Fala Sobre O Falo

Freud explica”, razoavelmente o comportamento dos adeptos da atual linha ideológica defendida pelo Ignominioso e sua gangue. O médico Victor Sorrentino (cirurgião plástico), amigo do presidente e defensor das teses estapafúrdias do controle da Pandemia de Covid-19 através das medidas cientificamente ineficazes propaladas pelo núcleo duro do Governo Federal, foi preso no Egito por assédio moral contra uma vendedora de papiros. Falando em português, para desconforto da moça que o atendia, “brincava”, como os meninos criados numa cultura machista fazem, versando sobre o tamanho e a dureza do artefato de papel. O vídeo foi gravado como se fosse um momento de descontração. Obrigado a pedir desculpas, está detido enquanto o seu caso é analisado pelas autoridades egípcias.

“Homens” sexistas como ele costumam se defender usando argumentos como a roupa que a mulher veste, o que o incentivaria realizar esse tipo de violência moral. A vendedora usava uma vestimenta tradicional em que só o rosto aparecia. A esposa do “doutor” veio à público defendê-lo declarando que “as pessoas veem maldade em tudo”. O que leva a outra constatação muitas mulheres, além de vítimas, incorporam esse tipo de comportamento como “normal” ou seja, uma norma sobre a qual não devemos discutir porque é próprio dos machos. Eu, como ser humano do gênero masculino, posso dizer que os homens também são vítimas desse sistema educacional e moral engendrado no bojo do Patriarcado, misturado a regramentos religiosos, ambos umbilicalmente unidos no desvirtuamento da nossa formação psíquico-social. 

Outra médica (pediatra), a Drª. Mayra Pinheiro chamada de Capitã Cloroquina por defender o medicamento tanto para tratamento precoce como para a cura da Covid-19 — protagonizou piadas e “memes” ao ser inquirida sobre a avaliação de sua visita à FIOCRUZ quando, em vez de fazer colocações acerca das questões técnicas e de trabalho da centenária instituição, relatou sobre a presença “pênis” inflados à porta do Pavilhão Mourisco, tapetes com o rosto de Che Guevara, cartazes de “Lula Livre” e “Marielle vive”. A passagem sobre o símbolo fálico foi levantada na CPI sobre as ações e omissões do Governo Federal em relação à Pandemia e virou manchete em meio ao caos administrativo em que vive o País, em todos os aspectos. O mais triste é que médicos utilizaram a nebulização por cloroquina um processo experimental a la Mengele — que levou várias pessoas à óbito, além de inúmeros casos relatados de pessoas internadas gravemente por terem se fiado da cloroquina em associação com a ivermectina como panaceia no tratamento precoce à Covid-19.

O sexo é um assunto candente, praticamente uma fixação, que atende as demandas comportamentais dos defensores da atual gestão. A defesa de um estilo de vida hipócrita, dado os aspectos nada virtuosos dos seus praticantes — pastores que, em nome de Deus — acabam por camuflar desvios moralmente condenáveis, envolvendo recursos financeiros e poder. O próprio Ignominioso, sob a “inocente” figura patronal do “tiozão do pavê”, solta frases de viés sexual a torto e à “direita”, sendo que a última é “sou ‘imorrível’, ‘imbrochável’ e também ‘incomível’”. Declaração feita diante do cercadinho do gado, sem máscara, pelo sujeito de cu virgem, mente e boca suja. Enquanto isso vem paulatinamente alicerçando as condições para um possível golpe de Estado.

A possível confusão do logotipo homenageando os 120 anos da FIOCRUZ com a figura de um falo pela doutora em questão e a insistência do seu chefe supremo em colocar certas questões através de citações envolvendo sexo em variações pervertidas me faz lembrar o que já li sobre a teoria de Freud que em 1905 lançou luz sobre as fases do nosso desenvolvimento psíquico intrinsecamente ligado à sexualidade. À época de sua publicação, a teoria freudiana sofreu críticas pela frente puritana e, mais tarde, por seus seguidores e pares, em relação a algumas questões contraditórias e estereotipadas. O que não invalida a sua importância e alcance. Ao contrário, demonstra riqueza ao chegar a nossos dias identificando tipos canhestros que cabem como exemplo das fases de desenvolvimento psíquico-mental-sexual a frente (e atrás) dos asseclas palacianos — pai, filhos e “espíritos santos” do (des)governo. São como crianças na praia brincando de construir e destruir castelos de areia, enquanto comparam o tamanho de seus pintinhos.

