BEDA / Scenarium / Tesão*

TESÃO
PECADO ORIGINAL “Adão e Eva” (1504), de Albrecht Dürer: no último segundo de inocência

Tesão – eis uma palavra que deveria definir os nossos atos, desde os mais comezinhos até os mais importantes. De certa forma, com tesão, qualquer ação se torna importante. Quando ouvimos a palavra “tesão”, normalmente a relacionamos ao sexo. Quando era mais jovem, no tempo que ainda não havia tido contato físico com mulheres ̶ virgem, enfim – escrevi um poeminha sobre o amor físico para um jornalzinho da faculdade que foi censurado (início dos anos 80, de chumbo) simplesmente porque terminava dessa maneira:

“Amar como um artesão
Com arte e tesão!”

Originalmente, tesão se referiria à tesura ou rigidez, ligada ao membro masculino quando ocorre a excitação sexual. Mas as mulheres também podem e devem usá-lo para designar a sua libido, mesmo porque, conquanto seja menos visível, ocorre a tesura de uma parte do órgão sexual feminino quando ocorre a excitação. No entanto, quero dizer que essa condição de desejo de satisfação plena, quase passional, deveria envolver todas as nossas ações, o que, obviamente, se torna praticamente impossível diante de todas as nossas solicitações sociais. Quantas não são as coisas que fazemos por pura e absoluta obrigação?

Trabalhar, por exemplo, na maioria das vezes, faz jus à sua origem etimológica, ao identificar um instrumento de tortura medieval. Pelo relato bíblico, fomos condenados a ganhar o pão nosso de cada dia com o suor de nosso rosto, a partir do momento que o homem e a mulher primordiais descobriram o poder do tesão. Então, tudo que nos aparta da satisfação do prazer, é identificado como algo ruim, incluindo o trabalho. No entanto, será pelo trabalho que buscaremos os recursos para satisfazermos os nossos “tesões”, ampliando a aplicação do termo para além do regozijo sexual. O mecanismo pelo qual buscaremos a associação do tesão com tudo que fizermos, incluindo o trabalho, é de origem mental. É um exercício que nos trará satisfação plena em tudo (ou quase tudo) que realizarmos. Entretanto, se bem que bonito na enunciação, nunca será algo fácil de ser concluído. O que não deixaria de ser plenamente satisfatório.

De certa maneira, identificamos a busca pela facilidade como sinônimo de felicidade. Eu, pessoalmente, identifico a dificuldade como algo estimulante. Seria como se alegrar por ultrapassar os níveis de um videogame, se bem que eu não jogue. Porém, jogar virtualmente tem alcançado, cada vez mais, sucesso em todas as faixas etárias, exatamente porque podemos sempre recomeçar do zero, sem maiores prejuízos emocionais. Por que não buscarmos essa premissa para o que fazemos na vida real? Portanto, para mim, o tesão é uma força primordial que deve ser utilizada plenamente em todas as nossas ações.

Muito se fala no sexo tântrico, que ampliaria a fruição sexual por períodos mais longos, em termos de horas e até dias. Essa sensação se daria a partir do estímulo vinculado a uma pessoa em correspondência. Mas poderíamos expandir essa concepção para as ações de nossa existência, estabelecendo uma conexão vital com todas as coisas e seres do mundo. E que estaria mais vinculado a si mesmo do que a alguém em especial. O que talvez nos impedisse seria o ciúme, sentimento menor, relacionado ao egoísmo, condição básica que faz com fiquemos andando em círculos, nos prendendo e prendendo a outros em redomas bem construídas e quase inexpugnáveis. O nosso gozo só é chancelado socialmente por intermédio de um único ser. O que não impede que escapemos, aberta ou furtivamente, para exercê-lo em privado, longe dos olhos do grupo social, com mais de uma pessoa ou em ações solitárias que nos traga satisfação. No meu caso, a minha masturbação é escrever.

O estabelecimento de um “quarto privativo” em que se desenrolaria o exercício do tesão pode ser concreto ou mental, contudo, na maioria das vezes, é secreto. Diante da situação em que a liberdade em sentir tesão é invejada e condenada por quem não consegue senti-la substancialmente, advém a construção da mentira. Mentir torna-se uma arma usualmente utilizável e, de certa maneira, justificável. Se todos nós tivéssemos a liberdade de exercer o tesão abertamente, as bases sociais pelas quais vivemos seriam abolidas e, não por outro motivo, as leis que existem para prender os humanos na mesma amarra, deixariam de ter fundamento, sendo totalmente combatidas qualquer iniciativa que nos propiciassem escaparmos dessa prisão. Enquanto isso não ocorre, nos fechamos em copas para protegermos o nosso tesão. A instituição do tesão como base de nossa existência, eventualmente, inauguraria a civilização do bem estar, onde o amor reinaria e viveríamos a plenitude de ser. Que, um dia, assim seja!…

