BEDA / Scenarium / Faria Lima

Avenida Faria Lima. Um grande número de construções espelhadas se ergueu nestes últimos anos ao longo de seu trajeto. Em 2012, registrei a imagem desta — uma enorme e misteriosa — já que ainda não havia sido inaugurada. Na verdade, e diria — obviamente — é um grande prédio comercial. O projeto manteve ao centro da área construída uma velha casa preservada — podemos vê-la refletida no teto do arco retangular da construção — como se fora uma lembrança de priscas eras projetada no túnel do tempo…

Naquela região, ficava a Chácara Itaim. O ex-prefeito, corrupto e corruptor Paulo Salim Maluf teve a excelente ideia de estender a Avenida Faria Lima por dentro de um bairro tranquilo e arborizado, habitado por antigos moradores que ali viviam há décadas. Soube que a indenização paga a eles por cada casa corresponderia, no máximo, ao valor de 5m² atualizado. Além do ganho proporcionado ao município em termos de valorização do IPTU, à boca pequena divulgou-se que antes mesmo da queda dos últimos imóveis, as áreas já haviam sido reservadas a grandes empreendedores imobiliários, provavelmente em troca de futuras benesses.

A sanha paulistana em pôr no chão a nossa memória sempre foi baseada na especulação financeira que não respeita nada. Depois do antigo Centrão ser imobilizado em sua renovação física por lei, com o intuito de ter preservada a sua história, o dinheiro buscou a Avenida Paulista e desfigurou o refúgio dos Barões do Café, com seus casarões e espaços abertos, erguendo monumentos à grandeza econômica da cidade através de torres com antenas cada vez mais altas.

A Avenida Faria Lima foi o próximo alvo. Mais uma vez, a via que homenageava o prefeito responsável por boa parte da renovação urbanística de São Paulo, nos anos 60, foi eleita como o novo centro (do dinheiro) nervoso da cidade. Inicialmente participante de várias administrações anteriores como secretário, em março de 1965 foi eleito prefeito de São Paulo, promovendo o alargamento e duplicando, dentre outras vias, a Rua da Consolação, as Avenidas RebouçasSumaréPacaembuCruzeiro do Sul e Rio Branco. O antigo militar, Brigadeiro do ar, no fim de 1968 ingressou na extinta ARENA, partido que dava apoio ao governo de exceção.

A administração de Faria Lima notabilizou-se também por outras diversas obras que priorizaram o uso do transporte individual, entre elas a Marginal Tietê, a Marginal Pinheiros, Radial LesteVinte e Três de MaioRubem Berta, além de realizações nas áreas de saúde, educação, bem-estar social, etc. Foi durante este período que o serviço de bondes foi extinto em São Paulo, em 1967. Em contrapartida, começou as obras do Metrô, em dezembro de 1968. Entre outras intervenções no trânsito de São Paulo, Faria Lima iniciou a construção de uma via ligando os bairros de Pinheiros e Itaim Bibi. Após a sua morte, em 1969, a avenida, que se chamaria Radial Oeste, foi rebatizada de Avenida Brigadeiro Faria Lima.

Como Sampa é a própria metamorfose em forma de cidade, a ponto de quem vier a se ausentar por dois ou três anos não conseguir reconhecer seus novos percursos, o atual boom imobiliário se deslocou para a Marginal Pinheiros, nas cercanias da região. O cheiro forte do rio quase parado é impedido de entranhar às narinas dos ocupantes dos novos skylines “inteligentes” de negócios, hermeticamente construídos ao longo do curso invertido do Rio Pinheiros. O espelho d’água enegrecido reflete a longa linha de balizas envidraçadas em uma direção, enquanto do outro lado as antigas comunidades aglutinadas entre áreas verdes estão sendo expulsas gradativamente. Em seu lugar, condomínios de alto padrão assumem a posição, com muros altos e privacidade garantida.

Dessa maneira, São Paulo continua sua sina de cidade dos bandeirantes violenta, avassaladora, alienante, excludente, escravizadora e devoradora de corpos e almas.

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana AneliClaudia LeonardiDarlene ReginaMariana Gouveia

Lunna Guedes

5 thoughts on “BEDA / Scenarium / Faria Lima

  1. Ah… Sampa! São Paulo sempre foi meu pesadelo – Trânsito, barulho, confusão. Passei anos sem ir para lá, fugia. Me formei e as pessoas diziam “Agora, você deve ir para São Paulo, procurar emprego na sua área”. Eu? Não… Fiquei por aqui mesmo. Vez ou outra, visito a capital – um grande afeto meu mudou-se para lá e por isso, volta e meia, pego um ônibus e atravesso a serra… Agora, com a pandemia, chego a sentir falta desse caos…

      1. Conheço. Se fosse para morar em um lugar diferente de Sampa, seria a PG, onde a família tem uma casa, na Ocian.

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