No entanto, para mim, essa não é a questão. Mas sim a demonização do caralho. Lembrando que “caralho”, termo da língua portuguesa usado para designar o membro viril masculino era, até a Contrarreforma, em meados do Século XVI, usado até em documentos oficiais. Encontra correspondente no castelhano carajo, no galego carallo e no catalão carall, sendo exclusivo das línguas românicas da Península Ibérica, não se encontrando em nenhuma outra, incluindo o basco. Caralho também designava a cesta no ponto mais alto possível das naus portuguesas onde ficava o marinheiro com a tarefa de observar o mar em torno das naves. Na história de Portugal dos descobrimentos, foi o marinheiro que estava no caralho o primeiro europeu a avistar o Brasil. Sintomático, não?

Em muitas culturas, o falo é simbolicamente objeto de culto por representar a procriação, ainda que quem venha a gerar a descendência seja a fêmea da espécie. Ao mesmo tempo, após se desenvolverem no útero materno, a grandíssima maioria dos seres humanos nascem pelo encontro dos gametas masculinos e femininos através da ejaculação e fecundação. Para isso, é intrinsicamente necessário que o órgão masculino esteja ereto, a demonstrar potência. Sendo que o intumescimento do pênis é eventualmente saudado como uma espécie de elogio ao atrativo da parceira ou do parceiro no ato sexual. Diferentemente de outros animais, que passam por épocas específicas de acasalamento, o estímulo nos seres humanos ocorre primeiro na mente. O poder de fantasiar quanto ao ato sexual pode ser tão ou mais prazeroso que o próprio, a depender de quem o sente, apesar de haver os que o pratiquem de forma automática. Como o sexo começa na cabeça e é gerador de prazer para além da procriação, não há impedimento — a não ser por questões pessoais e/ou religiosas para que seja praticado por pessoas do mesmo gênero, por dois ou mais parceiros ao mesmo tempo.

No Patriarcado, tirante as questões quanto à mecânica do ato, ao transformar a ação reprodutiva em matéria de prazer, a mulher passa a ser vista como objeto de desejo por ser, justamente, a reprodutora da vida. Maior valor adquire caso tenha formas atraentes, variantes a depender do período, ligadas a características culturais. De forma abrangente, o prazer e sua busca solapam a organização social de tal modo que as religiões incorporaram sua interdição ou a restrição somente à procriação. Mais uma vez a mulher sofre o anátema por ser quem é e seu comportamento libertário passa a ser condenado. Tudo o que se desenvolveu a partir dos impedimentos moralistas ocasionou e causa muito mal à sociedade, como o uso do corpo como artigo mercantil. Bundas (cus), mamas, vaginas, “pau” ganharam a pecha de órgãos capazes de instabilizar a sociedade ao mesmo tempo que, como fonte de curiosidade mal resolvida, tornam-se caminho para perversões.

Contrário ao mandamento monogamista, tão caro e um tanto contraditório à postura comportamental ideal embandeirado por seus seguidores sectários, o Ignominioso gerou filhos de relações diferentes, algo perfeitamente afeito à característica do macho reprodutor que despersonaliza suas crias ao numerá-las em série. Assim como os males em série produzidos pelo Patriarcado e o ideário fascista, bases ideológicas de seu (des)governo.    

A Teoria da Sexualidade preconizada por Sigmund Freud e o desbravamento do entendimento de nossa intimidade mental revolucionou o mundo, mas não chegou a todos ainda por ter certa aparência sectária, concorrente, portanto, de outras religiões. Como antecipei, Freud pode e deve ser revisto em suas teses e posturas em muitos de seus tópicos, mas seu postulado consegue explicar muita coisa quanto ao subdesenvolvimento psíquico — infantilizado, mesmo — mas não menos perigoso, do grupo que tem levado o Brasil à encruzilhada macabra entre escolher o caminho para o precipício e consequente aniquilamento ou para o atraso puro e simples — social, político, econômico, educacional e institucional — da nossa nação.

