27 / 01 / 2025 / Faz 80 Anos…

O dia 27 de janeiro foi declarado Dia da Memória do Holocausto por uma resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 2005. Nesse dia, em 1945, soldados da União Soviética chegaram ao campo de concentração e trabalhos forçados que acabou por se tornar um símbolo do que um ser humano pode fazer com outro em termos de crueldade e frieza industrial. Sim, porque naquele local foi montada uma indústria de torturas, experiências “científicas” e finalmente, extermínio.

Ao ver os sobreviventes se lembrarem do episódio, não pude conter a emoção e comecei a chorar. Imagens cortadas mostravam as péssimas condições dos cerca de sete mil prisioneiros encontrados ainda “vivos”. Eu me lembro de uma situação relatada por um soldado que disse que ao alimentar as pessoas, muitas passaram mal e morreram. Famélicas que estavam, os seus organismos simplesmente não conseguiam processar os alimentos. Como se estivessem habituadas ao limbo, ao serem trazidas para a vida, morriam.

Os poucos sobreviventes entre os sobreviventes de oitenta anos antes já não são tantos. Fracos, parece que as suas vozes não são mais ouvidas. Há os que dizem não acreditar no Holocausto pelo tamanho do horror que foi a criação e o desenvolvimento de maneiras de aniquilar pessoas. Bastaria ver o que acontece todos os dias em guerras sequenciais e espalhadas pelo planeta para saber do que o ódio é capaz de conseguir contra quem se tornam seus alvos. Eu estou ficando desesperançado de um futuro em que a Paz impere. Mesmo porque a guerra é um negócio e tanto em todas as latitudes. E o mercado do ódio é promissor.

#Blogvember / Vida & Sonho

Mas você não sabe se viver é melhor que sonhar (Lua Souza)

Vivemos a deixar as nossas impressões digitais por aí… (2011)
— em São Paulo.

Um dos meus letristas preferidos compôs e uma das minhas cantoras favoritas cantou: “viver é melhor que sonhar”, em “Como Nossos Pais”. Belchior até hoje me surpreende pela atualidade de suas composições. E Elis está cantando cada vez melhor. Que ambos já tenham nos deixado fisicamente é irrelevante. A vida é um sonho e sonhar creio ser a condição perpétua da existência. Os Hindus dizem que vivemos um sonho de Krishna.

Há certas ocasiões que nossos sonhos que se desenrolam dormindo são tão poderosos que “parecem ter sido reais”. Entre a aparência e a realização, mesmo que não os tenhamos protagonizados tendo como testemunhas apenas nós mesmos, o impacto que tem nossa vida é enorme. Vai para o repertório de verdadeira vivência. Comigo, aconteceu várias vezes.

Após o passamento de minha mãe, eu estava preocupado com a condição dela na outra dimensão. Sonhei que ela se apresentava a mim como se estivéssemos na antiga casa. Perguntei o que fazia ali e como ela estava. Respondeu que queria me ver e que estava em paz. A consequência direta desse encontro é que acordei com o espírito acalmado, leve, em paz.

Eu tenho me ressentido de não me lembrar muito dos meus sonhos, ultimamente. Sinto falta de vivê-los como acontecia antes. Eu tinha a capacidade de continuá-los noites após noites. E de interferir nos seus caminhos. Em outros, mesmo que disfarçados, percebia que os locais se referiam a pontos específicos, reincidentes. Que fossem estranhos e que encontrasse pessoas que nunca as havia visto antes, não impediu que eu me lembrasse delas até hoje.

A condição onírica da vida muitas vezes se apresenta tão fortemente que confundo sonhos com ações na versão “desperta”. De qualquer forma são lembranças e ainda que quem contracenou comigo no sonho não “se lembre” porque para ela não aconteceu eu me lembro. Essa condição um tanto dispersa de atuar na vida contribui para que eu apresente um quadro “preocupante” de memória claudicante. Talvez eu devesse também me preocupar, mas ao mesmo tempo, tenho certo “carinho” com essa característica que não interfere na minha vida funcional, que consigo separar devidamente, com a criativa, que vem ao meu auxílio quando preciso “conversar” com as minhas personagens.

Não digo que não sei se viver é melhor que sonhar, simplesmente porque não há separação entre um estado e outro de consciência para mim. Vivencio as duas condições da mesma forma, com efeitos que demarcam bem a minha passagem pelo terceiro planeta desde o Sol, neste cantinho da Via Láctea, que fica na borda do superaglomerado Laniakea  um conjunto que tem 500 milhões de anos-luz de diâmetro e massa de 100 milhões de bilhões de sóis. No total, 100 mil galáxias fazem parte dessa estrutura. Não é um sonho?

