13 / 03 / 2025 / Considerações Sobre O Amor

Os humanos são seres que desenvolveram civilizações buscando o equilíbrio nas condições de sobrevivência da espécie. Os primeiros grupos eram nômades e foram se tornando sedentários conforme se fixaram à terra. Implementaram a agricultura, criaram sistemas de proteção-dominação, uniram-se em grupos que separavam os seus companheiros em estâncias – famílias, amigos, colegas, subordinados, senhores. 

Desenvolveram religiões, cânones de fé – criados à suas semelhanças, aparando arestas – desenvolvendo comportamentos, tarefas e proibições. O prazer e o riso tornaram-se vigiados. Fecharam-se em grupos menores aos quais foram se amarrando em laços de afeição e rejeição, confundiram os sentimentos e as emoções. Tentaram controlar mentes, desejos, preferências, identidades, funções, destinos – o fluxo vital. 

O Amor foi se apequenando. Individualizado, cercado de nacionalidades, línguas e linguagens, significados e significantes, a maior coisa que existe tornou-se um anátema, origem de maldições e excomunhões, a depender de quem, a quem ou ao que declarasse. 

A supor que as frequências ondulantes no Nada em determinado instante se concentraram e deram origem à expansão do Universo, o Amor surgiu como uma força original – criadora e “destruidora”. Como a morte, a destruição é apenas uma faceta da sempiterna transformação. O poético é que não há fim previsível e, ainda que haja, a ciência desse fim é irrelevante. Mesmo o Nada, é Amor.

O que proponho igualmente é improvável. A minha percepção é que apesar de todo o ódio que rege a História humana, cada gota de Amor acaba por sustentar a nossa existência. Uma espécie de “cola” que cimenta a nossa permanência neste planetinha.

Que essa totalidade não pareça um milagre da Vida é muito estranho para mim. Onde veem o inóspito, eu vejo possibilidade; onde consideram deserto, eu encontro função; onde encontram sofrimento, percebo aprendizado; onde determinam a raridade, eu aceito a afirmação.

Num dado contexto de minha existência percebi que a maneira como dirigimos o nosso olhar, estabelecemos uma conexão com variadas possibilidades de ser. Há quem aceite algumas referências como irrefutáveis. O pior é quando se começam a comparar dados materiais como se fossem aferições de nível de felicidade. Neste âmbito, entra o Amor compartimentado – amores, amorzinhos, afeições, paixões, simpatias – e contrários.

O Amor é sensível quando estamos desvestidos de tantas precauções arregimentadas durante anos de vivência sob determinadas estruturas sociais – muralhas de segregação. Normalmente porque confundimos os graus da expressão amorosa. Separar o joio do trigo é quase um segredo.

Ao abrirmos o coração, sofremos reveses, crescemos em prevenção, buscamos refúgios. A busca da perfeita sintonia só se dá quando ignoramos o medo, inimigo da verdadeira entrega. Algo que a roupa que trajamos – o corpo – só atrapalha, mas que ainda é o meio pelo qual o conhecemos e o sentimos, vivemos ou morremos por ele neste mundo material.

Foto por George Becker em Pexels.com

07 / 01 / 2025 / Algo

Essa imagem é como se fosse a mistura do movimento vago com o vazio produtivo. Costumo ficar algum tempo a especular sobre o Nada, gestor de Tudo. Se não faz sentido, não é para fazer. Porque pouca coisa faz. A não ser que escolhamos brincar com as possibilidades do que forjamos como realidade. As notícias confirmam a contradição entre o que achamos que somos e o que fazemos, denunciando a mentira que nos habituamos a divulgar como perfil. Albert Camus já dizia que o pensamento falseia a nossa condição, mas as emoções não. A Alma é conspurcada pelo corpo, ao mesmo tempo que o corpo seduz a Alma. Para alçarmos voo, devemos deixar a gaiola para trás, ainda que a carreguemos. Por Medo. Nossa maior prisão.

O Genocídio

Mulher Yanomâmi sendo pesada por uma assistente da força tarefa para atendimento de saúde

À vista das imagens divulgadas mostrando o estágio dos efeitos causados pela desnutrição entre vários membros do povo Yanomâmi – crianças, mulheres, homens – fiquei como que paralisado de horror. Como foi que chegamos a esta situação? Tragédia anunciada há tempos, nos últimos quatro anos, sem medo de errar, virou política de Estado empreendida pelo ex-presidente e futuro presidiário (se houver justiça), ao qual chamo de Ignominioso Miliciano. Vinte e um ofícios de ajuda e tomada de medidas para impedir o morticínio, enviados às várias instituições da administração federal, foram solenemente ignorados.

Ao longo de seu comportamento na vida pública há indicação de um padrão macabro, inicialmente em palavras, depois transformadas em atos quando chegou ao poder. Esse ser humano que festejou a morte de Marielle Franco, antes já havia elogiado o torturador Ustra na votação do impedimento indevido da ex-presidente Dilma Rousseff. Esse tipo defendia a morte de pelo menos 30.000 brasileiros na época da Ditadura Militar – que perdurou de 1964 até 1985. Essa mesma pessoa defendeu a imunidade de rebanho na Pandemia de Covid-19, adiando a compra de vacinas, o que resultou na morte de pelo menos 300.000 pessoas a mais do que a média populacional, de acordo com a projeção de vários cientistas sanitários. Esse ser abjeto liberou a compra indiscriminada de armas de fogo sob a alegação de que o cidadão tem o direito de se defender. A grandíssima maioria dos artefatos caíram na mão de milicianos e de outros grupos criminosos.