Maricas*

Eu sou maricas! Faço questão de ser, principalmente quando alguém, como o capitão que foi expulso do Exército com desonra, associa o termo a algo ruim. Fui buscar no Dicionário o que significava “maricas”, palavra dita no plural, mesmo que o nomeado seja apenas um homem. Sim, porque necessariamente é relacionado a alguém do sexo masculino que tem um comportamento efeminado. É uma palavra restrita aos contextos informais (ou deveria ser), com sentido pejorativo em todas as suas acepções. Efeminado é usado para menosprezar o sujeito, como se ao revelar toques femininos em sua postura denotasse uma doença moral pelo código da canalhice.

“Maricas” acrescenta em sua descrição: “repleto de covardia e medo; covarde”. Isso contraria tudo o que conheço sobre minha mãe e a grandíssima maioria das mulheres. Tenho certeza que a minha melhor parte herdei de uma mulher: Dona Madalena, minha mãe. As mulheres são a parte forte da sociedade e, certamente, da Biologia. Corajosas como nenhum homem, são responsáveis pela procriação. Socialmente, é muito comum se sentirem sozinhas logo após o parto. Ainda que tenham a ajuda dos machos da espécie, normalmente é delegada elas o cuidado da cria — alimentação, higiene, saúde, aquecimento e carinho. Com honrosas exceções, cada vez maiores, os homens pouco participam desse período inicial, muito importante na formação da pessoa que resultará no desenvolvimento do novo ser.

Múltiplas, quando casadas, além de trabalharem fora de casa para ajudarem no orçamento familiar, as tarefas domésticas igualmente recaem sobre os ombros das companheiras como se fosse preceito irremovível na Tábua da Lei. Comportamento herdado do sistema patriarcal, os homens covardemente se isentam nessas ocasiões. Nas empresas, temerosos de perderem para as mulheres os melhores cargos, continuamente sabotam seus desempenhos e se utilizam do machismo para ganharem mais, ainda que elas exerçam as mesmas funções. Unidos nessas ocasiões, impõem um grande atraso nas relações sociais e empresariais que findam por impedir um melhor desenvolvimento econômico e social para todos nós, como povo e País.

Contanto tivesse o Sr. Ortega durante muito tempo como modelo, algo comum numa relação entre pai e filho, com o passar do tempo fui percebendo o quanto incorporava o seu comportamento machista, incluindo a reprodução de frases que rebaixavam o valor da minha mãe. O amor dela por mim, finalmente me fez ver com clareza que a concepção (surgimento) do macho escroto se dá desde cedo. Por sorte ou natureza pessoal, escapei de objetivar as mulheres como seres de méritos intrinsecamente ligados ao corpo. Sempre as tive como especiais, encantadoras e naturalmente superiores. O que não deixa de ser uma supervalorização, talvez até condescendente. Porém, quando comecei a atravessar a barreira do contato mais íntimo, percebi que são seres complexos, bons ou maus em seus cernes, muitas vezes melhores em muitos aspectos quando querem ser uns ou outros, mas continuamente atraentes para quem não tem medo de encontrar uma inimiga espetacular ou apreciar uma amiga sensacional.

Como nunca me ative a estereótipos e gostava de ajudar a minha mãe em quase tudo nas tarefas caseiras, pude perceber que não há trabalho mais pesado do que manter uma casa funcional e em ordem. Gosto de cozinhar, lavar a louça, limpar a casa, cuidar do jardim e dos bichos. Eu me encanto com a beleza das flores e faço vozinhas diferentes para falar com os peludos. Dona Madalena me estimulou a gostar de ler, de cantar, a dar valor às coisas belas. Ela me recitava poemas, o que me incentivou a escrever. Ela me tornou uma pessoa melhor e um homem melhor. Ou seja, um maricas, com toda a honra!

*Texto de novembro de 2020, quando a quem chamo de Ignominioso proferiu mais uma das declarações demeritórias ao cargo que ocupa, chamando a quem enfrenta a Pandemia de Covid-19 atendendo aos protocolos sanitários — uso de máscaras, distanciamento social — de maricas.

