Pindorama foi invadida por portugueses em 1500 AD. Encontrou povos que andavam nus e disso não davam conta porque era assim que as suas culturas se expressavam. Na terra “onde se plantando tudo dá”, segundo Pero Vaz de Caminha, o mesmo que aproveita da carta enviada ao Rei de Portugal para versar sobre o novo território, pede um emprego para o irmão. E assim, o registro do encontro, alcunhado de “descoberta” inaugura igualmente o compadrio que marca o nosso comportamento institucional até hoje.
Como o nosso litoral estava apinhado de uma árvore que tinha o caule em brasa, os moradores que aqui se instalaram, foram chamados pela profissão dos que extraiam a madeira — brasileiros. Ou seja, a nossa nacionalidade está vinculada à uma função e parece que desde então, valemos por nossa capacidade de gerar lucro. Assim como a tinta gerada pelo pau-brasil, de cor avermelhada, muito apreciada pela a nobreza e pelo clero. Para que essa produção lucrasse mais, decidiram escravizar os gentios da terra. Continuou quando houve a incrementação dos engenhos de cana-de-açúcar, que criou uma classe abastada o suficiente para incentivar a Metrópole Colonial a criar as Capitanias Hereditárias, quase como instituir uma espécie de semi-reinos autônomos de certos pressupostos.
O problema para os Senhores de Engenho e governadores das Capitanias era que os originários de Pindorama morriam como moscas. Não estavam acostumados a usarem a força física de maneira a produzir qualquer coisa, a não ser objetos de uso imediato como adereços e peças como potes, cumbucas, redes, lanças, arcos e flechas. Dessa forma, houve a ideia de trazer homens africanos, escravizados, que tinham uma capacidade física bem mais desenvolvida, além de mais adaptados ao trabalho pesado. Como “compensação” desse novo empreendimento, os lucros gerados pelo aprisionamento, transporte e venda de escravizados gerou um negócio incrivelmente lucrativo. Assim como hoje, apesar de proibido. Ao lado da venda de armas e de tóxicos.
Mas há quem proponha que o escravismo exista de maneira aberta e institucional. Chegou a mim um vídeo de um moderno “Senhor de Engenho” — CEO de alguma empresa — que disse que uma hora de almoço, como indica a legislação, é tempo demais. Que o próprio funcionário poderia querer abrir mão desse tempo excessivo e almoçar apenas em 15 minutos. Fato testemunhado por ele nos EUA em que um operador de máquina comia o lanche com a mão esquerda enquanto operava a máquina com a mão direita.
Essa escravidão consentida pelo escravizado já existe de forma velada. Aceitamos um sistema de trabalho em que não temos tempo de descanso suficiente para descansar por vários fatores — tempo de deslocamento, horas trabalhadas, sistema 6 X 1, 40 horas de função in-loco. Tem crescido o modulo de Home Office que também acaba por absorver um tempo maior de atividade porque a demanda de trabalho é cumulativa.
O Brasil viveu quase 400 anos de modelo Escravista desde a sua criação como nação. É uma marca estrutural tão profunda na gênese de nosso povo que mentalmente estamos pensamos tendo essa concepção de mundo como plausível. Eu, pessoalmente, trabalho como autônomo, e muitas vezes ultrapasso com facilidade as 40 horas de trabalho semanais. É uma opção, mas com tendência de diminuição por questões de saúde física e mental. Enfim, posso fazer isso depois de mais de 30 anos de atividade autônoma, com o profissionalismo que deu a mim e a meu irmão, Humberto, meu sócio, essa chance de escolher com quem e quando trabalhar.
