Projeto Fotográfico 6 On 6 / Em 2020, Eu…

… sobrevivi. Até agora… Com o advento de Março, chegou a Pandemia de Covid-19 no Brasil. E ela mudou tudo. As relações interpessoais sofreram o abalo que para alguns povos não significa tanto, mas para os brasileiros resultou em uma mudança brusca de comportamento — como assim, não podemos abraçar? Como assim, não podemos beijar? Como assim, não podemos respirar o mesmo ar? Como assim, não podemos trabalhar? Restou ficarmos em casa, reclusos, montando verdadeiras estratégias de guerra para simplesmente circularmos pelas ruas para irmos até uma padaria, farmácia ou supermercado. Como criminosos do colarinho branco, fomos condenados a cumprir a pena de prisão domiciliar. E como alguns bandidos, vários de nós fugiram de suas celas para enfrentar o vírus, por necessidade ou negação. E, chegamos ao final do ano, devendo anos de condenação.

Flor de maracujá

5 de Fevereiro, quarta-feira
Emoção na Casa Ortega: respondendo com beleza à atenção e ao carinho dispensados ao maracujazeiro, ele começou a florescer. Quem vive na cidade, costuma perder os pequenos milagres que a Natureza nos proporciona. As emoções são compradas e os sentimentos adquiridos como se fossem utensílios. Mas são escolhas, muitas vezes feitas por outras pessoas ou por ideias generalizantes de como a vida deva ser levada. Nós escolhemos ter quintal. As nossas plantas agradecem e os pássaros, também.

Olhar em vagas…

8 de Abril, quarta-feira
Decretado o isolamento, eu estava na Praia Grande, realizando algumas tarefas na casa da família. Fiquei isolado por quase um mês. Sem trabalho, já que os eventos do ano todo estavam suspensos até que tudo voltasse ao normal — que imaginávamos ser dali a pouco. Munido de máscara, comecei a circular de bicicleta pelas vias vazias da cidade para que pudesse me manter ativo. Ajudava o fato de os dias serem sequencialmente nublados, úmidos e frios. Escrevi, como legenda dessa imagem: “Fiquei recluso dentro de mim, mas o meu olhar vagueou por aí…”.

Parte da Turma do Curso de Educação Física da UNIP – Marquês, em 2010 — Clube Speria

16 de Julho, quinta-feira
Em boa parte do ano, eu passei a relembrar etapas da minha vida pregressa. Ressalto isso porque relembrar o futuro, também faço — ao viver o presente. Silogismos duvidosos à parte, houve etapas que cumpri com o prazer de um menino que descobre o novo quando este veterano se tornou calouro, em 2009, no curso de Educação Física. Passei quatro anos aprendendo bastante sobre o corpo em movimento e sobre convivência. Mais maduro, diferente dos meus 20 anos, quando fiz História, na USP, época que passei por várias crises existenciais, aos 50 anos levei adiante o curso ainda que a diferença de gerações pudesse trazer algum entrechoque o que, sinceramente, não senti acontecer. Pelas redes sociais mantenho contato com muitos deles, acompanhando os vários caminhos que tomaram, torço para que alcancem os seus objetivos.

Encostado, dolorido e, ainda assim, fazendo pose…

22 de agosto, sexta-feira
Quem disse que lavar roupa não é perigoso? Ontem, quinta-feira, lavei roupa e a água que resultou da lavagem utilizei para lavar o chão da varanda do @boilerlaje, escadas e churrasqueira. Após terminar uma parte, lá estou eu de chinelão, distraído, a descer, quando um passo em falso na escada escorregadia e, de uma queda, fui ao chão, quatro metros abaixo, batendo costas, pernas e braços até o final dos degraus. Não bati a cabeça porque o judô praticado na infância sempre me ajudou a protegê-la em todas as muitas quedas desde então. Acudiu-me uma cavalheira, a @liviaortega e um cavalheiro @pablittz. Pensei que houvesse apenas escoriações superficiais, mas à noite não consegui dormir direito devido às dores que surgiram depois. Hoje, estou melhor. Mas tive que reviver na boca da @tanort, da @romyzeta e da @ingriidortega, além da Lívia, poucas e boas. Acabei por me lembrar da minha mãe, Dona Madalena, que ralhava comigo todas as vezes que eu aparecia “quebrado” em casa por causa de carrinho de rolimã, patins ou futebol em campo de várzea ou quadra. Quase cheguei a confundir a dor aguda e passageira do corpo com a dor tênue e permanente da saudade. Se chorasse, talvez fosse mais pela última… no mais, gemi bastante.

