
O rapaz ficara avesso ao toque humano desde que perdera a mãe em um supermercado. Ela pediu que o menino fosse buscar ovos na seção que ficava no fundo da grande loja e, quando voltou, a genitora já não se encontrava junto ao carrinho, carregado com as compras do mês, do lado de uma das caixas registradoras. Esperto, apesar de contar apenas com cinco anos, deu o telefone do trabalho do pai, que logo foi encontrá-lo. Testemunhas disseram que depois que ele se afastou, a mulher saiu pela porta do supermercado em direção ao estacionamento. Seu carro foi visto saindo apenas com a motorista, em direção à Marginal. Sem deixar bilhete ou outro tipo de mensagem, nunca mais deu notícias. Largou, além do marido desnorteado, um filho atônito-entristecido.
Com o correr dos anos, a criança desenvolveu um comportamento arredio. Cumpria a rotina escolar contando com os poucos colegas que pudessem dizer que fossem razoavelmente próximos. Passou por aqueles tempos quase sem ter sua presença reconhecida. Nessa contínua auto imersão buscava encontrar as razões por ter perdido a mãe dentro si. Intuía que ele fosse o motivo de sua partida. Ao mesmo tempo, a prospecção da culpa que carregava propiciou que mergulhasse em leituras cada vez mais extensas sobre o amor versado em palavras.
Escritores que discorreram sobre o amor constituíam a maior parte de sua biblioteca. A leitura contumaz de Jane Austen, Shakespeare, D.H. Lawrence, Federico Moccia, Jorge Mario Llosa, Nicolas Sparks, Miguel de Cervantes, Lunna Guedes, entre outros, fez com que construísse a Teoria do Amor Falado, que tinha como base declarar o amor, ainda que não dirigido diretamente a alguém. Começou a crer que fosse uma energia que existisse independentemente dos seres, que qualquer pessoa poderia se apropriar apenas ao verbalizá-lo.
De fato, além da própria palavra amorosa, o seu olhar de elo perdido da vida, seduzia olhos e ouvidos de seus interlocutores. Quando questionado sobre a origem de sua postura, respondeu: “Não só precisamos ler-ouvir que somos amados. Fiquei tanto tempo sem poder dizer que amava alguém, que percebi o quanto é importante doar amor ainda que apenas escrito ou falado”…

E tenho o dito, por vezes, a escrita basta…
Realmente, a escrita é documental.
Creio no poder da palavra, tanto quanto na eloquência dos silêncios. Sinto que elas (as palavras) moram dentro dos meus olhos e, irremediavelmente, saltam pela boca. Há quem as ouça e quem as perceba… Com sorte, espero encontrar quem as devore. Amor por palavras!
Um dia, chegaremos a desenvolver a capacidade de nos comunicarmos essencialmente pelo silêncio. Enquanto isso, as palavras se fazem necessárias e os silêncios como contrapontos, muitas vezes, como disse, tão eloqüentes quanto…
Também gosto das crônicas “palavras-compostas” de Lunna Guedes.