Amor, Será Que Quero Ser Seu Amigo?*

Amigos?

Duas pessoas que se amam, juntas há muito tempo, têm que tomar certos cuidados um com o outro. Um deles, é manter acesa a chama do desejo recíproco. Muitos dirão que isso não é uma circunstância controlável. De certa forma, concordo parcialmente. Pessoalmente, no entanto, creio que além da boa sorte de continuar a sentir atração pelo parceiro de longa data, algo de base indefinível, deve haver um esforço de ambas as partes, caso queiram permanecer unidos no relacionamento.

No decorrer da vida em comum, devemos nos predispor a ouvir a companheira ou companheiro nos momentos mais cruciais da união; no surgimento das eventuais crises; nos episódios em que um dos dois venha a falhar no cumprimento dos acordos feitos. Nessas situações, devemos controlar o ímpeto para não cairmos nas acusações vazias de parte a parte apenas para ganharmos pontos na rixa. Cicatrizes incuráveis podem sobreviver pelas existências afora, ainda que o casal se separe. O trauma de um relacionamento mal resolvido muitas vezes impede que um ou outro, senão os dois, possam ser felizes em novas relações. Na verdade, isso vem a ser o desejo secreto de muitos.

Porém, outra questão pode ser colocada em pauta — como manter a paixão mútua e ainda ser amigo de sua parceira ou parceiro? Ouço e leio que certos ingredientes da paixão vêm a inviabilizar que a vida amorosa dê lugar ao entendimento e/ou compreensão das coisas mais simples. O ciúme seria um desses componentes. O ciúme é uma emoção que perpassa pela História humana, desde a Bíblia, como no episódio do assassinato de Abel por Caim, a passar pela construção habilidosa da trama de Otelo, por Shakespeare e até surgir como temas de canções populares pelo mundo a fora.

A ser algo tão poderoso, oblitera a visão de quem o sente e devemos tentar domá-lo para que um relacionamento com paixão não venha a desencadear em crimes passionais de menor ou maior gravidade, de corações partidos a peitos rasgados por facas. No entanto, tentar compreender o companheiro, entender as demandas de lado a lado, além de um exercício de engrandecimento espiritual dos pares pode propiciar uma consequência indevida. O tesão talvez seja prejudicado. Essa é uma ponderação polêmica, mas não menos real. Passar de apaixonados e amigos (além de cúmplices) para amiguinhos é uma questão de dosagem bem tênue. Como manter o fogo no olhar a cada encontro, manterem-se amantes impetuosos e enamorados, sem prejudicar a relação de irmandade familiar e vice-versa?

Concluo que essa experiência é pessoal e intransferível. Deve ser vivida sem regras pré-estipuladas e sem adjetivações prévias. É uma viagem que cada casal deve empreender sem medo de ser feliz; sem que um e outro perca a individualidade. Se casais decidem elaborar um estilo de vida que seja mais ameno e sem sobressaltos, que seja. Se desejam manter a flama incandescente de namorados, que consigam alcançar a compreensão do amor sem ferimentos graves. Sem humilhações e a morte de consciências. Caso contrário, não há química que os faça ficar unidos…

Foto por Allan Mas em Pexels.com
*Texto de 2017

BEDA / Scenarium / Inteiro Ou Partido*

Inteiro Ou Partido
Divagações à sombra de uma mangueira, da qual espero ver os frutos madurados.

O meu amigo Ivan Rocha passou de “noivo” para “solteiro” no Mural do Facebook. À propósito do fato divulgado de maneira tão direta em seu perfil, comentei: “Ivan está só, está ao sol, está inteiro, está solteiro!”. Ao que ele lembrou que uma vez, de forma similar, brinquei com a palavra “amortecedores”, destacada na propaganda de uma oficina mecânica: “É, o amor tece dores”… À parte o encontro de rimas forçadas ou significados ocultos no que dizemos ou vemos escrito por aí, divaguei à respeito da primeira montagem.

