18 / 01 / 2025 / Namoradas Virtuais

Tenho a impressão crescente de que os homens estão perdidos diante da revolução íntima na Sociedade quanto a emancipação feminina, apesar de todos os percalços, incluindo a reação mais radical –- a violência pura e simples. Nessa luta por encontrar protagonismo nas relações humanas modernas, tem ocorrido a negação por parte dos machos da espécie Homo sapiens em entender que esse é um caminho sem volta e que, por fim, regenerará para o bem as relações sociais em todos os níveis.

Ciente da capacidade superior da mulher em muitos dos campos da atuação humana, cria desde cedo que chegariam ao comando das ações mais importantes para o desenvolvimento do País. Observava que enquanto os moços iam trabalhar, as moças ocupavam a maior parte das carteiras nas salas de aula. Como era muito ingênuo não imaginava que os machos da espécie seguiriam a tradição de boicotar a participação mais decisiva da mulher na vida social.

Não é algo que ocorre exclusivamente no Brasil. Na eleição de Trump, por exemplo, contra Kamala, mulher preta, os homens pretos, mesmo os democratas, se identificaram mais com o gênero masculino do homem branco do que com a representatividade de uma representante da raça. Já vi isso acontecer aqui no Brasil em que alguns jovens pretos se perfilaram ao lado da postura bolsonarista, claramente oposta à integração, de teor racista do que a um projeto mais identificado com a luta antirracista. Creio que os uniu foi a postura misógina.

Tem chegado a mim, através das redes sociais, a veiculação de páginas em mulheres criadas pela Inteligência Artificial convidam homens solitários a entrarem em contato com elas. Além da beleza padrão, incluem entre os atrativos serem totalmente submissas aos desejos masculinos, que saberão ouvi-los e compreendê-los, sem nenhum tipo de julgamento. Além de serem compensados com a “entrega” de seus corpos à realização de suas fantasias sexuais. Sucesso.

Para mim tem se tornado claro que os homens sisgêneros atuais estão assustados com o surgimento de mulheres autônomas que buscam relacionamentos em que a dependência emocional, psicológica e material não são trocadas por uma aliança no dedo. Esses homens não sabem o que estão perdendo em termos de riqueza humana, apesar da dificuldade que é se relacionar com seres tão complexos quanto as mulheres.

Foto: a imagem acima é de uma mulher criada através da Inteligência Artificial, retirada de uma das páginas de relacionamento virtual.

Vilões*

Pinguim, Charada, Mulher-Gato e Coringa, vilões da série psicodélica Batman, dos Anos 60.

Vilões – o termo que dá nome a este texto pode ser usado para designar àqueles que buscam prejudicar outros através de ações vis, desqualificadas. Mas basicamente, a origem diz respeito aos moradores de vilas na Idade Média, normalmente habitadas por quem não era nobre – os chamados plebeus. Enquanto isso, a Nobreza passou a ser associada às boas ações – ou nobres. Ou seja, o vilão, pobre e desvalido, era considerado um sujeito à margem das boas práticas da sociedade, então e até hoje, dividida em castas.

Tudo piora quando, depois de tantas revoluções que buscaram tornar a Sociedade mais igualitária, a Humanidade ainda carrega, em seu âmago, essa herança atávica de um desequilíbrio persistente e que encontra defensores tenazes. São pessoas que não aceitam mudanças que estabeleçam um padrão de equanimidade entre os participantes de nosso concerto social. Pleno de diversidades não atendidas em suas demandas, boa parte dos brasileiros não conseguem vê-las representadas. Vivemos nos últimos quatro anos a assunção de ideias que flertam com o fascismo antidemocrático que engloba vários aspectos de um ideário que defende a ação violenta para manter um status quo retrógado, na restauração de um passado rígido em que os privilégios eram postos como direitos naturais. Estranhamente, muitos que servem às “elites” e são por elas explorados, estão na linha de frente de sua manutenção.

Eu me lembro dos “vilões” das minhas séries favoritas que buscavam fraudar as leis para obter dinheiro ou poder com atitudes que beiravam o humor. É quase uma saudade de quando esses piores vilões eram tão melhores dos que hoje vicejam em nosso noticiário. Eles estão no mandato de três dias por semana no Congresso Nacional e no trabalho full-time dos ladrões do nosso erário. Nos assaltos dos pés-de-chinelo, armados com um “berro” de numeração raspada e na ação na surdina dos sofisticados hackers da Web.

