Em casa, tenho um espelho favorito.
Não por acaso, é o mais antigo.
É meu amigo.
Ele sempre está a me mostrar a minha melhor face.
É como se não incorporasse as minhas rugas,
outras marcas da idade na pele
e os sinais de todos os dissabores por quais já passei.
Nesse espelho, sou melhor.
Fico bem, mesmo muito mais velho e envelhecido.
Não pareço tão envilecido
pelas falhas de caráter as quais reconheço
e aquelas que nem sequer suspeito – as que detecto
quando sou posto diante das diversas situações da vida…
Logo, lembro de Dorian Gray, conquanto o quadro se inverta.
Enquanto eu me degrado fisicamente,
o espelho ainda sustenta o olhar do sujeito sonhador,
crente em melhores dias para todos…
Tento ser convencido pelo nobre
que se posta do lado oposto
que o amor ainda é a melhor solução para contrabalançar o mal…
Mas já não consigo amar a todos e qualquer um…
Termino sempre a minha inspeção visual
com a nítida sensação de que estou condenado
ao desprezo do tempo que passa, enquanto a senilidade
jamais alcançará a alta imagem pessoal
do meu espelho favorito…
*Poema de 2017, com imagem de 2023.