*Texto de 2015

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana AneliClaudia LeonardiDarlene ReginaMariana Gouveia

Lunna Guedes

Um Menino

Aos 14 A
Está foto do menino foi tirada aos 13 anos. Porém, o seu sentimento permanecia o mesmo…
Conheci um menino que, por volta dos oito ou nove anos, recebeu a informação, por coleguinhas mais velhos, que a maneira mais comum de fazer amor com uma mulher, seria frente a frente. A principal preocupação do menino passou a consistir no fato de que teria que fazer algo tão íntimo olhando nos olhos da pessoa que viesse a namorar.
Aquela possível futura situação realmente o deixou estarrecido. Percebeu que não teria condições psicológicas de realizar aquela proeza. Seria tão fácil, pensou, se fosse apenas como os cachorros fazem, que era o modo que conhecia, pelo que via nas ruas…
Aliás, olhar nos olhos de outra pessoa era a coisa mais difícil de sua vida. Como igualmente enrubescia com a ideia de que alguém estivesse o observando. Tentou sempre ficar nos fundos ou nos cantos das salas de aula que frequentou. Essa atitude o favoreceu como um observador dos movimentos humanos e passou a sentir prazer em desenvolver esse talento materializando-o no papel. Tentava passar despercebido de todos, mas cedo percebeu que algumas de suas habilidades, passava a posicioná-lo no centro das atenções. Logo, passou a disfarçá-las, para melhor se esconder.
Lidar com as meninas, então, era o pior dos mundos. Elas o fascinavam ao mesmo tempo em que o deixavam paralisado. Gostava tanto delas, que preferia colocá-las na segurança de um pedestal, idealizadas como modelos de perfeição. O menino lembrou-se de quando começou a se apaixonar, à mesma época da descoberta sobre o intercurso frontal entre as espécies.
Primeiro, se apaixonou pela menina mais bonita da escola, depois pela mais desengonçada que, no entanto, gostava de seu melhor amigo. Aliviado por não ser o alvo daquela paixão, serviu alegremente de pombo-correio entre os dois. Mais um pouco, percebia que dava preferência às meninas comprometidas. Isso, o impedia de vir a querer se aproximar delas com intenções amorosas, já que seguia a rígida etiqueta da amizade entre os homens – “poderá até cobiçar a namoradinha do próximo, mas nunca deverá convidá-la para sair”.
No decorrer dos anos, o menino que conheci conseguiu, paulatinamente, mas com muito esforço e sofrimento, superar a sua mórbida timidez. Casou, teve filhas, mas apesar disso, nunca chegou a entender inteiramente as mulheres, mesmo as tendo constantemente por perto. Ou até por isso mesmo… Em suma, elas continuavam a fasciná-lo enormemente.
Se ele me pedisse um aconselhamento e se ele não estivesse tão longe no tempo, pediria covardemente que nunca se aproximasse das meninas, nunca se envolvesse emocionalmente, nunca se apaixonasse por elas. Porém, advertiria também que ele perderia o melhor da viagem. Os altos e baixos do relevo, as curvas perigosas da estrada e a paisagem sempre inesperada. Diria ainda que podemos morrer por elas, no entanto é por elas que devemos viver.

BEDA / Scenarium / Reconciliação

RECONCILIAÇÃO

Naquele dia, acordei muito triste. Já pensava em como aquele sentimento poderia me ser útil na conversa sobre a última briga que tivemos. Isso e também dois pequenos cortes em minha perna causados pelos estilhaços provocados pelo copo jogado em minha direção que se espatifou no piso, após uma altercação com ela e minhas duas filhas.

Tudo começou quando eu admoestei a mais nova por não ser previdente ao planejar com antecedência os seus interesses, deixando para a última hora assuntos que, no final das contas, eu me sentia na obrigação de resolver. Quando percebi que teria que usar o tempo livre de que dispunha, já escasso, para me dedicar àqueles pequenos problemas, comecei a ficar irritado, o que fez com que a minha voz saísse embalada por tons cada vez mais aumentados a cada frase.

Passei a vociferar contra a imprevidência da caçula, quando a mais velha começou a defender a irmã. Era uma situação em que eu usava uma força desmedida para a pouca gravidade do motivo. Mas jogar o copo de suco em minha direção talvez não dissesse respeito apenas àquela briga. Alguma outra coisa mais parecia estar por trás daquele ataque da minha mulher.

De alguma forma, aquela ação poderia ser usada para tornar a minha retórica mais emocional quando a confrontasse – ela me atacou naquele dia tão “importante”. A tensão começou antes, quando já havia discutido igualmente com a caçula, pelo desdém que demonstrara ao ter que comparecer à cerimônia de minha premiação. Nas duas ocasiões, devo ter me aproximado um pouco mais do sentimento que assomava a meu pai quando, em vez de estar salvando o mundo do Capitalismo, ele era forçado a fazer frente às pequenas necessidades de seus filhos, sempre tão solicitantes. A diferença entre mim e ele, é que por mais que esperneasse, eu sempre estaria presente.

