A Noiva*

Em setembro de 2019*, por onde eu andava — um shopping — passaram uma noiva e o noivo, acompanhados por damas de honra, todos devidamente paramentados. Enquanto uma senhora sorriu e expressou que amava ver noivas, outra falou baixinho: “que ridículo!”… Eu, que só achei a cena bonita, dei por mim que qualquer coisa pode ofender a quem está de mal com a vida, principalmente quando vê outra pessoa vivendo um momento especial.

Confusional*

O que é artificializado
por vezes nos parece tão natural
que a tomamos como integral.

O que é falseado,
por vezes nos parece tão pessoal,
que a temos como real.

O que é amado,
por vezes nos parece tão especial,
que a tornamos tradicional.

O que é estigmatizado,
por vezes nos parece tão normal,
que a estabelecemos como um ritual.

O que é limitado,
por vezes nos parece tão fundamental
que nos contentamos com o parcial.

O que é acidental,
por vezes nos parece tão intencional,
que sentimos como se fosse o ideal.

O que é confusional e danoso
são traços comuns que nos conduz
e, por vezes, adotamos o pantanoso
como se fosse um caminho de luz…

*Poema de 2017… mas que se adequa perfeitamente ao atual e confusional momento.

DUMDUM*

DUMDUM

Encontrei este elefantinho atrás do palco, no local onde estava trabalhando. Perguntei como ele estava. Respondeu que estava bem. Que, apesar de se sentir meio abandonado naquele canto, pelo menos estava de frente para a porta, onde podia ver o movimento.

 — Você parece triste… Aliás, como se chama?

 — Eu me chamo Dumdum! Eu não sou triste! Apenas fui feito com esta feição tristonha…

 — Perdão! Vivo a cometer esse erro! Sei que não devo me fiar na aparência externa de ninguém!  

— Não tem problema! Já fico feliz em você ter parado um instante do seu trabalho para me dar atenção.

— Dizem que esse é um dos meus problemas… que sou disperso… mas, enfim…  

— Eu acho que é um dom…  

— Obrigado! É muita gentileza de sua parte. De vez em quando, todos nós precisamos de um elogio. Falando nisso, ao prestar mais atenção, se percebe que há algo especial em você…  

— Eu sei que sou especial! O artista plástico que me moldou, mesmo eu sendo uma obra simples, me imaginou um elefantinho do bem. Cada tira de papel que ele colocou, a cada camada que me estruturou, ele o fez com amor. Sou resultado de amor e arte. Esta feição que me estampa não sou eu… Nasci feliz!

Quase com inveja do Dumdum, passei a mão em sua tromba empoeirada e me despedi. Continuei a minha lida. Logo depois, ele foi retirado dali. Deve jazer feliz em algum reino encantado, ainda que na escuridão de um depósito…

Texto de 2015*

BEDA / Scenarium / O “Um” Anel*

Anel
O Precioso

Ontem, sábado, estava no ponto de ônibus, quando a luz tímida do dia nublado incidiu sobre uma peça que brilhava junto aos meus pés. Abaixei-me e o peguei — era um anel. Pode ter sido perdido, escapado dos dedos ali mesmo ou trazido pela água da forte chuva da noite anterior, que o carregou junto a vários outros restos.
O “um anel”, foi apenas segurá-lo entre os meus dedos e comecei imaginar histórias por trás de sua existência. Qual seria o valor deste anel? Quase nenhum, considerando o financial. Deveria custar uns 15 ou 20 Reais, no máximo. Era uma bijuteria feita de um metal simples, imitando a prata e apresentava um desenho em “S”, que alinhava quatro “pedras” lateralmente a outras quatro. Na verdade, um desses oito “brilhantes”, feito de plástico duro, era diferente dos outros sete, que eram mais claros do que esse, amarelado.
Levantei duas hipóteses para essa configuração. A primeira, é a de que tenha sido adquirido assim mesmo. A segunda, é a de que o anel possa ter perdido uma pedra do conjunto, que foi substituída por uma parecida, mas nem tanto. Uma das hipóteses pode envolver a distração do comprador; a outra, a precariedade do conserto. Qualquer opção implicaria na simplicidade do material e de quem o detinha. Simplicidade econômica, mas talvez não de sentimentos.
Eu poderia escolher a suposição de que fosse apenas um anel comprado por alguém, provavelmente uma mulher (segundo a minha avaliação), para si mesma ou para uma amiga; ou ainda de que tenha um presente de uma mãe para a sua filha ou de uma filha para a sua mãe. Mas acabei por escolher a conjectura de que tenha sido um presente de amor romântico, porque hoje preciso que seja assim.
Na hipótese daquela amiga a presentear à sua amiga, seria porque ela fosse mais do que especial. Ou ainda a de um amigo para outro mais do que especial ou de um homem de poucos recursos que quisesse oferecer o melhor anel que pudesse comprar diante de seus poucos recursos para a sua namorada. Adivinhei que fosse um anel de compromisso, representando o pedido para uma coisa mais séria entre eles.
Já os via tendo a paciência de esperar na fila pelo ônibus no horário mais tardio, simplesmente para poderem voltar juntos no coletivo lotado, sentados em um banco que os levaria, em suas conversas, para um lugar muito mais longe do que a distante periferia na qual viviam. Quis sentir que esse fosse o valor do “um anel”, assim que o vi. Eu o guardarei, em respeitoso sinal de seu suposto poder.
*Texto de 2015

 

B.E.D.A. — Blog Every Day August

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