Fui chamado para conversar com um sujeito que, a princípio, não reconheci, mas que diziam ser da família. Todos na família sempre disseram que era uma pessoa cordata, conciliadora e paciente. Mal sabiam o esforço que fazia para que não matasse metade dos meus parentes. Concordaram que apenas eu poderia resolver a enrascada que um deles se metera.
Compareci àquele local e estranhei que parecesse um tribunal. Numa bancada à frente, um homem de preto, todo solene, perguntou o meu nome e respondi claramente: Natan Natan.
— O senhor sabe o que veio fazer aqui, hoje, Sr. Natan?
— Desculpe lhe perguntar, mas quem é o senhor?
— Eu sou o Meritíssimo Juiz José Gomes.
— Sr. José, me disseram para vir conversar com alguém da minha família… que ele precisava que eu o acalmasse ou algo assim.
— Prefiro que se dirija a mim como Meritíssimo. A sua família não mentiu. Peço que o senhor converse como aquele senhor sentado ali, à minha esquerda… o reconhece?
— Claro que sim! Oh, Maninho, que está fazendo aqui?
— Ah, Natan… é você? Eu não sei o que aconteceu. Mas parece que briguei com os meus cunhados. Sabe como eles são. Começaram a gozar da minha cara. Disseram que eu era estranho e tudo mais. Mexeram nas minhas coisas. Encontraram roupas de mulher. Perguntei qual era o problema de me vestir com aquelas roupas de vez em quando. Me chamaram de traveco. Apenas porque me colocava dessa maneira fora do Carnaval, como todos eles. Só sei que chamaram a polícia depois que comecei a quebrar tudo. Os policiais chegaram me derrubando. Não me lembro de mais nada.
— Eu também não sei… Além disso, do que o Maninho está sendo acusado, Meritíssimo?
— Você não sabe mesmo, Sr. Natan?
— Não, por que saberia? Apenas me chamaram para vir aqui.
— Pois a pessoa a qual chama de Maninho matou seus dois cunhados com uma faca de cozinha, no Natal. Faz já três meses. Não se lembra?
— Caramba! Eles eram chatos, mas não mereciam morrer. Eu não estava em casa no Natal, mas viajando. Eu me ausento constantemente.
— Não se lembra mesmo de mais nada, sr. Natan?
— Não, mesmo, Meritíssimo! Como eu disse, estava ausente.
— Por mim, estou satisfeito. O senhor pode se retirar. Esses dois senhores ao seu lado vão levá-lo para outra sala, tudo bem?
— Cadê o Maninho?
— Ele já se foi, mas estará bem… Daqui a pouco voltarei a chamá-lo.
— Obrigado, Meritíssimo!
— Os dois caras, grandes como armários, me conduziram a uma sala. Só então percebi que havia um terceiro homem que me acompanhava. Vestia um terno cinza e carregava uma pasta preta. Perguntei quem era.
— Sou um advogado, Sr. Natan.
— Do Maninho?
— Sim, do Maninho. Ele matou os seus cunhados. Logo o juiz dará a sentença. Mas parece que não irá para a prisão comum. Quer dizer, ficará recluso, mas para tratamento mental. Ele foi diagnosticado com transtorno de personalidade dissociativa.
— Coitado do Maninho! Ele sempre foi esquisito! Mas matar, não acredito… eu, sim… de vez em quando sinto certos impulsos… mas me controlo.
— Melhor, Sr. Natan… Olha, estão nos chamando.
— Tá bom! Vamos ver o que se passará com o Maninho.
Caminhamos para a sala do tribunal, já imaginando a reação de Maninho. Sempre tão tímido e avesso a amizades. Tão sozinho… ele só conversava comigo. E, agora, isso… Entramos e, em poucos minutos, o Meritíssimo estabeleceu a pena do Maninho. Ele permaneceria detido no Manicômio Psiquiátrico indefinidamente, onde faria avaliações periódicas até ser considerado apto a voltar para a sociedade. Maninho era tão esquisito que eu acho que nunca mais deixará o hospício, o pobre…
Saí do prédio com os meus dois novos amigos a me acompanharem até o veículo que me deixaria na estação para a minha próxima viagem. Não sei quanto tempo eu ficarei fora… Dá vontade de nunca mais voltar…
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