Estar só é estar inteiro? Quando estamos com alguém em realidade nos dividimos. E por que sentimos essa necessidade de sermos apresentados em duas partes? Se somos inteiros em nossa unidade, por que queremos encontrar completude em outro? E se queremos nos completar em outro, que força poderá manter unido um casal, além da ilusão do amor? Em se considerar o amor algo ilusório. Sempre haverá alguém  que considere o desejo ou a paixão como sendo amor, se iludindo que queira unir-se a outro ser pela força dessa ilusão. Quando descobrimos ser só isso e a atração se esvai, o que antes era inteiro, nos deixa partidos, até… juntarmos os cacos, nos fazermos inteiro para depois sermos atraídos para nova partilha.

Bem… como eu disse, são divagações…

*Texto de 2011

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana AneliClaudia LeonardiDarlene ReginaMariana Gouveia

Lunna Guedes

2+ 2 = 5

Tentando equacionar o que não tem solução, há uma canção que diz – “tudo certo, como dois e dois são cinco”. Nesse caso, o erro de aritmética simples vem a explicar muito bem o desencontro amoroso que ocorre com o casal do tema. Vem bem a propósito de como a “matemática romântica” muitas vezes deixa o regramento ordinário dessa ciência para trás…

Sempre cismei que a união entre dois amantes resultaria, na verdade, em três. Ao somar-se um mais um, esses dois formariam um casal, que vem a ser a terceira unidade da equação – algo diferente dos dois indivíduos envolvidos – apesar de resultante deles. Essa unidade assume uma identidade, formada da total integração entre duas pessoas. Algo que em sendo tão raro, uma sensação tão mágica e ímpar, volta a ser buscada outras vezes por quem a experimentou, como se fora um adicto que busca a fissura da primeira dose.

No entanto, a pensar com os meus botões, depois de confabular com quem busca o amor, vim a especular que a conta correta talvez seja cinco, como um dia cantou o Roberto numa composição de Caetano. Porque cada um dos indivíduos representaria, pelo menos, dois papéis no cotidiano, que somados a mais dois, resultariam em quatro. Esses “quatro tipos de ser” formariam, quando totalmente apaixonados, um quinto e uno elemento. Radicalizando, talvez não fossem apenas dois. Muitos de nós seríamos muito mais. Três, quatro, cinco pessoas lutando dentro de nós para se sobressaírem para alcançarem o domínio e exercerem o controle preponderante sobre o corpo e a mente. Por fim, o produto poderia não encontrar jamais uma base de sustentação. Ao final, como resultante, é isso mesmo que acontece. Poucas as vezes vemos as equações chegarem a uma boa resolução…

Então, podemos estabelecer duas vertentes mais óbvias como critério discricionário, sem o qual a conta nunca fecharia. Para simplificar essa questão, estabeleço que seríamos constituídos por duas forças antagônicas, principalmente quanto ao “amor” para a formação de um casal – a fórmula mais simples para a constituição de uma “família”, mesmo por aquelas de mesmo gênero. Essa minha elucubração surgiu depois de ouvir frequentes afirmativas, em sua maioria por parte das mulheres, de que os homens pensam muito mais com a cabeça de baixo do que com a de cima. Como não vejo muita diferença quando ao comportamento atual das mulheres com relação a esse assunto, poderia dizer que muitas delas pensam muito mais com as exigências do púbis do que com a mente, em várias situações. Dessa forma, todos e cada um de nós, homens, mulheres e as outras variações de identidade, seríamos então estimulados pelo amor de desejo e/ou pelo amor de afinidade de outra ordem pelo outro.

É muito comum iniciarmos a busca da união com outro ser pelo estímulo sexual ou paixão, para depois encontrarmos uma outra possível afinidade entre as partes. Muitos de nós, mais racionais, talvez façamos de modo diferente, dando mais ênfase à uma qualidade diversa da pessoa do que às características mais apelativas do ponto de vista físico. Seria a maneira mais consciente de agirmos, o que até poderia resultar em uma grata surpresa, pela afinidade mental também vir a ocorrer na sexual. Ou apenas poderemos nos conformar em termos como companhia uma pessoa pela qual nutrimos uma grande admiração e que dará sustentação à equação vital. Muito provavelmente, do outro lado poderia haver reciprocidade. Por fim, a compensação de um e do outro fator poderá ser levado por muito tempo por ambas às partes. Até não ser mais possível.

