Fico sempre encantado quando subimos para o Planalto ou descemos para o Litoral, ao passarmos pela Serra do Mar, onde podemos encontrar ainda parte da Mata Atlântica preservada.
Ao mesmo tempo, resta sempre o assombro ao saber que, para alcançar o interior do País, Homens do passado venceram tremendos obstáculos em nome de viver uma vida nova…
Um caminho feito de sangue, suor e lágrimas, que o tempo escondeu sob o azul celeste do céu e sobre o verde da mata.
Em São Paulo, mais e mais há menos espaço e chão para que as árvores cresçam. Apenas elas não são necessariamente expressão vivaz da vida natural. Muitas nem são típicas do Brasil. Chegaram por aqui trazidas por paisagistas, por serem justamente diferentes, atraentes aos olhos, mas não benéficas ao nosso bioma, podendo se tornarem endêmicas. Ainda assim, é possível que borboletas, insetos e consequentemente pássaros habitem os seus galhos protegidos por suas folhas.
De qualquer forma, o verde insiste em se intrometer entre pontes, prédios, ilhas de avenidas e casas com quintais, modelo de moradias cada vez em menor quantidade, devoradas pela especulação imobiliária que ergue edifícios em bairros que acabam por perder o ar bucólico de antigas eras.
Não mais cadeiras em frente às casas em noites quentes, não mais a reunião de amigos em bares de esquina, não mais as vendinhas de secos e molhados, não mais o fechamento de ruas em datas comemorativas e Copas do Mundo. Somente o movimento de carros dirigidos por pessoas que circulam de um ambiente fechado para outro.
Esta grande, frondosa e bela árvore encontrei em um condomínio de prédios na região de Interlagos. De certa forma, esses locais conseguem manter um paisagismo que abriga uma boa área verde. Obviamente, devido ao alto custo desses empreendimentos, não é uma solução de moradia popular, mesmo porque é um estilo de vida que preza por ser idealmente exclusivista, para poucos.
É comum encontrarmos nas nas fronteiras do conjunto de edifícios que formam a zona centra de Sampa, ilhas arborizadas que quebram um pouco a monotonia das linhas retas características dessas formações humanas. Neste período seco, o marrom avermelhado se entremeia ao verde cansado, casando com as cores esmaecidas dos grafites.
Este registro de minha Periferia, na Zona Norte, mostra um dia de nebulosidade incomum, a ponto da Tânia dizer que apenas se lembrava de paisagem parecida quando chegou a São Paulo, há 35 anos, “vinda de um sonho feliz de cidade”. Eu, morador desde os 8 anos na região, vi e vivi muitos desses horizontes próximos. O tom cinza deu ao registro um toque de foto PB.
É uma rota frequente em minhas atividades profissionais atravessar a cidade de Norte a Sul. O trajeto passa pelo Centro através do Túnel Tom Jobim que passa abaixo da Praça do Correio que comporta em uma parte um terminal de ônibus e outra uma praça com árvores de médio porte. Antes, há o icônico Viaduto Santa Ephigênia que sai da Praça do Mosteiro de São Bento e vai até a Igreja de Santa Ephigênia que, enquanto estava sendo erguida a Catedral da Sé, se tornou a sede católica momentânea da Metrópole.
As intervenções humanas na cidade tem na Avenida Paulista é o seu ápice. No alto daquela elevação plana, passou a História da riqueza e o apogeu da elite paulista. Moradia exclusiva dos fazendeiros de café que quiseram tornar São Paulo uma Paris em solo sul-americano. Após a Segunda Guerra, a influência Estados Unidos na arquitetura urbana paulistana foi decisiva. Os antigos casarões foram dando lugar a nova visão de colossos de concreto e vidro. A mais paulista das avenidas foi vítima dessa transformação. Neste registro, um dos últimos exemplares das construções do primeiro terço do Século XX que resistem em pé — como o Palacete Franco de Melo — o qual já adentrei uns 20 anos antes. Em seu amplo jardim, árvores remanescentes da antiga Mata Atlântica, com dezenas de anos de vida, assim como os exemplares do Parque Trianon, próximo dali.
Por fim, volto a visão para o meu quintal. Entre as várias árvores frutíferas, está crescendo um mamoeiro. Infelizmente, a nossa velha goiabeira secou, atacada por formigas. Mas preservamos uma jabuticabeira, uma mexeriqueira, dois tipos de limoeiros, uma pequena árvore de araçá, outra de amora, algumas hortaliças e dois tipos de bananeiras — prata e nanica — que fazem florescer seus corações o ano todo.
Desde o ano passado, tinha um sapo enterrado no meu jardim. Havia sido um trabalho tão bem feito que não conseguia encontrá-lo. Um ebó involuntário à Oxumaré*. Ele deveria estar junto à jabuticabeira, mas nem sinal do batráquio quando o busquei. O autor do trabalho fora eu mesmo. Sem querer. Coloquei terra no quadrilátero e esqueci da pequena escultura de barro. Ao tentar desenterrá-lo, a enxada usada com cuidado sequer tocou em algo parecido. Enfim, o sapo ficaria como objeto de boa sorte do jardim quando vicejasse plantas tão verdes quanto ele.
Porém, a Tânia voltou a encontrá-lo ao começar a fazer uma horta. Logo que pode, reassumiu o lugar ao lado de seu amigo que estava, desde o seu sumiço, triste e só. Não mais estarão juntos a hortaliças, pimenteiras, alho, hortelã, cebolinha… Deslocados para o jardim da frente — Yellow Brick Road Garden — ficarão estacionados no gramado no qual poderão “viver” camuflados e seguros…
Os amigos, reunidos novamente…
*Orixá mediador entre o céu e a terra, do qual o arco-íris é uma das epifanias; dado em alguns relatos mitológicos como escravo de Xangô, que o usa para transportar água ao seu palácio celeste. Corresponde de certa forma ao vodumDã, a força que põe a vida em movimento, cuja representação é uma serpente que morde a própria cauda.
Enquanto um pterodátilo nebuloso carrega o sol no bico para o outro lado do mundo, eu percebo o quanto o manto verde da minha vila foi tomado pelas construções humanas. A antiga fazenda loteada se transformou em um bairro populoso e com problemas no escoamento do trânsito em suas ruas tortuosas. O que nos salva da aridez total é o horizonte ainda visível a partir de pontos mais elevados, como onde estou. Um dia, no entanto, os edifícios mais altos, que se aproximam à esquerda, começarão definitivamente a fazer parte da paisagem humana e talvez não haja como evitar a extinção dos bichos que passeiam no fundo da minha imaginação…
Fico sempre encantado quando subimos para o planalto ou descemos para o litoral, ao passarmos pela Serra do Mar, onde podemos encontrar ainda parte da Mata Atlântica preservada. Ao mesmo tempo, cresce meu assombro ao saber que, para alcançar o interior do País, Homens do passado venceram tremendos obstáculos em nome de viver uma vida nova… Um caminho feito de sangue, suor e lágrimas, heroísmos e covardias, amor e ódio, crimes e massacres, que o Tempo escondeu sob o azul celeste e o verde da mata.