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

#Blogvember / Abandonada À Paz

Minha missão era esvaziar a casa — de suas coisas, de você! (Mariana Gouveia)

Foto por Aysegul Alp em Pexels.com

Tudo me fazia lembrar de você. Em cada canto, uma recordação de prazer ou de dor. Um gesto gentil, um olhar raivoso. Em nosso quarto, a cama era o centro do mundo. O lugar onde encontrava o homem carinhoso e o animal selvagem. Confusa, havia momentos em que eu não sabia quando você era um ou outro. Eu o amava, mesmo assim… ou pensava que o amava por ser assim. A minha pele arrepiava ao som da sua voz calma. O meu coração saltava à emissão do seu tom mais áspero. Quando você sorria, eu me enlevava. Sentia o meu sangue borbulhar como se aquecesse a cem graus ao seu toque suave. As suas mãos fortes me manipulava como se eu fosse um mamulengo, se servindo de mim como queria. E como eu queria. Mas eu pensava que fosse a única. Que tinha a exclusividade de seus beijos, do seu lado manso e tempestuoso, que apenas aos meus ouvidos você dizia amar. Quando finalmente soube de tudo, estabeleci que a minha missão era esvaziar a casa — de suas coisas, de você! Decidi que cada átrio e cada ventrículo, valvas, entradas e saídas, veias e artérias despejaria fora o sangue que fazia o meu coração bater por você. Decidi que lavaria a minha pele quantas vezes fosse necessário para limpá-la do desejo da sua pele. Que esta mulher alcançaria a liberdade de ser sem precisar de ninguém para me validar. Deixarei que o tempo descasque a pintura da casa, que faça o jardim perder o viço, que as janelas fiquem fechadas… por um tempo. Até que as suas dependências venham a esquecer a sua presença solar. Abandonarei a minha casa à paz da escuridão e do luto. Mas um dia, eu a reformarei…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

Ode Aos Últimos Dias*

Não é pregação ou advertência —
algo têm que morrer,
ainda que na aparência,
para outro renascer.

Digo com o coração pleno de paz:
apenas os mais egoístas
dirão que o amor se desfaz
sem deixar marcas ou pistas.

Porque se há um sentimento
que seja eterno é o amor
porquanto não haja consentimento,
mesmo que surja o rancor.

Eu sei que o que sinto é infinito,
assim como os átomos que me compõe,
como é efêmero o corpo que habito,
como é perpétuo o universo-mãe.

Quebramos o espelho — foram sete anos de sorte,
o perfume que se perdeu o reencontramos no 102,
vivemos a entrega, as brigas, cortejamos a morte
porque nada poderia ser deixado para depois.

Eu a manterei na lembrança
ainda que sem as minúcias que tanto preza,
mesmo que não tenha mais esperança…
Vê-la mais uma vez, seria uma surpresa.

Porém você está em mim — sua voz, sua boca,
olhos de esmeralda que passeiam em minha mente,
sua linguagem pajubá, vertigem de leoa louca —
alma de loura, cabelo gris e corpo de serpente.

A memória da areia branca, o braço rumo ao céu,
a carta lida no metrô — que a fez perder a direção,
os toques dos saltos no corredor do hotel
e sapatos de naja — carinho por declarar sua paixão.

Quando você dizia que tudo terminaria, eu não previa,
tão apaixonado, tão absorto em centros alternativos,
que o tempo se esgarçaria, que o templo ruiria
na rua da marquesa onde nos tornávamos deuses redivivos.
 
O meu desejo lhe pertence — é dona de um rei…
Sinto pena que ele nunca mais possa colher da rosa
a cor, a dor, o mel, o prazer que nunca imaginei…
Já, o escritor, sei que nunca perderá a musa de verso e prosa.

*Poema-delírio de 2020 — tempo pandêmico
Imagem: Lilith, a primeira mulher, entidade de origem judáica-mesopotâmica. 

BEDA / Certo & Errado*

Somos o casal errado,

a viver um amor ilegal…

Porém, no momento certo,

porque para amar

é sempre o tempo ideal…

Vivemos a paixão exata

para esta era incerta –

turbulenta,

absurda,

contumaz…

Porque estar apaixonado

é viver sem um traço de paz…

Sentimo-nos rejuvenescidos

pelo fogo que nos forja…

Queimamo-nos em nossa fuga

pontual – data marcada –

instante fugaz,

ainda que eternizado…

Entre o certo e o errado,

batemos como o pêndulo

de um relógio orgânico,

de um lado para o outro,

ao ritmo de nossos corações,

à espera da hora que expiremos

o nosso último fôlego…

*Poema de 2016

Participante do BEDA: Blog Every Day August

Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Bob F / Suzana Martins / Roseli Pedroso / Claudia Leonardi / Denise Gals