Louca De Amor

A louca de amor
explode em fogo e paixão…
A sua alma fulgura
sob a pálida pele,
em retesar de músculos,
em irradiação do plexo,
em espalmar de membros e terminações…

Dos seus braços saem estradas 
para a perdição, 
apontadas por seus dedos anelados 
por bijuterias baratas…
Dos seus cabelos caem estrasses
da última apresentação…
De sua boca e língua 
recebo beijos em mim,
em partes de mim, 
para além de mim,
em meu ânima…

Enquanto o seu peito arfa,
de seus olhos borrados de rímel
irrompe o sol
a iluminar o quarto escuro…
Por suas pernas desço 
até às estrelas, 
de onde subo rumo a um caminho 
sem volta,
enquanto o planeta revoluciona…

Foto por G1 / Globo

O Caminhante

Passou por mim um rapaz muito alto que caminhava de fora inusitada. Usava chinelos gastos, talvez pequenos demais para os seus grandes pés, que escorregavam toda a vez que pisava a calçada. Apesar da discrepância de seus passos com o padrão comum, que fazia com que chamasse a atenção para si, somado a alguns risos, percebi certa composição jazzística, uma nota de harmonia assimétrica em seu andamento. Configurava-se como uma dança imprecisa e contundente, que o fazia seguir muito mais rápido do que eu, com o meu andejar regular e simples. Os braços subiam e desciam uniformemente em contraponto ao movimento criativo, propiciando equilíbrio e coesão, como a compor um contratempo na surda canção que parecia ouvir. Eficiente, o rapaz muito alto vencia os metros diante de si com um avanço impiedoso de quem coreografava o seu percurso com um destemor do incomum. Atuava, como caminhante, de forma diferente da maioria. Com um simples ato de andar, destoava da multidão que marchava ao lado. Bailava enquanto se deslocava. Com as suas pernas compridas e seu corpo desproporcionalmente grande para o seu rosto de menino e, muito provavelmente, inconsciente de tal fato, acabava por revolucionar o mecanismo de trasladar o espaço. Rápido, isolou-se à minha vista e ganhou uma distância suficiente para dobrar uma esquina em alguma rua adiante e desaparecer, sem que eu soubesse onde, exatamente. Restou o registro de minha memória e uma foto roubada daquele caminhador. Uma imagem que registra um milésimo de segundo congelado, a demonstrar como a vida pode ser ludibriada por instantes isolados e incompletos da nossa visão.

BEDA / Portais

Portais

Na penumbra do quarto,
enxergo o seu corpo com as minhas mãos
e a minha língua…
Deito minha pele a cobrir a sua,
peito com peito,
plexo com plexo,
pernas entrelaçadas,
braços a abraçarem,
bocas a dizerem tanto – sons indefinidos –
recital em alfabetos primitivos,
guturais…
Ao erguer a minha cabeça,
à minha esquerda, o antigo rádio-relógio
mostra quatro números idênticos – 11:11 –
abertura de portais…
Pela passagem,
a penetro,
me entrego,
vou e volto e vejo
passarem figuras que me visitam,
talvez
múltiplos de mim,
gama de energias…
Sou outro, você é outra,
somos todos e ninguém…
Chegamos a um lugar-nenhum-lugar.
Morremos para esta vida por um tempo –
além –
e inauguramos a eternidade…

Voo Curto

Voo Curto

Você me chamou e não a ouvi
Estava absorto na faina cotidiana
Navegava pelos rios de asfalto da cidade
Percorria os túneis de fuga terra adentro
Para fora de mim mesmo
Sempre apartado do meu corpo

O que poderia ser um sinal de independência
Não se cumpria
Pois os pensamentos arquitetados
Por outras mentes
Eram absorvidos por meus olhos
Invadiam o meu cérebro
Caminhados por minhas pernas
Se incorporando à minha rotina
Como se meus fossem, através do poder de intervir
Consumado pela arquitetura citadina
Realizada pelos planejadores do ir e vir

Estava partindo para um lugar certo
Porém não pensava nisso
Mesmo querendo parecer borboleta
Ainda que formada e liberta
Voltava para o meu casulo
Que me atraía
Como tal, as minhas asas voavam um voo curto
Mais decorativas do que eficientes
E termino sendo um simples humano ser
Fingindo um próprio querer…

Maratona Setembrina | A Maga dos Dedos (Ou Poema A Quatro Mãos)

Unhas Pintadas
Vermelho-paixão…

Manhã de inverno cambiante,
ela acabara de fazer as mãos com Maga,
artesã de anos – vinho nos dedos.
Chegou ao apartamento vazio,
mas pleno da presença dele…
A distância não o deixava menos próximo –
tanto quanto seu corpo,
cada objeto estava impregnado do toque do amado.

Na taça,
o espanhol “Dos Dedos de Frente”.
Começou a escrever uma carta
que talvez nunca enviasse.
Porém, seu desejo percorria a pele,
eriçava seus pelos:
pulsão de vida.
Vibração de artérias preenchidas
de sangue e energia…

Fechou-se no quarto,
abriu as pernas…
Logo depois,
percebeu o quanto o amor faz estragos.
Ligou e pediu socorro.
Disse que encostou na porta do elevador.
O que não deixava de ser verdadeiro –
foram movimentos para alto e para baixo…

Diante das unhas de dois dedos
da mão direita borradas,
Maga a olhou com olhar compreensivo.
Conhecia de perto o que sentia…
Ambas se calaram em mútua conexão.

Há coisas que talvez se possam abrandar…
A manicura,
sabia que podia consertar os efeitos
da falta que a consumia…
Porém, para tamanha saudade
não havia cura…

 

maratone-se grupo interative-se