O ovo azul…

29 de Outubro, quinta-feira
Produção de ovos recolhida hoje pela manhã, botados pelas galinhas garnisés Irmãs KardashiansKim, Kendall e Kylie — nomes dados por minhas filhas. Sim, um dos ovos é azulado. Provavelmente da Kim, que é misturada com galinha comum. Instalamos um galinheiro em nosso quintal. Além das fêmeas, veio também o galinho Elton John. Coincidentemente ou não, o galinheiro fica no final do Yellow Brick Road, que dá nome ao jardim. Esse ovo azul me fez lembrar meu avô Humberto, pai do meu pai, que disse ter trazido ao Brasil as galinhas que botam ovos azuis. Ele me relatou esse fato à época em que passou seu tempo final de vida conosco. Um pouco antes, uma a uma das três mulheres mais visíveis de sua vida haviam falecido – sua última companheira, a mãe do meu pai e a madrasta que ajudou a criar seu filho. Já enfraquecido, cuidei dele, ajudando a lhe dar banho, caminhar e comer. Desde que mudamos para a periferia, para ajudar no orçamento de casa, minha mãe tornou-se granjeira. Chegou a ficar conhecida como a Dona Madalena das Galinhas. Essa tradição perdurou por anos. E, aparentemente, está retornando.

Dezembro de 2020 e sorrir está difícil…

06 de Dezembro, domingo
Eis que chegamos ao final da primeira semana do último mês do ano mais incrível do Século XXI, por enquanto. Muitos utilizam o termo “incrível” com sua conotação positiva, mas ele significa exatamente o que expressa: algo que não é crível. Não é crível que não consigamos agir da maneira correta. Não é crível que tenhamos um governo tão inepto quanto o comandado pelo miliciano que está na presidência. Não é crível que as pessoas não aceitem a Ciência para balizarem as medidas preventivas para sobreviverem a esta crise sanitária. Não é crível que não aprendamos com os erros. Aliás, não seria crível, se não fôssemos brasileiros… Somos terríveis! Em todas as suas acepções: assustadores, fastidiosos, funestos, péssimos e, principalmente, invencíveis. 

Participação de 6 On 6 de:

Lunna GuedesMariana GouveiaDarlene Regina

BEDA / A Lagartixa

LAGARTIXA

Entardecia e refletia sobre cenas do dia que se sucediam como flashes em minha mente. Uma após outra, pareciam criar um mosaico de coisas aparentemente desconexas, a não ser pelo fato de pertencerem ao contexto do mesmo plano – a Terra… ou melhor, o Universo conhecido.

De manhã, no início da feira, o dono da barraca de plantas parecia conversar com elas. Quase ouvi telepaticamente as palavras ecoarem em direção a um grupo delas – de flores ornamentais – que o olhavam com certa altivez de belas espécimes que eram, enquanto o cenho melancólico do velho questionava se uma delas não o ajudaria a pagar a conta de luz que estava para vencer.

Na barraca de frutas, comprei bananas do amigo do Neymar. Perguntei como estava o “Ney”. “Está bem! Me disse que voltará a jogar logo.”. “Que bom!”… Pedi uma dúzia e meia, ganhei um “choro”. Passei por uma viela que moradores fazem de depósito de lixo e fiquei penalizado do guarda-chuva jogado sobre o entulho. O antigo protetor das intempéries deixou de cumprir sua função. Agora inutilizado, me solidarizei com seu destino de coisa morta para o mundo.  

Comprei pastéis. Costumava me divertir com a ideia de ser um caçador dos primeiros grupamentos humanos a buscar o alimento para matar a fome da família – atum, carne, camarão e palmito. Caldo de cana – meio litro. Enquanto caminhava de volta para asa, pensei em Katie Bouman, que liderou o desenvolvimento do algoritmo que possibilitou reconstruir o registro fotográfico de um buraco negro a milhões de anos-luz do pontinho donde estamos. Visão de nosso passado e nosso futuro. Início e fim. E o sorriso tímido da jovem cientista.

Em casa, enquanto as meninas latiam para os passantes na rua, por pura diversão,  li e vi repercussões do incêndio na Catedral de Notre Dame e imaginei o Corcunda saltando de gárgula em gárgula até ser finalmente alcançado e subjugado pelas chamas que se erguiam até os céus de Paris – a cidade-luz a queimar. Tristeza demonstrada por tanta gente, menos pelo músico Rosa, dias antes despetalado 80 vezes.

Ao atravessar o quintal, uma lagartixa caiu à minha frente. Olhei para o alto e especulei de onde teria vindo – se da varanda ou da mexeriqueira. Eu a peguei delicadamente e estranhei que não relutasse. Parecia estar com o corpo íntegro, mas a queda fora grande. Lembrei-me de Dostoiévski e Nietzsche. Sobre qual queda se enquadraria aquele caso – se fora atraída ou tornara-se o próprio abismo quando o avistou.

De qualquer forma, sob a regência das leis físicas, somos sempre atraídos para o chão ou o fundo. Caminhamos na beira do precipício, a nos equilibrarmos entre o desejo de perdermos o equilíbrio ou continuarmos a percorrê-lo. Deixei o pequeno sáurio dentro de um pequeno vaso. Esqueci de voltar a vê-lo. Seu destino físico imediato me é desconhecido. No entanto, sua imagem, assim como a do buraco negro, estará eternizada enquanto a eternidade existir…