Mas você não sabe se viver é melhor que sonhar (Lua Souza)

— em São Paulo.
Um dos meus letristas preferidos compôs e uma das minhas cantoras favoritas cantou: “viver é melhor que sonhar”, em “Como Nossos Pais”. Belchior até hoje me surpreende pela atualidade de suas composições. E Elis está cantando cada vez melhor. Que ambos já tenham nos deixado fisicamente é irrelevante. A vida é um sonho e sonhar creio ser a condição perpétua da existência. Os Hindus dizem que vivemos um sonho de Krishna.
Há certas ocasiões que nossos sonhos que se desenrolam dormindo são tão poderosos que “parecem ter sido reais”. Entre a aparência e a realização, mesmo que não os tenhamos protagonizados tendo como testemunhas apenas nós mesmos, o impacto que tem nossa vida é enorme. Vai para o repertório de verdadeira vivência. Comigo, aconteceu várias vezes.
Após o passamento de minha mãe, eu estava preocupado com a condição dela na outra dimensão. Sonhei que ela se apresentava a mim como se estivéssemos na antiga casa. Perguntei o que fazia ali e como ela estava. Respondeu que queria me ver e que estava em paz. A consequência direta desse encontro é que acordei com o espírito acalmado, leve, em paz.
Eu tenho me ressentido de não me lembrar muito dos meus sonhos, ultimamente. Sinto falta de vivê-los como acontecia antes. Eu tinha a capacidade de continuá-los noites após noites. E de interferir nos seus caminhos. Em outros, mesmo que disfarçados, percebia que os locais se referiam a pontos específicos, reincidentes. Que fossem estranhos e que encontrasse pessoas que nunca as havia visto antes, não impediu que eu me lembrasse delas até hoje.
A condição onírica da vida muitas vezes se apresenta tão fortemente que confundo sonhos com ações na versão “desperta”. De qualquer forma são lembranças e ainda que quem contracenou comigo no sonho não “se lembre” — porque para ela não aconteceu — eu me lembro. Essa condição um tanto dispersa de atuar na vida contribui para que eu apresente um quadro “preocupante” de memória claudicante. Talvez eu devesse também me preocupar, mas ao mesmo tempo, tenho certo “carinho” com essa característica que não interfere na minha vida funcional, que consigo separar devidamente, com a criativa, que vem ao meu auxílio quando preciso “conversar” com as minhas personagens.
Não digo que não sei se viver é melhor que sonhar, simplesmente porque não há separação entre um estado e outro de consciência para mim. Vivencio as duas condições da mesma forma, com efeitos que demarcam bem a minha passagem pelo terceiro planeta desde o Sol, neste cantinho da Via Láctea, que fica na borda do superaglomerado Laniakea — um conjunto que tem 500 milhões de anos-luz de diâmetro e massa de 100 milhões de bilhões de sóis. No total, 100 mil galáxias fazem parte dessa estrutura. Não é um sonho?
Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes
Interessante, eu não sonho talvez porque delire na mior parte do tempo e os sonhos não consiga competir com isso. Fiz exame do sono na época da faculdade. Tinha pouca ou nenhuma necessidade de sono. Conseguia ficar dias sem dormir, consequentemente sem sonhar. Mas compreendi que havia um caminho para o sono noturno, um momento que eu precisava render-me a ele. Ou dormiria. Passei a ir para a casa com um livro em mãos. Começava a ler e despertava no dia seguinte, ralhando com a história não-lida. Curioso que ao ler o livro, reconhecia linhas inteiras, passagens, diálogos e ficava em dúvida do momento em que a leitura havia sido interrompida. Era uma releitura.
Certa vez, perguntaram-me porque uma garota italiana gostava de bossa nova e meus pais ouviam o ritmo. Blues e rock eram outras coisas ouvidas, além da ópera. Minha mãe respondeu que eu sempre fui boa ouvinte. De poucas falas, quanto menos, melhor. rs Mas como explicar o livro-lido durante o sono?
Talvez você não fosse tão interessante a Freud, nesse sentido, né, Lunna? Certamente especularia que fosse algum bloqueio ou seu estado permanente seja onírico e você o sinta como real. Bobeando, somos todos personagens de seu sonho…