fora, talvez tenhamos uma ideia da totalidade da Ideia. Não se esqueçam de que, sendo louco, tenho licença para criar…
*Eu costumo me referenciar a aplicativos como o Facebook, porque sou um historicista. Há coisas que achamos que durarão uma eternidade, sendo que a própria Eternidade possa ser contestada, a depender de qual escola de Física o sujeito pertença. Um dia, acaso alguém venha querer saber o que foi o “Livro de Perfis“, talvez se interesse por esse baú de assuntos tanto menores quanto maiores.
Participamos, todos, de uma grande e louca comédia — eu, você e o melhor de todos—Charles Chaplin.
Ele não estava acostumado a receber presentes. Não sabia responder com o devido entusiasmo que se espera de quem recebe uma boa lembrança, mesmo que fingido. Percebeu isso quando a esposa reclamou que o tênis que lhe dera não havia produzido o efeito desejado por ela. Parecia até ter desdenhado do mimo. Investigou mais a fundo o motivo desse comportamento e se locomoveu pela memória até a infância.
Até mais ou menos os dez anos de idade recebia presentes de Natal da tia, a matriarca da família espanhola que morava em São Paulo. Era casada com um proprietário duma pequena fábrica de produtos automotivos, que morreu quando o menino contava cinco anos. Algumas coisas começaram a mudar pouco a pouco. No Natal de seus onze anos, já não recebia mais presentes, a não ser roupas da prima e da namorada da tia, que vestia indumentárias masculinas, cheio de detalhes — vestimentas dos anos 70.
Criança normalmente não vê roupa como presente, mas segundo a tia, pela idade ele não era mais uma delas. O pai, sempre ausente em nome da Revolução, pela qual um dia foi preso e torturado, assim que saiu da prisão preferiu sair de casa. Quando estava presente, o pendor revolucionário de esquerda o impedia de fomentar o espírito mercantil do Natal, além da desconsideração pela ideia de um Redentor religioso. O pai do então rapazinho cria que a redenção seria feita pela conscientização do povo, mesmo que fosse à ponta de baioneta. A Vanguarda se poria diante da massa comandada para derrubar os militares do poder. O que não deixava de ser uma religião.
Enquanto isso, a massa preferia comemorar o fato de, simplesmente, estar viva, a festejar gostosamente as datas lacaias ao Sistema. Ele se sentia mal por querer ganhar presentes de Natal. Sentia-se traidor da causa e do homem que idolatrava, apesar da sua ausência. Começou a desenvolver certa ojeriza pelas datas eivadas de intenções comerciais, incluindo os seus próprios aniversários que, por falta de condições financeiras, ele não se lembra de ter festejado algum dia.
A sua mãe vivia dizendo que quando ele fizesse quinze anos, teria uma grande festa. O inconformista não entendia da razão da mãe se fixar na quinzena de anos, ainda mais porque não era uma debutante. Mas deixava-a pensar que a queria. Mesmo com a sua pouca idade havia percebido que ela não conseguiria realizá-la. E assim foi.
O rapazinho, a partir dos dezesseis anos, tornou-se vegetariano e adepto de crenças transcendentes e nas datas como aniversários, Natal e Sexta-feira Santa, preferia fazer jejum. De ateísta, tornou-se irritantemente crente na energia que nos rodeia e constitui todas as coisas. O pai, ainda vivo, continuava afastado da família e preferia congregar com os parentes da esposa. Isso não foi muito diferente do que ocorreu com o pai de seu pai que, desde menino, viveu isolado, sem família consanguínea por perto. Nesse aspecto, pai e avô percorreram o mesmo caminho, do qual se desviou, mas os ecos do passado persistiam a reverberar…
Quando alguém se torna uma “Ideia”, como se fosse a perfeita definição de uma ideologia, na verdade incorre-se numa idealização. Normalmente, subjetiva. Qualquer um pode pensar o que quiser sobre essa ideia.
Quando alguém é chamado de Mito, podemos inferir que mito seja uma questão de interpretação, geralmente enganosa. Como o “Mito da Caverna”, de Platão. Nele, a experiência de vida reclusa se confronta com a claridade – um conhecimento novo – que é alcançado quando o sujeito se liberta do claustro. Seria tão fácil se a luz revelasse tudo… A luz também pode ofuscar, a ponto de não percebermos a verdade. É como se o brilho excessivo revelasse algo que está além da capacidade que algumas pessoas têm em enxergar. Há igualmente os cegos por opção ideológica ou incapacidade de percepção por estarem com as costas voltadas para o lado contrário ou porque a mentira lhes convém.
Há, ainda, os que estão a ver o que acontece, das suas possíveis consequências e apenas querem se beneficiar com a miopia ou cegueira coletiva, ao afirmarem que também não estão a ver a realidade ou interpreta-na de forma fantástica. É comum acreditarmos muito mais na mentira elaborada do que na verdade simples. São os recursos dos manipuladores-ilusionistas.
O entendimento da realidade imediata, portanto, acaba por se tornar algo tão pessoal que é comum duas pessoas brigarem por concordarem na essência, mas discordarem quanto à forma. Radicalmente, acho que só nos entendemos convenientemente no escuro, com as bocas abertas e as línguas caladas num beijo…