Tanto minha mulher quanto eu não conseguíamos ficar tanto tempo sem sexo e por mais que quisesse puni-la com a minha abstinência, bastava que ela apresentasse uma atitude mais receptiva para que eu me deixasse levar por meus impulsos Eu já lera em algum lugar que temos uma cota de autocontrole que podemos suportar. Em algum momento, falhamos em manter uma disciplina férrea sobre todos os aspectos da vida. Além disso, deixando de fazer sexo, punia a mim mesmo.

Foi o que aconteceu no dia do quebra-pau. Contava que o sono e o cansaço me vencesse antes que acontecesse qualquer coisa. O sono não veio e como ela reclamou do frio, apesar das três cobertas que usava, me aproximei de seu corpo por trás, para aquecê-la. Costumeiramente, deitávamos nus. Dentro de instantes, o meu desejo começou a se manifestar. Contra a minha vontade, a lubricidade comandou meu pênis. Mais um pouco, pus-me a cutucá-la por trás, que iniciou um leve movimento de aceitação. Levantei-me, fechei a porta do quarto à chave e impetuoso, arranquei as cobertas e puxei para a beira da cama. Eu a pus apoiada sobre os joelhos-mãos e, sem preliminares, a invadi encontrando um percurso intensamente lubrificado. Alguns minutos depois, em movimentos cada vez mais frenéticos, irrompi em um gozo-fluxo estupendo e surpreendente. Deitada de bruços sobre a cama, o meu corpo sobre o seu, percebi que começou a chorar baixinho até cair em francas lágrimas. Enquanto eu, egoísta e vaidoso, pensava em como fora perfeito – ejaculei na hora certa e havia demonstrado uma perfeita sincronia de tempo e impulsividade.

– O que foi, querida?

– Eu não gosto de brigar com você! Não gosto quando você maltrata a mim e às meninas… Quando fica irritado por coisas tão pequenas, sinto que algo o incomoda, que você não está satisfeito com o nosso casamento e família. Que falta alguma coisa para que você seja feliz…

Com certeza, havia um problema. Como alguém que não acredita na felicidade pode ser feliz? Não, naquelas condições, aprisionado ao corpo que tinha, ao tempo que vivia, com os compromissos que aceitei cumprir, preso à armadilha a não ser eu mesmo, a falsear a minha conduta…

Completou:

– Eu não gostaria de me sentir tão presa a você, tão dependente…

Com a convicção de quem exprimia a verdade daquele momento, a interrompi:

– Eu te amo, querida!

– Eu também te amo! – respondeu.

Como eu gostaria de acreditar nela…

Sem dizer mais nada, seu choro definhou até cessar em um forte ressonar. Adormeceu. Deitados de lado, lambuzados e colados um ao outro, a acompanhei para a escuridão sem sentidos…

 

Beda Scenarium

BEDA / O Desamado

DESAMADO
Amanhecer fogoso…
O sol assoma no horizonte,
impetuoso…
fulgurante…
No entanto, para o desamado,
os seus raios não apenas queimam,
mas penetram, feito adagas,
a golpearem o seu corpo cheio de chagas…

Aturdido, o desamado
não compreende como pode tanto amar
e se ressentir tanto
de quem ama…
Padece por estar longe…
Quando por perto, é repelido
e sofre por ver seu amor desperdiçado…

A quem ama,
também o amou…
Ou talvez ainda o ame…
Mas viveu outras histórias de paixão
que machucaram o seu corajoso coração,
tão bravo que insiste em se apaixonar de novo…
Precisa se sentir plena e ímpar,
não apenas distinta entre todas,
mas única e soberana,
feito uma leoa na estepe…
Qualquer olhar lateral a faz desconfiar,
a remete às presas fendidas,
às paixões perdidas…

Como defesa,
prefere boicotar o amor,
substituir a sofreguidão pelo corpo do amado
por outro vício –
cigarro, bebida, sexo sem sentido, qualquer droga…
Afastar o desejo por aquele que a fere sem querer –
o triste desamado, que naufraga
em sua santa ignorância
inepta e juvenil…

Dependente

 

DEPENDENTE - 1

Pelos profundos olhos azuis de Boy George,
vi passar minha juventude,
rasa,
sem viver de amores praticados
com garfo e faca…

Apenas imaginava cenas de sexo sem meio e nem fim,
somente início…
Me masturbar tornou-se um vício,
randômico e contínuo,
sem saciedade…

Quando conheci o sexo real – concretude,
cheiros, fluidos, sons – nada pareceu ser verídico.
Não que isso fosse ruim – sonhava acordado –
corpos vaporizados,
desfeitos pelo prazer…

A diferença sólida
é que as sensações perduram,
ganham direção e sentido – o bom vício
de ter alguém a quem amar –
me tornou dependente de viver…