
Dia desses, enquanto varria o quintal, Deus veio a se incorporar em um marimbondo adulto. Não estava elegantemente em pleno voo, mas praticamente debaixo de um pé humano que, no entanto, decidiu não O esmagar. O pé era o meu…
Um adendo – para desespero de minhas filhas e esposa, normalmente reluto em abater baratas voadoras e prefiro afastar pernilongos com o ventilador ligado ou repelente a persegui-los com armas como inseticidas, chinelos, panos ou até mesmo com as mãos nuas. Não desrespeito formigas, besouros e muito menos borboletas.
Porém, como já fui picado muitas vezes por marimbondos, vários tipos de vespas, além de abelhas (dói muito), decidi eliminá-lo. No entanto, ao ver àquele inseto a caminhar cambaleante pelo piso do quintal, sua situação precária fez com que o movimento da minha perna estancasse…
Naquele momento, pensei: “morremos todos…”. Para a minha surpresa, o marimbondo assim se revelou: “Oi! Sou Deus!” – Por mais que pareça absurdo, acreditei piamente…
A minha filosofia permite acreditar que Deus venha a se manifestar em todas as coisas viventes, como a compor peças de um intricado jogo de quebra-cabeças que nunca conseguiremos montar enquanto estivermos olhando apenas com os olhos de carne.
Dessa forma, pela poderosa conexão mental que se criou entre mim e o Marimbondo-Deus, perguntei o que fazia Ele reduzido ao corpo de um inseto.
– Vez ou outra, Eu, que vivo em tudo e em todos, dos neutrinos aos buracos negros, das bactérias ao multi-universos, faço uma viagem para dentro de um ser natural de qualquer dos bilhões de incontáveis planetas onde se manifesta a vontade vital. É um exercício de percepção.
– Mas, se eu O matasse?
– Não morreria. Não há morte. Cessado o funcionamento do sistema organizado a que chamam de vida, volto a Ser, vamos dizer assim, Senhor de Tudo. Em verdade, mesmo “encarnado”, não deixo de Ser Onisciente… Contudo, ao Me tornar tão profundamente vulnerável, mais amplo Me Sinto…
– Posso fazer uma pergunta, que O Senhor já deve saber qual é, Sendo Deus?
– A resposta é que você não ganhará nenhum prêmio por ter agido com compaixão em relação a um ser menor, mesmo Sendo Ele, Deus. Não se “ganha” o Paraíso como uma espécie de bonificação por agir bem…
Parece que o próprio Deus Vivo também gosta de pausas dramáticas, porque esperou um tempo longo demais para continuar, enquanto mal batia as asas rotas de marimbondo moribundo. Eu, aguardava pela resposta tenso como a vassoura em minha mão…
– … Você alcança o Paraíso Sendo Deus!…
Deus se arrastou um pouco mais e morreu… Não precisou da minha pisada para voltar a Ser Tudo plenamente. Não O deixei onde estava. Eu O varri, junto com os outros detritos no quintal e O joguei no lixo. Mais uma vez, no exercício da varredura, mergulhei na profundidade do Universo, ao recolher restos de folhas, cocôs das cachorras, poeira no chão e Deus…
o bom do não-saber é que deus continua a não-ser. rá