BEDA / Mulher De Parar O Trânsito*

Estávamos no carro… em mão contrária a ela — que parou, enxugou o suor da testa e olhou em nossa direção. Eu me senti diretamente atingido por seu olhar. De repente, me vi intimidado pela força da cena que presenciávamos. Atrás de si, se estendia uma fila imensa de automóveis, que esperavam que ela se movesse tão depressa quanto possível, dada a sua condição. A mulher talvez tivesse quarenta anos, mas as mechas de cabelos brancos e desgrenhados denunciavam mais. Era magra, devia pesar uns 55 quilos e carregava pelo menos 200 quilos de papel, papelão, lata e plástico… na imensa carroça que puxava. Na verdade, como vinha do acentuado declive da primeira parte da Gal. Penha Brasil, sua tarefa — até aquele momento, em que chegava à parte plana — tinha sido segurar o peso na descida.

O movimento de automóveis naquela hora da manhã desse sábado estava bem intenso, tanto para subir quanto para descer… mas, a lentidão na mão para baixo era provocada por ela. No entanto, não se ouvia qualquer buzina impaciente, nem sequer um semblante tenso nos motoristas que a seguiam. Ao contrário: os paulistanos daquele pedaço da Zona Norte pareciam estar totalmente solidários àquela cidadã, que carregava o seu sustento pelas ruas irregulares. Imaginei que não se sentissem tão diferentes dela, em suas jornadas pessoais para ganhar o pão com o suor do rosto. Quiçá, não se achassem tão corajosos para enfrentar uma tarefa tão dura…

*Texto constante de REALidade, livro de crônicas lançado pela Scenarium Livros Artesanais, participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins / Cláudia Leonardi

5 thoughts on “BEDA / Mulher De Parar O Trânsito*

  1. Me fez pensar no trolebus que empaca nas ruas do centro e os motoristas não reclamam. Outro dia, no entanto, um infeliz enfiou a mão na buzina e a reação dos demais foi hilária. Um senhor desceu do carro e foi lá avisar que era preciso um pouco de calma da parte dele. E logo se juntaram outras pessoas para dizer a ele que aquela cena era um clássico paulistano.
    Claro que eu achei que era uma insanidade minha as dez da manhã. Real que não podia ser.
    Na Ibirapuera tem um casal que usa um veículo muito velho) para recolher papelão a 20km/h e ninguém reclama, mas ele faz isso antes das seis ou depois das nove. De qualquer maneira, respeitam-no.

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