BEDA / Pobres Machos

Pobre Macho
Davi, de Michelângelo

Eu acredito na superioridade das mulheres e em seu domínio cada vez mais abrangente. Se formos descer até a base da existência celular – mitocondrial – não restará dúvidas de que sejam prevalecentes. A nós, homens, quase nos restará apenas ajudar na fertilização. Virá o dia em talvez nem isso será mais necessário. Em uma futura sociedade de Amazonas, teremos que nos conformar com a nossa condição de meros coadjuvantes na história da humanidade.

Quando fiz o curso de História, os documentos a que tive acesso relegava o papel da mulher ao ostracismo. Aquilo me deixava intrigado, visto que ao constituir metade da população, a sua participação surgia proporcionalmente ínfima. Tal qual Einstein, que aferiu que a distorção ao observar o Universo se devia à presença de corpos celestes não detectados, percebi que a projeção feminina estava mal representada. Percebi que ao ser escrita por homens, não haveria como ser diferente. Se pudéssemos recontar todos os acontecimentos do Grande Teatro Humano sob nova ótica, os bastidores viriam à frente do palco e tudo seria mais compreensível.

Quem me conhece, sabe que sou encantado pela mulher. Cedo, intuí que a opressão sofrida por elas em vários rincões do mundo, defendida como sendo a base de crenças e culturas, se deve, mormente, ao medo atávico que os homens têm de sua atuação, o que não existia no início dos grupamentos humanos, em que havia equanimidade no poder.

Sendo assim, ao compreender que a manutenção do Patriarcado é algo prejudicial a todos nós, chamo, a quem interessar possa, que examinem a perigosa posição  do macho humano, patrocinador dessa forma de organização social. Que se instaure a visão do movimento “machista” sob um ângulo positivo. Que ser macho-masculino não seja considerado algo em oposição ao modo fêmea-feminino de ser, conceitos ultrapassados que são, todos eles.

Para que o “Neo-Machismo” tenha fundamento, toda a rancidez advinda da expressão deverá ser reavaliada. Assim como o Feminismo, devido à ação de algumas representantes, não possa ser encarado como um movimento contra o homem, quando pessoalmente considero a favor da humanidade. Ou seja, ser homem não deveria ser adjetivado como “odioso” – uma aversão a mulher.

Há algum tempo, surgiram piadas relativas a melhor escolha entre 15 ou 30 cm do tamanho de sanduíches – mote publicitário de uma rede de alimentação rápida. Cada vez mais ocorrem citações mais ou menos explícitas com componentes sexuais, ao qual já aludi relativamente ao lançamentos de cervejas. Talvez o novo “Movimento Machista” devesse fazer uma moção de boicote a essa empresa. Obviamente é uma insinuação contra o macho menos dotado, em termos penianos. Considero que seja uma questão a ser colocada com cuidado – a da defesa do macho pejorativamente estigmatizado por ser de menor expressão de medida. Assim como a mulher, sem as formas idealizadas por uma visão deturpada, são discriminadas por não corresponderem a um padrão específico.

Aos poucos, a mulher ascenderá ao posto de protagonista. Esse processo é irreversível. Eu espero, sinceramente, que seja ao lado do homem. Que a mulher não haja como ele, mas seja a alternativa viável à nossa representação até hoje. Com a ascensão de mulheres ao poder, não apenas político, a humanidade estará em melhores mãos. Com a experiência que tenho ao observar o quanto consegue realizar uma mãe da Periferia, que trabalha, cuida de casa, dos filhos e ainda assim, se expressa como mulher, sei que seremos pessoas melhores sob o seus cuidados. Até o tempo que ser homem ou mulher ou qualquer outro gênero derivativo do masculino e do feminino não seja essencial para designar o caráter de um ser humano.

