Entardecia e refletia sobre cenas do dia que se sucediam como flashes em minha mente. Uma após outra, pareciam criar um mosaico de coisas aparentemente desconexas, a não ser pelo fato de pertencerem ao contexto do mesmo plano – a Terra… ou melhor, o Universo conhecido.
De manhã, no início da feira, o dono da barraca de plantas parecia conversar com elas. Quase ouvi telepaticamente as palavras ecoarem em direção a um grupo delas – de flores ornamentais – que o olhavam com certa altivez de belas espécimes que eram, enquanto o cenho melancólico do velho questionava se uma delas não o ajudaria a pagar a conta de luz que estava para vencer.
Na barraca de frutas, comprei bananas do amigo do Neymar. Perguntei como estava o “Ney”. “Está bem! Me disse que voltará a jogar logo.”. “Que bom!”… Pedi uma dúzia e meia, ganhei um “choro”. Passei por uma viela que moradores fazem de depósito de lixo e fiquei penalizado do guarda-chuva jogado sobre o entulho. O antigo protetor das intempéries deixou de cumprir sua função. Agora inutilizado, me solidarizei com seu destino de coisa morta para o mundo.
Comprei pastéis. Costumava me divertir com a ideia de ser um caçador dos primeiros grupamentos humanos a buscar o alimento para matar a fome da família – atum, carne, camarão e palmito. Caldo de cana – meio litro. Enquanto caminhava de volta para asa, pensei em Katie Bouman, que liderou o desenvolvimento do algoritmo que possibilitou reconstruir o registro fotográfico de um buraco negro a milhões de anos-luz do pontinho donde estamos. Visão de nosso passado e nosso futuro. Início e fim. E o sorriso tímido da jovem cientista.
Em casa, enquanto as meninas latiam para os passantes na rua, por pura diversão, li e vi repercussões do incêndio na Catedral de Notre Dame e imaginei o Corcunda saltando de gárgula em gárgula até ser finalmente alcançado e subjugado pelas chamas que se erguiam até os céus de Paris – a cidade-luz a queimar. Tristeza demonstrada por tanta gente, menos pelo músico Rosa, dias antes despetalado 80 vezes.
Ao atravessar o quintal, uma lagartixa caiu à minha frente. Olhei para o alto e especulei de onde teria vindo – se da varanda ou da mexeriqueira. Eu a peguei delicadamente e estranhei que não relutasse. Parecia estar com o corpo íntegro, mas a queda fora grande. Lembrei-me de Dostoiévski e Nietzsche. Sobre qual queda se enquadraria aquele caso – se fora atraída ou tornara-se o próprio abismo quando o avistou.
De qualquer forma, sob a regência das leis físicas, somos sempre atraídos para o chão ou o fundo. Caminhamos na beira do precipício, a nos equilibrarmos entre o desejo de perdermos o equilíbrio ou continuarmos a percorrê-lo. Deixei o pequeno sáurio dentro de um pequeno vaso. Esqueci de voltar a vê-lo. Seu destino físico imediato me é desconhecido. No entanto, sua imagem, assim como a do buraco negro, estará eternizada enquanto a eternidade existir…