Venho a presumir que, em algum momento, com as mudanças inerentes a convivência do casal, com o aumento da pressão que é manter-se seguindo um mesmo padrão de comportamento, que já não corresponderá às demandas de um ou de outro, pode haver o rompimento dos laços ligados à afinidade mental ou à física ou ambos. O que era soma de intenções, resultará em multiplicação de frustrações, divisão de forças e subtração de vitalidade. O melhor a ser feito será se desfazer do problema, zerando a operação.

Passado algum tempo, no entanto, se buscará novamente a resolução da questão da unidade, que sempre continuará a se fazer presente. Mesmo porque, o ser humano tem a tendência em buscar o equilíbrio, mesmo que ele seja apenas aparente ou precário. No mais das vezes, é no desequilíbrio que normalmente vivemos. É no fio da navalha que passaremos a maior parte da nossa existência. É na corda bamba que tentaremos solucionar as eternas equações existenciais nas quais estaremos envolvidos por nosso tempo de vida, tentando resolver operações de fatores mutantes. Por fim, a conta nunca se fechará. Para sermos mais íntegros, sugiro que tentemos conceber viver na configuração dos números fractais, sejam eles geométricos ou aleatórios…

BEDA / Scenarium / Velho E Sorriso – Parte II

Velho estava acostumado a dormir pouco. Ainda que em dias de baile voltasse às 5h, às 8h se punha de pé. Não encontrou Sorriso. Gato pedia para sair para o jardim e foi atendido. Ao abrir a porta, viu Sorriso passando pelo portão com leite, frios e pãezinhos nas mãos. Ao vê-lo, sorriu.

– Bom dia, Velho! Não tinha quase nada, a não ser café. Fiz umas comprinhas.

– Bom dia, Sorriso! Não precisava… Nos últimos tempos, estou habituado a tomar apenas café, pela manhã.

– Também não estou acostumada… Vamos mudar um pouco. Tome um café da manhã completo, comigo, por mim, tá?

Sorriso, ao verbalizar seu pensamento, percebeu então sua ousadia. E se o que estivesse pedindo fosse demais? Será que ele a considerava tanto quanto imaginou?

– Se fosse fazer algo por alguém, seria por você, Sorriso… e pelo Gato, claro…

Seu rosto se iluminou no sorriso mais aberto. Entraram.

Se era uma coisa que Sorriso sabia fazer era café. Desde bem pequena, aprendeu a preparar a bebida para sua mãe. Em casa, mesmo cansada da noite do trabalho pelas esquinas do Centrão, encontrava prazer nesse cuidado de filha. Ao contrário do que acontecia com a maioria das pessoas, bastava Helena tomar a sua dose encorpada de café para se sentir torporizada. Dormia a manhã toda, enquanto Sorriso cuidava dos três irmãos. Sorriso acabou por ficar só quando dois deles morreram de parada respiratória por uso de cola e o terceiro sumiu sem deixar vestígios, todos antes dos dez anos. Sucessivamente, como praga dos deuses, Helena caiu gravemente enferma e morreu. Ainda antes mesmo de completar doze, já oferecia o corpo em troca de subsistência. Seu Zé, dono do cortiço onde morava – que ela via como uma espécie de pai – teve essa ideia para pagar o aluguel. Foi o primeiro a usá-la. Depois, passou a oferecê-la para outros homens. Fugiu. Vez ou outra, algum homem solitário a chamava para morar um tempo consigo. Ficava o tempo até perceber que se tornara uma empregada mal paga: de cama, mesa e limpeza, além dos eventuais espancamentos. Nunca quis ser uma “típica dona de casa”.

