#Blogvember / Abandonada À Paz

Minha missão era esvaziar a casa — de suas coisas, de você! (Mariana Gouveia)

Foto por Aysegul Alp em Pexels.com

Tudo me fazia lembrar de você. Em cada canto, uma recordação de prazer ou de dor. Um gesto gentil, um olhar raivoso. Em nosso quarto, a cama era o centro do mundo. O lugar onde encontrava o homem carinhoso e o animal selvagem. Confusa, havia momentos em que eu não sabia quando você era um ou outro. Eu o amava, mesmo assim… ou pensava que o amava por ser assim. A minha pele arrepiava ao som da sua voz calma. O meu coração saltava à emissão do seu tom mais áspero. Quando você sorria, eu me enlevava. Sentia o meu sangue borbulhar como se aquecesse a cem graus ao seu toque suave. As suas mãos fortes me manipulava como se eu fosse um mamulengo, se servindo de mim como queria. E como eu queria. Mas eu pensava que fosse a única. Que tinha a exclusividade de seus beijos, do seu lado manso e tempestuoso, que apenas aos meus ouvidos você dizia amar. Quando finalmente soube de tudo, estabeleci que a minha missão era esvaziar a casa — de suas coisas, de você! Decidi que cada átrio e cada ventrículo, valvas, entradas e saídas, veias e artérias despejaria fora o sangue que fazia o meu coração bater por você. Decidi que lavaria a minha pele quantas vezes fosse necessário para limpá-la do desejo da sua pele. Que esta mulher alcançaria a liberdade de ser sem precisar de ninguém para me validar. Deixarei que o tempo descasque a pintura da casa, que faça o jardim perder o viço, que as janelas fiquem fechadas… por um tempo. Até que as suas dependências venham a esquecer a sua presença solar. Abandonarei a minha casa à paz da escuridão e do luto. Mas um dia, eu a reformarei…

Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

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