Novo campo de atuação que tem penetração em todos os níveis sociais, a Internet propaga discursos de ódio contra as diferenças e os diferentes em todos os campos. Como as notícias que mostram crimes encontram guarida em boa parte da população, são populares as notas de pais que matam os filhos, quando não são os filhos que decidem fazê-lo primeiro. A divulgação de assaltos e sequestros violentos e a perniciosa epidemia de feminicídios – subproduto da queda progressiva do poder do macho patriarcal na sociedade moderna – apresentando uma reação desproporcional: a execução de suas companheiras e de outras mulheres que desafiam sua integridade psicológica de menino mimado.

É claro que sempre houve crimes na História do Homem. Desde o Gênesis, convivemos com a nossa maldita herança – somos filhos de Caim – assassino de seu irmão, Abel. Mas a nossa santa inocência contrabalançava um pouco o mal que grassava pelos campos onde os lírios floresciam. Parece que, na verdade, sinto saudade de minha própria inocência. Perceber como o ser humano opera com desenvoltura no uso da maldade, me faz ver que viver na ignorância chega quase a ser uma benção…

*Derivado de um texto de 2013.

O Genocídio

Mulher Yanomâmi sendo pesada por uma assistente da força tarefa para atendimento de saúde

À vista das imagens divulgadas mostrando o estágio dos efeitos causados pela desnutrição entre vários membros do povo Yanomâmi – crianças, mulheres, homens – fiquei como que paralisado de horror. Como foi que chegamos a esta situação? Tragédia anunciada há tempos, nos últimos quatro anos, sem medo de errar, virou política de Estado empreendida pelo ex-presidente e futuro presidiário (se houver justiça), ao qual chamo de Ignominioso Miliciano. Vinte e um ofícios de ajuda e tomada de medidas para impedir o morticínio, enviados às várias instituições da administração federal, foram solenemente ignorados.

Ao longo de seu comportamento na vida pública há indicação de um padrão macabro, inicialmente em palavras, depois transformadas em atos quando chegou ao poder. Esse ser humano que festejou a morte de Marielle Franco, antes já havia elogiado o torturador Ustra na votação do impedimento indevido da ex-presidente Dilma Rousseff. Esse tipo defendia a morte de pelo menos 30.000 brasileiros na época da Ditadura Militar – que perdurou de 1964 até 1985. Essa mesma pessoa defendeu a imunidade de rebanho na Pandemia de Covid-19, adiando a compra de vacinas, o que resultou na morte de pelo menos 300.000 pessoas a mais do que a média populacional, de acordo com a projeção de vários cientistas sanitários. Esse ser abjeto liberou a compra indiscriminada de armas de fogo sob a alegação de que o cidadão tem o direito de se defender. A grandíssima maioria dos artefatos caíram na mão de milicianos e de outros grupos criminosos.

Associado a interesses de políticos e mineradores – “follow the money” – de Roraima e de fora desse Estado e até do Brasil, não foi difícil para o Ignominioso Miliciano (a milícia carioca o patrocina) decidir pela destruição da floresta onde vive o povo Yanomâmi. Sem se importar com os 30.000 originários da região, incentivou a invasão de 20.000 garimpeiros que envenenaram os rios das terras indígenas, a ponto de causar a mortandade dos habitantes nas quase 200 aldeias. Os outros habitantes do resto de Roraima apoiaram fortemente a política de morte do elemento, delegando a ele 76% dos votos na última eleição. Tal crime hediondo não poderia ser praticado sem tantos cúmplices.

Estava assistindo a um filme em que o personagem comenta sobre o comportamento de poderosos que subjugam e exploram as outras pessoas, sem se importar com o mal que produzem. Ao contrário, se julgam acima das outras criaturas que, no entanto, segundo as Escrituras Sagradas são seus semelhantes. No caso dessa personagem brasileira que promove morte e terror entre seus semelhantes, não há semelhança entre as pessoas em direitos. Defendendo a instauração de uma “elite” homogênea e hegemônica – racista, machista, misógina, homofóbica –, através de um discurso difuso e atabalhoado, incorpora uma linguagem messiânica. Ataca àqueles que propõem a diversidade como signo de vida, agregando seguidores de seitas cristãs que passam por cima da Palavra de Cristo. Suas palavras inspiram o medo, a discordância, a ojeriza aos pobres, a violência e a destruição.

Eu já o associei a um dos Cavaleiros do Apocalipse. Para os milhares de mortos ao longo do seu (des)governo, que tiveram as suas vidas ceifadas por influência direta de sua estratégia fascista de direção, o fim realmente se precipitou.

L, de Livro. L, de Luta.

