
Carlos, em hora vaga, decidiu entrar na cafeteria para ler um pouco e saborear um cappuccino ou dois. Aproveitou a boa sorte do caixa livre. Fez o pedido, esperou menos do que esperava e se dirigiu ao segundo segundo andar. Sentou a um canto e mal pode abrir o novo lançamento da Scenarium – SADNESS – quando assomou a sombra de alguém logo na primeira página. Ao olhar em direção ao vulto, o passado o atropelou na faixa segurança, feito um caminhão desgovernado. Um tanto desconfortável, reconheceu Regina e se ergueu em sua direção. Estava tão linda quanto à época da faculdade.
Perguntou o que fazia por ali, enquanto a beijava de leve no rosto e a abraçava com força, como a confirmar a existência do fantasma vestido de saudade que o assombrou desde que quis se desencontrar dela. Regina respondeu, com aquele eterno sorriso entre brincalhão e escárnio, que sempre a categorizou: “Passava em frente, quando o vi subir as escadas… Como você está? Pelo jeito, bem! Está bonito…”. Ele nunca soube distinguir quando ela falava sério ou brincava. Sabia que não era mal-apessoado, porém diante dela, nunca conseguiu se sentir adequado.
Fazia sete anos que não a via. A última vez, ocorreu na festa de formatura do curso de comércio exterior. Viajou, logo após. Obteve uma ótima chance de aprimorar o inglês e de tentar fugir daquele sentimento que impedia de manter qualquer relacionamento com mais alguém. Naquele momento, mais confiante em si, tentou rapidamente compreender, na fração eterna de segundos que a olhava nos olhos, porque nunca se revelou apaixonado por ela. Mesmo depois de tanto tempo, voltava a ser o moço desengonçado. Não duvidava que ela soubesse do efeito que causava nele. Sempre suspeitou que gostava de brincar com ele, como a gata faz com o camundongo.
Na Austrália – outras vibrações, outra cultura – sentiu como se fosse uma muda transplantada em novo solo. Finalmente, se reconheceu outro. Lá, conheceu sua futura esposa, outra brasileira, Anna. Após dois anos, voltaram. No Brasil, casaram. Há um ano, chegou Bianco. Montaram apartamento na Santa Cecília. Estavam bem. Vidas sem sobressaltos e sem novidades no horizonte. Até voltar a ver Regina. Lembrou de Ono, um colega que se tornou escritor. Ele lhe falava sobre a Teoria de Tempo Intenso – quando tudo parece acontecer ao mesmo tempo, com força e intensidade inimagináveis. Foi assim que percebeu o quanto ainda a amava.
Mas, pela graça da boca de canto de sereia de seu amor, ela mesmo a salvou de cometer um desatino. Enquanto conversavam sobre o passado – em que enumerou as várias ocasiões em que ficou com boa parte de seus colegas – falou sobre César, então seu melhor amigo. Este, por saber de sua paixão por Regina, prometeu que nunca teria nada com o objeto de sua avassaladora paixão platônica. Ela, aparentemente sem saber desse acordo, falou que havia traçado o seu companheiro de quarto de pensão. Muitas vezes… Lá mesmo, enquanto viajava, em momentos intermitentes. César já não pertencia ao seu rol de amigos. Deu em cima de sua atual companheira, logo que a conheceu. Anna relatou o ocorrido e ele cortou a amizade. Naquela ocasião, imaginou que, eventualmente, tivesse ficado com Regina, apesar da promessa. Contudo, aquela “novidade” o arrasou como se tivesse acabado de acontecer.
Como por encanto, os olhos de Regina deixaram de exercer a imensa atração que levou muitos marinheiros à morte. O que Carlos não conseguiu se atentar foi que ela apenas começou a falar sobre o passado de tragadora de homens, depois que revelou que estava casado, com filho novo, casa montada. Depois de se perceber deixada, sempre desejou reencontrá-lo. Com ele, sempre se sentiu especial. Para ele, reservou o melhor de seus sentimentos. Depois de muitas cabeçadas, distinguiu claramente o que queria. Era Carlos. Como ele não participava das redes sociais, foi difícil localizá-lo. Descobriu onde trabalhava e aproveitou a ocasião propícia para encontrá-lo, por um desses “acasos” do destino. Sabê-lo bem, com outra mulher, filho e lar, a aniquilou. Quis se vingar.
Ao final do encontro, o sorriso de Regina se transformou em risco enrugado. O rosto de Carlos, transparecia autoconfiança. Outro beijo, mais leve e corpos descolados em um último abraço desajeitado. Ele disse que ficaria um pouco mais. Ela se retirou, carregando a dor pela falta que faria a perspectiva do amor do único homem que realmente já a interessou. Ele, voltaria para sorrisinho banguela de seu filho e o conforto seguro dos braços de Anna…