Sobre Maria Madalena

Mamãe

A foto acima foi tirada na Praça da República. A estátua que podemos ver atrás de mim e de minha mãe já não existe mais. Bem como o mundo que a rodeava. Dona Maria Madalena, fisicamente, também já passou. No entanto, eu ainda a tenho viva dentro do peito, estranhamente a ocupar cada vez mais espaço em minha mente.

Em um tempo em que nós, homens, somos recriminados por amarmos o lado vaidoso da mulher, como se isso denotasse um sintoma de machismo, me recordo que minha mãe gostava muito de se maquiar, pentear seus belos cabelos, se perfumar, escolher uma boa roupa. Eu a via sentada em sua penteadeira, escolhendo os brincos, as pulseiras ou os colares que iria usar. Aprumada e bonita, gostava de dizer que, moça ainda, quase se tornara garota-propaganda, mas que a família foi contra esse desejo porque a profissão de atriz era muito mal vista naqueles tempos e os seus irmãos, que a criaram na ausência do pai (morto aos seus quatro anos) e da mãe (morta aos seus doze anos), a proibiram firmemente, chegando a quase impedi-la de sair de casa para fazer qualquer coisa.

Durante toda a sua existência, a lembrança de sua mãe, Dona Maria Manuela, se fez presente a tal ponto de verter sempre uma lágrima a cada momento que falava sobre ela, entre a tristeza da descrição da doença que a levou aos poucos e a alegria ao revelar que ela amava cantar, incluindo o Hino Nacional Brasileiro, que aprendeu rapidamente logo que chegou da Espanha, além das canções de Francisco Alves, Vicente Celestino, Carmen Miranda e as irmãs Batista – Linda e Dircinha. Todavia, a recordação de um fato que ocorreu um pouco antes do AVC de Dona Maria Manuela, a deixava arrasada, como se atribuísse a si a culpa pelo que sucedera – uma resposta malcriada de sua parte à uma solicitação da mãe e que teria sido a última coisa que dissera à ela, antes de falecer.

Quando ouvi essa história pela primeira vez, fiquei assustado com a possibilidade que isso viesse a acontecer com ela por causa das minhas próprias malcriações. Não conseguia conceber viver sem a presença de minha mãe e, por algum tempo, essa transferência memorial funcionou para aplacar a minha rebeldia. Porém, na adolescência, com a efervescência hormonal que todos nós sofremos, nem isso evitava que brigasse constantemente com ela. A ausência do meu pai contribuía para que a situação não fosse melhor. Hoje, eu sei que, psicologicamente, queria substituí-lo, incorporando as críticas à minha mãe que ele, injustamente, usava como pretexto para se afastar de casa. De certa forma, parecia que eu a achasse responsável por ele ter ido embora.

Apenas relativamente bem perto de sua passagem é que compreendi o quanto estava obliterado a minha visão do que acontecera, mas não entrarei em maiores detalhes sobre isso, agora. O que eu quero, neste Dia das Mães de 2019, é agradecer publicamente por a senhora ter me amado, minha mãe! Por acreditar mais em mim do que eu mesmo – algo que não compreendia. Fico a imaginar o que enxergava naquele rapaz o que eu nem suspeitava. Ou talvez fosse somente crença de quem ama, como a mãe que visita o filho na cadeia e espera o tempo de remição da pena, o acompanhando, apesar de todos os erros que cometeu. Sei que a senhora está em paz porque assim me falou quando a encontrei “em sonho”. Vou encerrar declarando o que pouco consegui anunciar quando estava nesta dimensão: “Eu a amo!”…

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