Quando abrimos um livro, literalmente cometemos um ato revolucionário. A revolução está no simples fato que ler é uma ação libertária. Envolve vários investimentos como tornar acessível a leitura através de produtos mais baratos na ponta final. Mas que se inicia por um investimento precípuo – a Educação. Aprender a ler e a escrever é um direito do cidadão, constante na Constituição Brasileira. E o atual Governo Federal tem agido no sentido contrário.

A política educacional em curso menospreza o ensino universal de qualidade. Quer torná-lo somente um apêndice na produção de servidores aptos o suficiente para trabalhos técnicos ou com capacitação de serviçais mais instruídos, mas até certo grau. Produção de aprendizes e funcionários eficientes, obedientes, que não conteste o Sistema que, afinal, os sustenta no limite do consumo básico. Para que alcancem mais, são consumidos em sua humanidade – sem tempo para si e para a família. O que deveria ser apenas uma etapa para o desenvolvimento profissional do cidadão, se torna permanente. Não é incomum que os patrocinadores desse estilo de vida autofágico reproduzam a máxima: “O trabalho liberta” ou “Arbeit macht frei” – como colocada na entrada dos campos de concentração nazistas.

Sei que o trabalho dignifica. É uma expressão de autonomia e meio de progresso pessoal e econômico. Mas da maneira que está estruturado, aliena e é um meio de exploração dos depauperados pelos mais aquinhoados. Eu não tenho medo de trabalhar. Gosto de ser um prestador de serviço no setor da produção de eventos. Quem vê o sujeito que, apesar dos 61 anos, carrega, sobe e desce escadarias, monta sistemas, opera mesas de iluminação e sonorização, talvez não imagine que eu tenha passado pela Universidade, em três cursos diferentes.

A questão principal é que tenho um posicionamento que nunca aceitou as coisas da maneira que estão. Na USP, estudar História deu ensejo que entendesse que a violência é a linguagem primordial de sua construção. Depois de 522 anos de invasão de Pindorama por europeus, contemporâneo do atual estágio de violência em que matamos os povos originários; invadimos e expropriamos as suas terras; discriminamos brasileiros por raça ou condição socioeconómica, negando condições de desenvolvimento e alcance da cidadania, me angustia. Não posso ficar sem denunciar as discrepâncias que perpetuam a indignidade patrocinada por uma elite econômica espúria e tacanha.

Os livros propiciam reflexão, aprofundamento do conhecimento e fixação do saber. É um processo dinâmico que opera de dentro para fora, buscando evoluir em constante sinergia. Ao mesmo tempo, é entrópico, causando desordem aos padrões pré-estabelecidos no arranjo pessoal e social conveniente ao funcionamento do ordenamento cristalizado em faixas que bem poderíamos chamar de castas – como o existente na antiga Índia.

Basicamente, o leitor, evolui como ser pensante, estimulando uma série de repercussões que obrigam à otimização das regras sociais – empenhando-se em torná-las mais saudáveis e progressistas. Os livros causam tanto estrago ao status quo que os mesmos que defendem a utilização das armas físicas, os queimariam em praça pública de bom grado. Outra possibilidade que a História reproduz de tempos em tempos em regimes ditatoriais ou autocráticos, como sempre foi o objetivo do inominável. Não foi à toa que o setor da produção literária foi um dos mais prejudicados com aumento de impostos na atual administração.

Sou escritor, mas não prescindo da leitura de outros escritores. Não há como criar sem lidar com a criação de vários autores. Compreendi que nunca deixamos de aprender a escrever. Assim como apenas ser leitor não significa que alguém se torne mais sábio por ler. Talvez, mais ilustrado. Muitas vezes, um falso lustro que é utilizado para separar as pessoas em vezes de as unir. De antemão, entra em pauta outras qualificações humanas ligadas ao caráter e à cultura formadora. Quando encontramos defensores da ideia de que as coisas são o que são desde o começo dos tempos e que tudo deva permanecer da forma que está, não é apenas conservadorismo, mas reacionarismo.

Ler não é suficiente, mas escolher o que ler é decisivo. O gosto e as inclinações pessoais pesam na escolha. Há pessoas que, por mais que absorvam conhecimento, se direcionam na defesa de causas opressoras. Assim ler a Bíblia ou “Minha Luta”, de Adolf Hitler (ídolo do tal), não são por si obras que operem transformações no sujeito. O perfil cultural que o emoldurou exerce um peso maior. Essas leituras tanto podem servir de base de estudos para a compreensão da Sociedade humana na busca de soluções ou interpretações como pode levar o seu leitor a se tornar um adepto de concepções prontas e deturpadas.