Associado a interesses de políticos e mineradores – “follow the money” – de Roraima e de fora desse Estado e até do Brasil, não foi difícil para o Ignominioso Miliciano (a milícia carioca o patrocina) decidir pela destruição da floresta onde vive o povo Yanomâmi. Sem se importar com os 30.000 originários da região, incentivou a invasão de 20.000 garimpeiros que envenenaram os rios das terras indígenas, a ponto de causar a mortandade dos habitantes nas quase 200 aldeias. Os outros habitantes do resto de Roraima apoiaram fortemente a política de morte do elemento, delegando a ele 76% dos votos na última eleição. Tal crime hediondo não poderia ser praticado sem tantos cúmplices.

Estava assistindo a um filme em que o personagem comenta sobre o comportamento de poderosos que subjugam e exploram as outras pessoas, sem se importar com o mal que produzem. Ao contrário, se julgam acima das outras criaturas que, no entanto, segundo as Escrituras Sagradas são seus semelhantes. No caso dessa personagem brasileira que promove morte e terror entre seus semelhantes, não há semelhança entre as pessoas em direitos. Defendendo a instauração de uma “elite” homogênea e hegemônica – racista, machista, misógina, homofóbica –, através de um discurso difuso e atabalhoado, incorpora uma linguagem messiânica. Ataca àqueles que propõem a diversidade como signo de vida, agregando seguidores de seitas cristãs que passam por cima da Palavra de Cristo. Suas palavras inspiram o medo, a discordância, a ojeriza aos pobres, a violência e a destruição.

Eu já o associei a um dos Cavaleiros do Apocalipse. Para os milhares de mortos ao longo do seu (des)governo, que tiveram as suas vidas ceifadas por influência direta de sua estratégia fascista de direção, o fim realmente se precipitou.

Um Domingo

um domingo este domingo
início de um dezembro indeciso decisivo
final do 22 que já foi 17 que devia ser zero
vou à academia castigar o corpo
que não carpe não planta não colhe
sem atividade funcional funciona
apenas para comer imposição de viver
ingerir beber se alimentar excretar
fazer a roda viva do chico girar
pelo celular as minhas velhas canções
algumas parece que ouço pela primeira vez
porque o mundo é outro ainda sendo o mesmo
cíclico atemporal o tempo é rei de gil guru
“não me iludo tudo permanecerá
do jeito que tem sido
transcorrendo transformando
tempo e espaço navegando
todos os sentidos”
quantificando a física enquanto tento
qualificar a minha expressão física de estar
a minha curiosidade em continuar viver
pode se confundir com medo
mas não a curiosidade é a mesma em fenecer
dois dias antes “descobri” que a vacina faz mal à saúde
um companheiro de trabalho me “informou”
palavra de seu pastor como não acreditar?
crê que a ciência que desenvolveu seu instrumento de trabalho
é a mesma que mata em doses e contradições
algumas entre tantas como discernir?
qual o grau de claridade clarividência clareza
que nos faz ter certeza de sua certidão?
pobre rebanho sem rumo
caminho pelo caminho calçado que contorna
uma árvore se fosse direto feriria a grama
o caminho reto nem sempre é o correto
retorno depois de fazer o corpo suar
havia prometido a mim
doar para uma preta senhora magérrima
em situação de rua ela e seus cães
residentes da marquise
da loja de pets hoje fechada quando abre
desloca seus trapos e restos de um lado
para o outro da avenida
dorme sob chuva sol nuvens lua e estrelas
sem porta janela muro teto
livre
enquanto nos cercamos de medidas protetivas
não a encontro somente seus companheiros de quatro patas
doam companhia à sua solidão
proteção ao entulho que ela venderá
volto para a casa almoço
a imagem da senhora dando restos de comida
para as criaturas irmãs de sua confraternidade
me invade me devasta
volto pelas ruas passeio por minha consciência
quão são reais nossas existências?
eu a encontro sentada entre os seus
me aproximo de seu olho esquerdo esbranquiçado
estendo a mão envergonhado
ofereço uma nota de cinquenta reais
aceita por favor?
como a pedir alivia minha dor?
sorri um sorriso choroso de idade indeterminada
nossa! obrigado moço!
devo ser tão velho quanto ela
fujo da minha emoção

aceno sem olhar para trás.

B.E.D.A. / Veredas

Há quem garimpe a vida toda
em busca da pedra preciosa
e nada consegue,
a não ser restolhos —
poeira sem peso, pedregulhos
e o espinho da rosa.

Há quem se perca pelo caminho
e encontra a curva perfeita,
a reta para o coração,
topa com a pepita na terra aflorada,
um beijo perfumado
da inesperada boca da amada.

Há quem beba da água mais limpa,
desconhece a insipidez do ódio,
a tibiez da voz monocórdica,
desfila sem saber o que é medo,
canta a alegria e recebe amor,
mas é infeliz…

Há quem consiga fazer correr o sangue,
sabe estimular a troca e a revolução
apaixonada a bandeiras despregadas.
Quaisquer cores são suas,
o trânsito em cada rua tumultua,
segue o fluxo descontínuo,
arremeda o certo com o incerto,
mente verdades e constrói sendas
e, entre incensos, insensato,
trapaceia.
Vence.
É herói.

As veredas da existência são insinuantes,
indeterminadas, cheias de vieses
feito terminações nervosas,
crescentes na infância e na juventude,
esclerosadas na velhice.
Viver é bom. É ruim.
Como doença progressiva no coração da Terra,
somos bestiais seres da guerra.
Matamos e morremos.
No meio de tudo isso, vivemos…

Participam do B.E.D.A.:
Adriana Aneli
Cláudia Leonardi
Darlene Regina
Lunna Guedes
Mariana Gouveia
Roseli Pedroso