#Blogvember / O Braço Da Tarde

… levantar cedo e promover andanças por meu tempo de calma (Flávia Côrtes

O braço e a mão da tarde, registro de 2016

Tenho acordado cedo, apesar de estar indo dormir tarde. Mas logo inicio a fazer tarefas deixadas pelo dia anterior e outras que já estavam programadas. É uma rotina que de vez em quando apresenta variações, mas não deixam de ser previsíveis. Parte da manhã tenho costumado escrever. Durante o dia, faço outras coisas e volto a escrever depois da meia-noite, quando a noite normalmente está mais calma. Mas é durante a tarde, que procuro olhar para o horizonte e vivenciar as mudanças de cores e o jogo de impermanências – nuvens, luz e sombra – em movimento.

Algumas vezes, as formações se “humanizam” em figuras de rostos. Pedaços de corpos, pernas, braços, mãos, olhos. Há também os bichinhos – cães, gatos, girafas, elefantes, pássaros, borboletas… até aranhas e formigas. Plantas – árvores, flores – ou seja, o céu habitado por nossa imaginação. Levantar-me cedo e andar por meu tempo de calma não me é permitido. Compenso com as tardes de vacância. Fotografo, faço imagens em série, encontro uma trilha sonora, provoco uma lembrança que reverberará em futuras idades. Como quando surgiu diante de mim braço e mão da tarde crepuscular. Um prémio para o observador tardio.

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

BEDA / Prá Sonhar…

Teve uma forte sensação de vertigem, como se um vale inteiro se abrisse diante de si e ficasse à beira de um precipício, apenas seguro pelas pontas dos pés. Quando a viu pela primeira vez a reconheceu como se sempre a esperasse. Não era somente bonita, mas igualmente intensa e radiante a sua presença. Ele a seguiu com os olhos e percebeu que algo deteve os seus passos, porque ela se voltou em direção aos seus olhos. Ficou estática, se bem que parecesse evoluir em volteios pelo ar e começou a sorrir um sorriso de reconhecimento. Sim! Ali estava a pessoa a qual pertenceria a partir daquele instante em diante, como se antes já soubesse que assim seria. Ela se apartou de seu grupo e ele ficou onde estava, já que cairia se fosse em frente. Logo, estavam juntos. Ele, seguro ao segurar a sua mão, caminhou acima do vale que atravessava a alma. Não duvidou de mais nada, como se o mundo finalmente fizesse sentido. Apenas não compreendia como conseguira respirar até então sem a presença de sua amada. Finalmente, compreendeu que a vida e a morte são irrelevantes fronteiras da existência. Tudo era, apenas e tão somente, amor.

Adriana Aneli Alê Helga – Claudia Leonardi Darlene Regina
Mariana Gouveia – Lunna Guedes / Roseli Pedroso

A Manga Do Monge

Manga do quintal

Ao alcance da minha mão
Entre verdes, uma amarela
Feito um maduro mamão
Não foi preciso sacudidela
Quase repousa, a manga
Entre meus dedos, ao toque
Como estivesse junto à sanga
Apenas experimento o choque
De ser transportado para longe
Para o instante do doce corte
Em que decidi não ser monge
Mas me lambuzar de outra sorte
De vivenciar o gosto da fruta
De arregaçar as mangas
Ter filhas, enfrentar a labuta
Viver a vida, juntar bugigangas
Parece que a cada mordida
A história se repete em ondas
Antigas sensações reacendem
Bons fantasmas fazem suas rondas
Mandam-me lembranças enquanto ascendem…

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Quem Sou Eu?

Quem sou eu 10 A
Sou água…

Reabasteço-me de minha porção…
Envolto em pele,
mergulho em meio translúcido
que sou eu – aquoso.
Dos antigos, elemento fluídico,
separado do tempo sem fim
onde me abrigo,
vou de um ponto ao outro,
através de mim…

Quem sou eu
Sou lunar…

Pode ser a última lua.
A última vez que atua.
Pode ser a sua última noite.
A derradeira hora do açoite.
O último abraço e o colo quente.
O último suspiro e o beijo ardente.
A última chance de perdoar.
A última oportunidade de amar…

 

Quem sou eu 3
Sou um trevo…

Nasci comum –
um trevo de três folhas.
Num caminho feito de escolhas –
concebi ser ínfimo,
verdejar plantinha em pedra dura,
viver da luz que sobrar
e, apesar de menor,
fazer sombra,
escurecer de vida o claro chão…

 

quem sou eu 9
Sou o mar…

Em tempos restritivos ao caminhar, paro.
Vagueio o meu olhar em direção ao oriente.
Testemunho vagas-ondas em direção à areia –
sucessivos abraços da água salgada.
Oceano de represados sentimentos
pisados-fixados no mar em movimento.
Salgo o doce e o bom,
a vida e o dom
de existir.

Quem sou eu 5
Sou pintor…

Corto a minha orelha, mas não deixo de ouvir
o silêncio penetrante que absorve meu ser só…
Como se fora a tela branca-nada,
ainda que pinte o horizonte
em cores e dores.
A ruminar sóis e girassóis,
campos e procelas,
paraliso a mão e músculos.
Amadureço,
em pinceladas,
a morte em crepúsculos.

 

QUEM SOU EU 2
Sou o humano de um cão…

Converso com o meu humano.
Sem saber falar a minha língua, ele sorri.
Ou pede que me cale.
Nunca sei quando o que digo
é importante ou inoportuno.
Eu o amo tanto!
Morro quando parte.
Revivo quando chega.
Saudade eterna
em plena presença.

Ale Helga — Darlene Regina — Mariana GouveiaLunna Guedes

BEDA / Scenarium / O Limoeiro

LIMOEIRO

Ele morreu, o nosso limoeiro-rosa…

É tão estranho vê-lo totalmente ressecado… tentamos salvá-lo logo que percebemos o início de sua partida – podamos os galhos secos, limpamos a área ao seu redor e colocamos adubo orgânico.

A hipótese mais provável de sua decadência gira em torno acidez do cocô dos cachorros. Devido à sua acidez, talvez tenha alterado a boa qualidade do solo. Justamente agora, estamos reformando essa parte do quintal para transformá-lo em um jardim fechado para evitar isso.

O Limoeiro, esse personagem de uns trinta anos, viveu os seus primeiros cinco em um vaso. Ficou preso a ele como um bonsai até que foi transplantado para a terra. Cresceu bastante, mas não tanto. Os seus frutos podiam ser colhidos facilmente, pois ficavam ao alcance da mão.

Não imaginava que essa testemunha de mais de metade da minha vida, partisse assim, simbolicamente, no outono. Bravo como poucos, antes de partir ainda produziu um limãozinho. É como se enviasse um recado agridoce de reafirmação da vida…

A minha homenagem a esse querido amigo natural!

Beda Scenarium