Ah, apenas para não pairar dúvidas: estou na média…

Tereza Da Praia – Uma Libertária

Tereza

Eu era novo ainda quando ouvi “Tereza da Praia” pela primeira vez. O gosto do garoto da Periferia diferia da média dos meus vizinhos, assim como dos todos os outros, à época. Eu apreciava naturalmente a música brasileira mais antiga. Tinha à minha disposição uma discoteca incompatível para alguém de padrão empobrecido, herdado de minha vó paterna. Ouvia os acetatos de 48 rotações de Maísa a Mário Zan. A minha conexão com os temas de pelo menos vinte anos antes, cantados e ouvidos quase em sequência obsessiva, era de alguém que se identificava como se fossem atuais. O que não impediu de receber com entusiasmo a chegada dos novos Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, Tom Zé, Jards Macalé que, ao mesmo tempo que homenageavam os artistas tradicionais, traziam novos ares, que alguém acabou por cunhar de MPB – Música Popular Brasileira.

As canções apresentavam uma durabilidade quase irrestrita. Eram executadas por anos em programas de rádio que, sem preconceito, divulgavam o panorama musical de todas as origens e estilos: francês, português, espanhol, italiano, alemão, latino-americano – tangos, boleros, mambos, rumbas – além da hegemonia dos de língua inglesa. Os Beatles eram um capítulo à parte – um amor cego. Quando se separaram, sofri como se fosse morte em família, que a paixão por Elis substituiu gradativamente. Em meu leque de preferências incluía Elton John, David Bowie, Michael Jackson, entre outros – para acompanhar os sempre cativos Frank Sinatra, Nat King Cole, Ray Charles e Elvis Presley. Hoje, mortos quase todos, tornaram-se eternos.

Mas, voltando ao tema desta crônica, “Tereza da Praia”, com letra de Billy Blanco e música do magnífico Tom Jobim, foi composta em 1954 na formação da Bossa Nova, que eclodiria com força total no final dos Anos 50, com João Gilberto e a divina Elizeth Cardoso – “um banquinho e um violão”, voz pequena, melodias ricas com características jazzísticas e temas que versavam, desde sambas de uma nota só a vozes desafinadas. Para o menino criado na cultura machista desde cedo, estranhei a liberdade com que os dois homens se referiam ao objeto de afeição ao qual ambos concordavam em dividir.

Parecia natural a mim que realçassem o “corpo bonito”, a “pele morena”, o “nariz levantado”, “os olhos verdinhos”, o “cabelo castanho, uma pinta do lado” – características físicas externas atraentes desde sempre para qualquer homem, inclusive para este imberbe sem experiência no contato feminino, a não ser em sonhos e figuras imagéticas da TV e Cinema. Minha profundidade rasa impedia que vislumbrasse algo mais por baixo dos sorrisos bonitos e trejeitos sedutores. Aliás, são poucos os homens que ultrapassam o superficial, mesmo depois de adultos. A atitude liberal dos contendores pela atenção da amada Tereza era algo totalmente inédito na cultura machista do brasileiro.

“É a minha Tereza da praia
Se é tua, é minha também
O verão passou todo comigo
O inverno pergunta com quem…”

Os namorados concluem que a namorada não deveria “pertencer” nem a um, nem a outro. Decidem deixá-la “aos beijos do Sol e abraços do Mar”, que “Tereza é da praia, não é de ninguém”. Uma figura livre e independente. A canção de 65 anos antes, foi regravada recentemente por Roberto Carlos – outra grande influência minha – e Caetano Veloso, de forma mais leve e casual. O lançamento original fez grande sucesso e trazia alguns detalhes que apimentavam sua composição: havia certa rivalidade entre Dick Farney, maravilhoso pianista e cantor e Lúcio Alves, de voz de veludo, dos quais era fã; o nome Tereza era o mesmo da esposa de Tom Jobim, referência que pareceu uma homenagem ousada. Além dela, especulava-se quem poderia ser Tereza, entre as muitas frequentadoras das praias do Leblon, onde se passava a história. Mais tarde, Billy Blanco chegou a fazer outra canção com o mesmo nome, mas segundo relatou, não se tratava dessa mesma, adindo que aquela não fora baseada em ninguém, especialmente.

