
Gilberto Gil foi um dos meus “Gurus” por muitos anos. O baiano que aprendi admirar ainda bem pequeno, com “Domingo No Parque” e “Aquele Abraço” e adolesci com “Expresso 222” e “Aqui E Agora”, foi se tornando um dos meus compositores favoritos. Algumas de suas músicas, além da beleza melódica e rítmica, me levavam a reflexões de fundo filosófico. Entre as várias pérolas que produziu está “Drão”. Na época (1982), não conhecia a exuberância de significados que continha, mas ainda assim, me emocionava profundamente. É como se eu fosse um cara experiente pedindo perdão por alguma coisa que tivesse feito com a minha amada e, no entanto, nunca havia sequer namorado, já que vivia desde os 17 anos a minha fase mais mística, que não incluía a companhia feminina, pelo menos fisicamente, já que as mulheres passeavam por minha mente, causando estragos irreparáveis em minha busca pela “iluminação”. (Risos).
A frase que me marcou definitivamente, dentre os primorosos versos de seu corpo, foi: “Deus sabe a minha confissão, não há o que perdoar, por isso mesmo é que há de haver mais compaixão”. O que me remeteu à ideia, expressada em dito popular antigo, que a minha mãe dizia sempre – “o que não tem remédio, remediado está” – e que igualmente desdobrou em que tentasse desenvolver a compaixão e a tolerância mais assiduamente do que muitos preceitos religiosos que utilizava como guias do meu caminho.
Muitos anos mais tarde, vim a saber que “Drão” fora escrita por ocasião da separação de Gil e Sandra (Sandrão / “Drão”), que fora casada com ele durante dezessete anos e com a qual veio a gerar três filhos: Pedro (morto em um acidente automobilístico, em 1990), Maria e Preta Gil. O episódio da morte de Pedro ganha contornos ainda mais dramáticos quando confrontado com a frase “os meninos são todos sãos” e eu, que me tornei pai de três meninas, vim a compreender mais agudamente a profundidade do que ele quis dizer.
“Drão” é a história de um amor romântico que se transformou em algo mais complexo, um amor maior, de vida, já que ambos, Gil e Drão, são amigos até hoje e mantêm laços indissolúveis. Além disso, esse relacionamento se desdobrou em inspiração que deixou como legado uma das músicas mais belas do nosso cancioneiro. Abaixo, reproduzo os versos que, aos 21 anos, me marcaram para o resto de minha jornada, além da referência ao vídeo de uma das interpretações mais emocionadas de Gil dessa composição.
“DRÃO
Drão, o amor da gente é como um grão,
Uma semente de ilusão,
Tem que morrer pra germinar,
Plantar nalgum lugar,
Ressuscitar no chão, nossa semeadura,
Quem poderá fazer aquele amor morrer,
Nossa caminhadura,
Dura caminhada pela estrada escura.
Drão, não pense na separação,
Não despedace o coração,
O verdadeiro amor é vão, estende-se infinito,
Imenso monolito, nossa arquitetura,
Quem poderá fazer aquele amor morrer,
Nossa caminha dura,
Cama de tatame, pela vida afora.
Drão, os meninos são todos sãos,
Os pecados são todos meus,
Deus sabe a minha confissão, não há o que perdoar,
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão,
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão,
Morre, nasce, trigo, vive, morre, pão …
Drão…”
Essa canção é realmente um primor de melodia e versos. Gil é um de meus preferidos também. Salve Gil!