Aprender a interpretar textos em condições de compreendê-los em todas os seus aspectos e transmitir o conhecimento adquirido de forma clara e consciente é libertador, se buscamos o desenvolvimento de uma sociedade igualitária. Isso é algo que me move, ainda que permaneça em frequente estado de espanto por conhecer a baixeza e a ignomínia as quais os seres humanos são capazes para manterem modelos de convivência injustos. Um dos livros que mais me impressionou foi “Invasores De Corpos”, de Jack Finney, originalmente lançado em 1954. Quando o li pela primeira vez, já havia assistido o filme de 1978, de Phillip Kaufman. Porém, o livro apresentou facetas mais ricas, apesar de ter gostado bastante do argumento do filme e sua execução.

Assim, ocorreu outras tantas vezes em outras produções porque interpretar palavras de uma obra original nos traz dimensões inéditas – mais interativas – da mensagem que o autor quis passar. Ver o argumento do livro de distopia fantástica de Jack Finney ser reproduzido ao vivo diante dos meus olhos como o que acontece atualmente com os seguidores de um sujeito que se auto intitula “mito” é, ao mesmo tempo algo tão temerário quanto autoexplicativo. Somos um povo crente em mitologias. Quanto mais estranhas, melhor. Quanto menos inverificáveis, mais aceitas.

Defender um passado que é baseado na manutenção da opressão social como modo de funcionamento e que, mais cedo ou mais tarde, se volta explosivamente contra a própria Sociedade é uma ação autodestrutiva. O aumento da criminalidade é indicativo disso. Não apenas abrir um livro garantirá encontrar o equilíbrio para que consigamos reformar os atuais parâmetros que exclui cidadãos de benesses tão simples quanto direito à liberdade, à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à existência digna. É determinante que desenvolvamos senso crítico para questionarmos todas as situações dadas como definitivas. É uma tarefa árdua, diária, nos defendermos contra os tomadores de corpos e de mentes que desejam ver reproduzidas ad eternum as nossas mazelas como algo que devamos nos orgulhar. Com L, de luta, que lutemos para superá-las!

O Sonho

Quando chegou à academia, se dirigiu à esteira que costumava se exercitar. Ao lado, um rapaz já corria em outra.  Entreolharam-se e rapidamente começaram a conversar sobre amenidades, entre sorrisos. Em pouco tempo, perceberam que compartilhavam coisas em comum… ainda que sobre assuntos absolutamente frívolos. No entanto, ela pensou na mesma hora: “Devo estar ficando louca! Ele é lindo, perfeito para mim e, o mais importante, sonha o mesmo sonho que eu!”…

Naquele mesmo dia, quando saíam da academia, ele se aproximou e lhe deu um beijo. Sem reação, ela se rendeu. Sem dúvida, aquilo confirmou para ela que o sentimento entre ambos era recíproco.  O rapaz a convidou para jantar em seu próprio restaurante. Aceito o convite, levou a melhor amiga consigo imaginando que lhe servisse como testemunha e apoio. Afinal, tudo era muito repentino. Na entrada do estabelecimento, a recepcionista a levou para a mesa pronta preparada com detalhes que a deixou completamente encantada.

Mesmo já tendo passado por vários relacionamentos, a moça mantinha uma ingenuidade que atraía o rapaz. Terminado o jantar, ambos concordaram que havia sido tudo “maravilhoso”, palavra pronunciada quase em uníssono, com brilho nos olhos de ambos. Ele pediu licença para a sua amiga e conduziu a namorada para a cozinha. Pediu atenção aos cozinheiros e auxiliares e anunciou em voz alta: “Gente, quero apresentar a vocês a minha futura esposa!”.

Durante um ano inteiro, a moça recebeu confirmações que realmente havia encontrado uma pessoa que correspondia a todos os seus sonhos. No enunciado do casamento, escreveu: “A vida nos uniu e pediu para vivermos intensamente este amor. Agora estamos compartilhando com vocês o nosso maior sonho – a nossa união! Acreditamos que nossa história já estava escrita e contamos com todos os nossos amigos para testemunhá-la!“

Meses depois, a moça sonhadora foi encontrada morta. Ao seu lado, o gato que amava guardava o seu corpo com as patas sujas de sangue. A suspeita recaiu imediatamente sobre o marido, que compareceu à delegacia para prestar depoimento. Houve rumores de que a esposa havia o surpreendido com a sua melhor amiga na própria cama. Irada, foi em direção ao sujeito, o confrontando. Raivoso, ele a empurrou contra um móvel do quarto, batendo com o crânio numa quina, a atingindo na região occipital. Enquanto perdia a consciência, parecia estar despertando de um sonho…

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