BEDA / Acordado

2014

O registro fotográfico acima data de exatamente nove anos. Usuário compulsivo de cabelos compridos – por influência do Movimento Hippie, que nunca me deixou -, eu os usei mesmo depois que começaram a escassear pouco a pouco. O que me conferia um ar de poeta rebelde Beatnik, o que não deixou de ser semente do Flowear Power. Os beatniks, surgiram na esteira do final da Segunda Guerra Mundial. Os hippies enfrentavam os horrores da Guerra do Vietnã como podiam, com protestos, estilo de vida alternativo e cantando que a força da flor venceria o canhão.

Nascido no início dias Anos 60, fui arrebatado desde pequeno, ainda que não tivesse exata consciência do que queriam expressar, assimilei o visual de cabelos revoltos como bandeira de minha postura de um sujeito que se sentia inadequado para viver a sequência de eventos a qual a Sociedade chamava de Vida. Eu achava totalmente estranho que não houvesse alternativas à “aquilo”. O meu cabelo despenteado sempre foi símbolo, para mim, de minha inconformação e inconformidade.

Porém, houve um período em que desbastei os cabelos e comecei a parecer um sujeito normal. Por volta dos 17, encetei pelas filosofias orientais e percebi que a paz que procurava tinha que vir de dentro para fora. Estava decidido em caminhar pelas sendas do autoconhecimento e evitar interagir com os “seres humanos comuns”. Ali, eu percebi o claro sinal da vaidade a qual considero a minha ruína. É difícil escapar às conformações mentais de quem está encarnado. Lutava arduamente para que ela não se expressasse de maneira tão forte.

Exteriormente, aparentava a humildade de um monge, em roupas e postura. Não queria chamar a atenção de nenhuma maneira. Na escola, passei a sentar com a “turma do fundão”, o que chamou muito mais atenção para mim, já que a minha voz sequer era ouvida. Não deixou de haver identificação com os sujeitos que eram bem mais interessantes do que a falange estudiosa. Também já havia notado o quanto a escola, principalmente aquela dos Anos 70, tentava enquadrar todos na mesma forma, para torná-los bons e obedientes cidadãos pagadores de impostos. Apesar de ler muito, deixei de estudar com afinco a maioria das matérias. O que fez com fosse reprovado em Química duas vezes.

Dando um salto no tempo, já casado e com três filhas, voltei ao estilo mais solto, de quem não tinha nada a provar. Mesmo porque, a minha alma inquieta eu sei que continuará a me colocar à prova nas demandas que me mobilizam profundamente. E com a certeza que posso pagar para ver. Hoje, acordado, ao olhar pelo espelho o meu rosto marcado pelo tempo, pelos brancos a tomarem conta da paisagem, percebo que estou preparado para sofrer a decadência que se aproxima – consequência direta de estar vivo – benção que nos reserva o Tempo.

2023

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelim / Mariana Gouveia / Roseli Peixoto / Lunna Guedes / Alê Helga / Dose de Poesia / Claudia Leonardi

7 thoughts on “BEDA / Acordado

  1. E eu cá a me perguntar: quando foi que a escola não tentou enquadrar os seus alunos numa mesma fôrma? Aliás, a atual (neoliberal) considero que a pior de todas. Mas o que me faz respeirar que há os que conseguem escapar… rá

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