Estônia, São Paulo / SP*

Parque Praia do Sol, junto à Estônia

stava na cozinha de casa, lavando a louça do lanche da tarde e recebi uma mensagem do João, português casado com uma estoniana, me pedindo um depoimento sobre o Bairro de Estônia, localizado em São Paulo. Estônia em São Paulo? Nunca ouvira falar… Mas, como respondi por mensagem – “São Paulo é uma cidade que absorve várias influências, de variados lugares e origens, algumas mais óbvias, outras mais sutis”. E completei: “Até eu fiquei curioso a respeito da ‘nossa’ Estónia. Não será exaustivo, antes prazeroso, conhecê-la de perto”.

Estônia fica no Bairro do Socorro (referente a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, uma das faces de Maria, mãe de Jesus), entre duas grandes represas, Guarapiranga e Billings, mananciais de água potável para a parte Sul da cidade de São Paulo. Estônia reflete a diversidade de influências que a cidade recebe das mais variadas origens e lugares. A começar pelos nomes das represas – Guarapiranga é um nome derivado do tupi-guarani, língua falada pelos habitantes do antigo aldeamento de índios Guaianás nas imediações de Santo Amaro, macrorregião à qual pertence o lugar citado. Significa barreiro, lamaçal, atoleiro de barro vermelho ou até madeira vermelha ou garça (guará) vermelha. Billings é o sobrenome do engenheiro americano Asa White Kenney, que idealizou o projeto do represamento do Rio Jurubatuba (outro nome de origem tupi-guarani, que significa “Terra dos Jerivás” – Jerivá é o nome de uma das espécies de palmeiras abundantes na região), o qual nomeou o reservatório.

A sua principal via chama-se Atlântica, em homenagem à Mata Atlântica, que recobria parte importante do continente em que se situa e que, atualmente, sofre com o progressivo desmatamento. Antes, chamava-se Robert Kennedy, homenagem ao irmão assassinado do presidente americano também assassinado dos Estados Unidos da América, John Kennedy. Por certo, a América é uma grande influência nestas paragens. A influência da França está representada na nomeação do Parque e Viveiro (de mudas de plantas nativas) Jacques Costeau, que por hora está interditado para o uso público por desavenças sobre a sua jurisdição, utilização e preservação, para além de Canes.

Como Estônia é expansionista, ela abarca a Pomerânia, Berlim e Munique, que estão um pouco distantes entre si; Moscou, Odessa, Havana, Monróvia compõem uma comunidade de vizinhos. Israel fica perto de El Salvador, Persépolis e uma Nova Esparta surgem redivivas nas imediações do centro estoniano. Varsóvia convive com a esfacelada Tchecoslováquia, ao lado das saudosas Lisboa, Estoril, Porto e Porto do Tejo. Muito perto de Dublin, de Lauzane, de Berna e da Tailândia. As Maldivas estão de frente para Mar Del Plata, Ipanema, Leblon, Lagos, Galiza e Lido. Os japoneses Kano e Hiroshi Shiozawa e o universal Mahatma Ghandi estão par a par com Enzo Ferrari, que se sente em casa aos pés do Etna e do Vesúvio. Perto da Estônia, temos o Rio Bonito e temos Interlagos, que dá nome não oficial ao Autódromo Internacional José Carlos Pace, onde pilotos de todo o mundo correm todos os anos, muitas vezes, decidindo o Campeonato Mundial de Fórmula 1.

A região da Estônia é um lugar planejado, famosa por abrigar vários clubes náuticos, que vê o seu horizonte junto à linha d’água se expandir para muito além da dos seus vizinhos, aprisionados por paredes de imensos edifícios que se espalham para o centro do continente. Suas ruas arborizadas, retas e planejadas, constituem um oásis no caos produzido no entorno por milhões de automóveis que transitam pelas localidades vizinhas que constituem o grupo de nações adjacentes. Suas inúmeras igrejas, de todos os matizes da fé, tem uma convivência pacífica e híbrida. Chama atenção a Igreja Luterana da Paz, a Igreja Apostólica da Conquista, o Centro Católico de Evangelização Shalom, a Pan American Christian Academy e o Santuário São Judas Tadeu, demonstrando a grande tradição piedosa de seu povo.

No entanto, não tente fazer uma pesquisa de mercado, um questionário publicitário ou nem mesmo pedir informações, mesmo as mais genéricas, aos seus habitantes. Extremamente desconfiados, não recepcionam ninguém sem identificação expressa e não gostam de falar sobre os seus hábitos. Medo da violência ou espionagem de Obama ou Putin? A conferir… Enfim, esse enclave no território geográfico de São Paulo tenta se manter à parte de seus próximos, como se fizesse parte de um mundo reformado. Referente ao mundo conhecido, porém dele desassociado. De origem misteriosa, o surgimento de seu nome talvez tenha sido sugerido por algum oriundo, mas o mais provável é que tenha sido inspirado pela distância e estranheza quase mágica que causaria tal alcunha no lugar, a ponto de chamar a atenção de um povo de um outro continente, há anos-luz da realidade dali.

*Texto de 2016

3 thoughts on “Estônia, São Paulo / SP*

    1. Ana Luiza, como percebi que haveria poucos elementos para colocar na descrição de uma rua chamada Estônia, não de um bairro, busquei o entorno e percebi que havia essa característica imbricada em termos de referências díspares. Não pude fazer “in loco” por absoluta falta de tempo. Acabei criando um texto brincando com possibilidades um tanto exageradas. Nós, escritores, podemos, não podemos?

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.