Desta vez, foi Sorriso que tomou a iniciativa de ficar com Velho. Percebeu que tinha uma imensa ternura por aquele homem experiente e triste. Queria cuidar dele, se assim permitisse. Alternativa que pareceu ser aceita quando, após o cheiroso café da manhã, Velho disse para Sorriso ficar à vontade e permanecer o tempo que quisesse. Completou que não impediria que ela continuasse o seu trabalho, se assim desejasse. Pela primeira vez, Sorriso desejou que alguém demonstrasse certo sentimento de posse por si…

Com o correr dos dias, semanas, meses, a relação dos dois se transformou em algo bem mais rico do que apenas uma mescla de simpatia e ternura que sempre existiu. E foi essa situação que os dois filhos de Velho – Júlio e Juliano – encontraram quando foram visitá-lo: um casal feliz. Aquela conjuntura os pegou desprevenidos. Mais uma vez, estavam decididos em convencer o pai a deixar a casa e ir para um asilo. Logo a vista do jardim redivivo, com flores novas a brotar nos canteiros, os deixaram desconcertados. Era como se Dona Nina estivesse esperando com suco, café e bolo. A saudade aumentou ao sentirem os mesmos aromas ao chegarem à porta.

Velho não havia lhes alertado sobre a nova situação quando avisaram que iriam encontrá-lo. Entretanto, preveniu Sorriso sobre como eles se comportariam. Experiente no trato com as pessoas, promotor e relações públicas durante cinco décadas, conhecia a natureza humana. Nada e ninguém o surpreendia. Suspeitando da insistência dos filhos em tirá-lo da casa na qual cresceram e onde ele viveu os últimos sessenta anos, procurou se informar e soube que aquela área estava cada vez mais valorizada e o terreno que abrigava a sua residência valia muito dinheiro. Era disso que se tratava. Nada de desvelo ou preocupação com o velho pai, ainda que se enganassem mutuamente que assim fosse. Nada de desejar o melhor para aquele que os sustentou, educou e se esforçou para que chegassem à faculdade. Apenas interesse econômico. Ele valia mais morto do que vivo. Já vira isso acontecer durante seu trabalho com o pessoal da terceira idade. Tornou-se confidente de muitos velhos – homens e mulheres.

– Como vai, papai? – perguntou o mais velho, Júlio, que aliás carregava o nome do pai.

– Bem! Como pode perceber…

Realmente, Velho parecia ter rejuvenescido uns dez anos. Continuou:

– Eu apresento a vocês, Sorriso, minha companheira…

Literalmente, com os queixos caídos, os Jota-Jota, como eram conhecidos, gaguejaram coisas como “pensamos que se tratasse de uma empregada ou cuidadora”; “o senhor nunca foi disso, se envolver com uma garotinha”; “deve ser uma aproveitadora, de olho em sua grana”…

Sorriso fez que não ouviu e mostrou porque carregava aquela alcunha. Disse de maneira bastante suave e até alegre:

– Fiz bolo de cenoura, café e suco. Por que não se sentam?

Como se tivesse lhes dirigido impropérios, os filhos de Velho começaram a gritar:

– Que é isso? Você não é Mamãe! Quem pensa que é? Putinha!

Velho apenas se dirigiu à porta e pediu que saíssem, com o coração apertado, intuindo que os filhos, para atingi-lo, impediriam que visitasse os netos.

– Isso não vai ficar assim, Velho! Vamos interditá-lo!

Quando saíram, Velho desabou no sofá e quase agradeceu por sua Nina não estar viva para presenciar aquela cena. Sorriso se sentou em seu colo e o abraçou afetuosamente.

O encontro com os filhos se deu no início de 2020. Ainda que doloroso, não quebrou a feliz rotina do casal. Velho e Sorriso, meses antes haviam se tornado assíduos frequentadores dos salões da noite paulistana. Velho reviveu as suas melhores noites. Para Sorriso, que com ele aprendeu seus primeiros passos de dança de salão, se descortinou uma vida que sequer imaginara. Em meados de Março, os bailes de casais começaram a ser cancelados com a chegada do novo corona vírus, com a promessa da progressão da Covid-19. Para evitar o seu avanço, a Quarentena foi instaurada. Não era difícil para o casal ficar em casa, com Gato a lhes acompanhar. Quem pudesse vê-los ocasionalmente, logo identificaria a cumplicidade natural daqueles que se amam.