Contudo especial Tereza se tornava ao representar uma mulher irreprimível, que apenas por seu desejo ficaria com alguém. Não se compromissava em destinar sua atenção somente para um dono-destinatário. Quem quisesse “tê-la”, que se conformasse com parte do tempo apenas. Anunciava a mulher libertária – ainda que se unisse oficialmente a um homem – isso não daria a ele a chancela de transformá-la em objeto de pertencimento, física e mentalmente, a não ser que quisesse. Seria o prenúncio de um mundo novo, novas diretivas, uma nova tendência, se atualmente não víssemos o tempo retroceder para muito antes de nascermos.

https://youtu.be/gC-7RAAOQbI

Reversão

Cidade dos Homens
Cidade dos homens…

Sem mais nenhuma ilusão ideológica para chamar de minha, ainda tento manter sentimentos otimistas com relação à sociedade brasileira. Mas ver avançar a agressão de homens às mulheres, em todos níveis sociais, me entristece profundamente. Eu sempre fui feminista. Ou por amar as mulheres e tentar entendê-las, me considero feminista. Defendo suas causas, quero ouvir suas vozes, me solidarizo com o sofrimento que via e vejo de perto na Periferia – mães que trabalham e cuidam da casa sem companheiros, seus filhos sem pais – fui um deles.

Ao longo do tempo, apesar da autoavaliação favorável, percebi que dentro de mim ainda encontro resquícios do Machismo sob o qual foi formada a sociedade brasileira patriarcal. É difícil escapar a paradigmas que impregnam cada trama do tecido com o qual vestimos nossos corpos mentais. Volta e meia, me pego vagando entre conceitos e preconceitos, não apenas com relação às mulheres assim como a outras “minorias” – designação estranha para definir grupos numerosos, porém distantes do poder de expressão.

Tenho tentado reavaliar a concepção do Machismo sob uma nova ótica, que valorize o homem como coparticipante da cidadania, diferente daquela que preconiza sua propalada supremacia sobre a mulher. Porém, para a maioria dos machos, o Feminismo é considerado um ataque frontal à sua posição de governante supremo. Uma tentativa de inverter a dinâmica natural das relações humanas.

De outra parte, o Feminismo é visto com desconfiança por muitas mulheres, sendo comum observá-las tecendo críticas àquelas que protagonizam movimentos-ações que buscam elevá-las no concerto social. De muitas formas, se apropriam de perfis machistas para isso – sugerem que sejam ações não femininas, como se fosse um critério que desvalidasse a luta pela igualdade. Percebo a alegria de muitos homens ao testemunharem mulheres a competirem entre si. Alguns, se não apostam, contribuem ativamente para que isso ocorra. Em suas bocas, caberia perfeitamente a máxima de César: “Dividir para conquistar”. Ainda ouço reverberar em meus ouvidos a voz de meu pai: “O pior inimigo de uma mulher é outra mulher…”.

O que muitos homens e mulheres não entendem é que o Machismo bebe da mesma fonte que gera a dominação de umas pessoas sobre as outras, ao considerarem como inferiores os diferentes – fora do padrão – por religião, ideologia, moda ou construção social. Muitos, se comprazem em compensar a humilhação que sofrem por parte dos “superiores” ao agredirem outros em situação de fraqueza em relação a si. De fato, alguns “peões” se sentem soberanos ao prejudicarem um igual, muitas vezes agindo de forma mais “realista” e cruel que o próprio “Rei”.

A percepção do quanto nos sentimos desgovernados, fica evidente ao vermos uma tempestade se aproximar no horizonte, montada por um Cavaleiro do Apocalipse, recebido com amplo apoio de setores que ele já demonstrou menosprezar, somada a mal-informação-bem-formada. Esse representante do vazio democrático, arroga que governará nosso País à base da bala e da violência. Faz declarações porco-chauvinistas – o termo é antigo, mas as ideias relativas a ele parecem se renovar – olha, com desdém às mulheres, extra gêneros, negros e despossuídos como passíveis de se sentirem acuados por suas condições pessoais especiais.

Parece que o mundo está a dar voltas para trás, como quando o Super-Homem voou à velocidade da luz em sentido contrário à rotação da Terra para fazer voltar o tempo… Licença poética que se justifica apenas na ficção. Caso realmente acontecesse, tal movimento causaria a destruição da vida no planeta. Internamente, alguma força, talvez nascida no âmago dos seres ordinários que somos, está a causar o fenômeno de reversão – uma pobre contrarrevolução – associada a uma translação em torno de um sol sem brilho. Vivemos tempos sombrios…