Baile Eterno

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Pelos bailes da vida…

Formavam um casal marcante das noites dançantes dos salões de São Paulo – Ypiranga, Piratininga, Homs, Casa do Sargento. Apreciavam todos os ritmos, porém os boleros, com seus temas passionais, pontuavam a imaginação e os passos dos dois dançarinos. Entrelaçavam-se de tal maneira que quase não se distinguiam. Vez ou outra, descolavam os rostos e se entreolhavam enternecidos.

A movimentação que faziam, ao estilo carioca, permitia que rodassem a pista, de um ponto ao outro. Por onde passavam, recebiam cumprimentos e olhares de admiração pela evidente paixão com que compartilhavam a cumplicidade.

Após quarenta e três anos de baile, uma doença fulminante acamou a dama por meses. Após o que, ela veio a falecer, para a consternação dos companheiros dançarinos. Algo inédito, seu velório ocorreu em uma pista de dança. Antes da saída do cortejo, se formou uma grande roda onde todos, com os seus melhores trajes, homenagearam a dançarina com uma salva de palmas, tão comum ao final de cada seleção de canções.

Soube-se que, antes de perder definitivamente a consciência, pediu ao companheiro de vida-passos que não deixasse de frequentar os salões de baile. Desejo atendido, ainda que amigas do casal insistissem em convidá-lo às pistas, ele não consentia atendê-las.

Preferia voltear sozinho como se tivesse a antiga parceira nos braços. Alguns, se condoíam. Outros, que não conheciam a sua história, apenas presenciavam mais uma figura estranha da noite, como tantas.

Passados alguns anos, ele já não consegue erguer os braços junto ao peito e nem rodar a pista no sentido anti-horário. Restringe-se a passar compassadamente frente ao palco, de lado para outro, cabeça baixa, à espera do dia que entrará no Grande Salão. Nele, encontrará a parceira. Pedirá gentilmente que se erga e a convidará para a pista. Enfim, indissoluvelmente unidos, continuarão a dançar o Baile Eterno.

4 thoughts on “Baile Eterno

    1. Talvez não se permitisse compartilhar a dança com outra pessoa, Lunna. Aliás, devia imaginar que ainda a tivesse nos braços. O mais saudável seria aceitar a solução que propôs.

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