No início de Abril, Velho começou a se sentir cansado e a tossir um pouco. Logo, percebeu que não estava nada bem. Disse a Sorriso que não queria ir para o hospital, nem que avisasse aos filhos. E pediu a ela que o deixasse sozinho para que não se infectasse com a doença que sentia progredir rapidamente. Sorriso o olhou dentro dos olhos, como gostava de fazer para ali encontrar o brilho do homem gentil e amoroso. Percebeu que estavam um tanto embaçados. Disse:

– Eu nunca mais sairei do seu lado…

Velho sorriu um sorriso de velho que era. Sorriso se deu conta que o estava perdendo. Tomou uma decisão, cujo desfecho só foi conhecido dias depois. Gato, que miava incessantemente no jardim frontal, pedindo para entrar, chamou a atenção dos vizinhos que passavam. Ao se aproximarem, sentiram um forte cheiro vindo de dentro da residência. Chamaram os bombeiros, que arrombaram a porta. Encontraram uma jovem de vinte anos e um senhor de oitenta, abraçados na cama de casal. Mortos. Um leve odor de gás evidenciou a causa dos óbitos.

Ao saírem com os corpos, os soldados passaram por Gato, assentado na cômoda da ante sala. Sonolento e indestrutível.

Beda Scenarium

BEDA / El Reloj

El Reloj

Como nunca antes, ele chegou na hora marcada. Dois minutos antes, na verdade. Sempre que programavam em se encontrar, inevitavelmente algo surgia que o impedia de cumprir o horário dos encontros entre os dois – as crianças, a mulher, o cunhado fanfarrão, empregados da sua empresa ou alguma outra coisa. Ele a conheceu em um curso de dança de salão e logo os sambas, as salsas, os tangos e, principalmente, os boleros, os uniram. Ela, uma mulher alegre e franca, atraiu a sua atenção logo que a viu. Da parte dela, aquele homem desengonçado e tímido, parecia ser o último tipo que pudesse ter um traço especial que o distinguisse e, por isso, se sentia segura em poder tê-lo como um par mais constante no aprendizado dos passos básicos do bailar.

Mas a solidão, acompanhada de muitas pessoas de um e a ausência de carinho do marido de outra, os levaram, em cada volteio e gingado, a se encontrarem no mesmo compasso. O ritmo de suas vidas impedia que estivessem mais tempo juntos, além das duas ou três horas, mais as duas aulas de 50 minutos por semana que passavam juntos. Quando podiam estar sós, cumpriam um lúbrico ritual de corpos que buscavam se confirmar vivos, como se fossem as últimas pessoas sobre a face da Terra. Uma vez por mês, a turma do curso buscava alguns dos bailes promovidos na cidade para por em prática a evolução no aprendizado e já caíra na boca do povo a possível união amorosa do casal de dançarinos.

Porém, naquele dia de sua inédita pontualidade, ele estava decidido a encerrar essa parceria de dança. Em sua cabeça, tocava “El Reloj”, uma das suas canções favoritas e que simbolizava o ponto de encontros entre os dois, realizados invariavelmente junto a um relógio no velho centro. Sentia o coração apertado, a amava demais, mas precisava dizer adeus. Tudo muito clichê e perfeitamente doloroso. Ele sabia que estava decretando a morte de sua melhor parte e “Nosotros” passou a pontuar a sua lembrança. No caso, o autor daquela canção estava gravemente doente e quis terminar o seu romance sem que a amada soubesse do fato. Pretendia preservá-la do sofrimento que seria o acompanhamento da sua lenta e triste agonia. Não era essa a sua motivação.

http://www.youtube.com/watch?v=rxt_ftkGrcw

Conforme pontuava os momentos passados juntos, os boleros que ambos dançaram tantas vezes pareciam ganhar a proporção de profecias realizadas em épocas tão remotas sobre o que aconteceria em suas vidas. “Historia De Un Amor”, por fim, impôs o melancólico fraseado em sua mente. Rapidamente, concluiu que a dança o havia libertado de homem preso às convenções do 4/4. E um quarto nunca lhe parecera tão pleno de significados. De repente, inversamente ao que pretendia a princípio, percebeu que não precisaria viver os dramas retratados em tão belas e doloridas canções, mas apenas dançá-las. E compreendeu, igualmente, que aquela dançarina deveria ser o seu par, mesmo que tivesse que vivenciar todas as contradições de ser um homem dividido. Ao vê-la chegando ao seu encontro com o mesmo sorriso franco de costume, simplesmente a beijou e perguntou: “Vamos?”…