Naquele dia, acordei muito triste. Já pensava em como aquele sentimento poderia me ser útil na conversa sobre a última briga que tivemos. Isso e também dois pequenos cortes em minha perna causados pelos estilhaços provocados pelo copo jogado em minha direção que se espatifou no piso, após uma altercação com ela e minhas duas filhas.
Tudo começou quando eu admoestei a mais nova por não ser previdente ao planejar com antecedência os seus interesses, deixando para a última hora assuntos que, no final das contas, eu me sentia na obrigação de resolver. Quando percebi que teria que usar o tempo livre de que dispunha, já escasso, para me dedicar àqueles pequenos problemas, comecei a ficar irritado, o que fez com que a minha voz saísse embalada por tons cada vez mais aumentados a cada frase.
Passei a vociferar contra a imprevidência da caçula, quando a mais velha começou a defender a irmã. Era uma situação em que eu usava uma força desmedida para a pouca gravidade do motivo. Mas jogar o copo de suco em minha direção talvez não dissesse respeito apenas àquela briga. Alguma outra coisa mais parecia estar por trás daquele ataque da minha mulher.
De alguma forma, aquela ação poderia ser usada para tornar a minha retórica mais emocional quando a confrontasse – ela me atacou naquele dia tão “importante”. A tensão começou antes, quando já havia discutido igualmente com a caçula, pelo desdém que demonstrara ao ter que comparecer à cerimônia de minha premiação. Nas duas ocasiões, devo ter me aproximado um pouco mais do sentimento que assomava a meu pai quando, em vez de estar salvando o mundo do Capitalismo, ele era forçado a fazer frente às pequenas necessidades de seus filhos, sempre tão solicitantes. A diferença entre mim e ele, é que por mais que esperneasse, eu sempre estaria presente.
Tanto minha mulher quanto eu não conseguíamos ficar tanto tempo sem sexo e por mais que quisesse puni-la com a minha abstinência, bastava que ela apresentasse uma atitude mais receptiva para que eu me deixasse levar por meus impulsos Eu já lera em algum lugar que temos uma cota de autocontrole que podemos suportar. Em algum momento, falhamos em manter uma disciplina férrea sobre todos os aspectos da vida. Além disso, deixando de fazer sexo, punia a mim mesmo.
Foi o que aconteceu no dia do quebra-pau. Contava que o sono e o cansaço me vencesse antes que acontecesse qualquer coisa. O sono não veio e como ela reclamou do frio, apesar das três cobertas que usava, me aproximei de seu corpo por trás, para aquecê-la. Costumeiramente, deitávamos nus. Dentro de instantes, o meu desejo começou a se manifestar. Contra a minha vontade, a lubricidade comandou meu pênis. Mais um pouco, pus-me a cutucá-la por trás, que iniciou um leve movimento de aceitação. Levantei-me, fechei a porta do quarto à chave e impetuoso, arranquei as cobertas e puxei para a beira da cama. Eu a pus apoiada sobre os joelhos-mãos e, sem preliminares, a invadi encontrando um percurso intensamente lubrificado. Alguns minutos depois, em movimentos cada vez mais frenéticos, irrompi em um gozo-fluxo estupendo e surpreendente. Deitada de bruços sobre a cama, o meu corpo sobre o seu, percebi que começou a chorar baixinho até cair em francas lágrimas. Enquanto eu, egoísta e vaidoso, pensava em como fora perfeito – ejaculei na hora certa e havia demonstrado uma perfeita sincronia de tempo e impulsividade.
– O que foi, querida?
– Eu não gosto de brigar com você! Não gosto quando você maltrata a mim e às meninas… Quando fica irritado por coisas tão pequenas, sinto que algo o incomoda, que você não está satisfeito com o nosso casamento e família. Que falta alguma coisa para que você seja feliz…
Com certeza, havia um problema. Como alguém que não acredita na felicidade pode ser feliz? Não, naquelas condições, aprisionado ao corpo que tinha, ao tempo que vivia, com os compromissos que aceitei cumprir, preso à armadilha a não ser eu mesmo, a falsear a minha conduta…
Completou:
– Eu não gostaria de me sentir tão presa a você, tão dependente…
Com a convicção de quem exprimia a verdade daquele momento, a interrompi:
– Eu te amo, querida!
– Eu também te amo! – respondeu.
Como eu gostaria de acreditar nela…
Sem dizer mais nada, seu choro definhou até cessar em um forte ressonar. Adormeceu. Deitados de lado, lambuzados e colados um ao outro, a acompanhei para a escuridão sem sentidos…
Tem um pequeno erro no terceiro paragrafo…
Agradeço a observação, minha prestimosa editora! Já corrigi, incluindo um outro que também observei. Bacio!